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Educación Física y Ciencia

On-line version ISSN 2314-2561

Educ. fís. cienc. vol.22 no.2 Ensenada  2020

http://dx.doi.org/https://doi.org/10.24215/23142561e132 

Artículos

Exercício aeróbio em jejum: prescrição e opinião profissional e sua prática por alunos de academias de musculação

Fasting aerobic exercise: professional prescription and opinion, and its practice by students of bodybuilding academies

Thiago Cheung Bernardo1 

Robert Passos da Silva2 

Willen RemonTozetto3 

Anne Ribeiro Streb4 

Giovani Firpo Del Duca5  gfdelduca@gmail.com

1Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil

2Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil

3Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil

4Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil

5Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil

Resumo

Os objetivos do estudo foram investigar as prevalências da prescriçãoe interpretação profissional e da prática de exercício aeróbio em jejum por alunos praticantes de musculação, bem como, comparar o conhecimento de professores e alunos sobre os potenciais benefícios e riscos desta. Na comparação empregou-se o teste exato de Fischer. Participaram do estudo 110 alunos e 8 professores. Não houve relato de prescrição, enquanto a prática atual de exercício aeróbio em jejum foi de 16,4%. O principal objetivo relatado para a prática foi o emagrecimento. Nos benefícios, os professores relataram em maior proporção que o aeróbio em jejum pode promover melhoria da saúde, mas também reconheceram que a prática pode trazer malefícios à saúde. A divergência entre prevalência de prescrição profissional e prática do exercício aeróbio em jejum sinalizam um provável desconhecimento dos professores acerca da forma como os exercícios aeróbios estão sendo praticados por alunos em academias de musculação. Ademais, o conhecimento dos professores sobre os potenciais riscos dessa prática precisa alcançar seus alunos, objetivando informá-los da possibilidade de eventos indesejáveis à saúde.

Palavras-chave Atividade motora; Privação de alimentos; Academia de ginástica; Estudos transversais

Abstract

The aims were to investigate the prevalence of professional prescribing and interpretation the practice of fasting aerobic exercise by muscle training practitioners, and to compare the knowledge of teachers and practitioners about the potential benefits and risks of this practice. In the comparison, Fischer exact test was used. 110 practitioners and 8 teachers participated in the study. There was no report of prescription, while the prevalence of the current practice of fasting aerobic exercise was 16.4%. The main aim reported for practice was weight loss. With regard to the benefits, teachers reported in greater proportion that fasting aerobic exercise may promote health improvement. The divergence between the prevalence of professional prescribing and the practice of fasting aerobic exercise signals a probable lack of knowledge of the teachers about the way aerobic exercises are practised by practitioners in fitness centers. In addition, the knowledge of teachers about the potential risks of this practice needs to reach the practitioners of resistance training with the aim of informing them about the possibility of undesirable health events.

Keywords Motor activity; Food deprivation; Fitness center; Cross-sectional studies

Introdução

Nos últimos anos, diversos métodos têm surgido na tentativa de otimizar os resultados da prática de exercício físico (Gilleny Gibala, 2014; Marquet et al., 2016). Dentre eles, o treinamento aeróbio em jejumemergiu comopossibilidade de exercício aeróbio realizado no início da manhã em estado não alimentado, com o intuito de maximizar a mobilização de gorduracomo substrato energético (Schoenfeld, 2011). O principal argumento em prol dessa prática é que, durante o jejum, os níveis de cortisol são maiores, ocorrendo assim um aumento da utilização de gordura e, após um jejum noturno, as reservas de glicogênio são reduzidas, corroborando para o processo lipolítico (Paoliet al., 2011; Schoenfeld, 2011, Wallis y Gonzalez, 2019). Em uma recente revisão sistemática e metanálise, verificou-se que o exercício em jejum aumentou a circulação de os ácidos graxos livres nos participantes após a prática em maior quantidade quando comparado àqueles que treinaram alimentados (Aird, Davies y Carson, 2018). Neste sentido, a prática de exercícios aeróbios realizados com baixa ou moderada intensidade são ditas preferenciais, devido a uma provável otimização da oxidação lipídica, quando comparadaa intensidades vigorosas (Schoenfeld, Aragon, Wilborn, Krieger y Sonmez, 2014; Vieira,Costa, Macedo, Coconcelli y Kruel, 2016).

Por outro lado, algumas evidências sugerem que o treinamento aeróbio em jejum não promove alteraçõespositivas e significativasna composição corporal, especialmente no emagrecimento, quando comparado ao estado alimentado (Natalício, Pereira, Gonçalves, Ildefonso y Drummond, 2015; Schoenfeldet al., 2014). Ainda, Almeida y Balmant (2017) afirmam que realizar o exercício de forma alimentada é favorável para melhorar o desempenho físico, pois a ingestão de carboidratos antes do exercício, especialmente aqueles complexos, aumenta as reservas de glicogênio, prorrogando o aparecimento de sinais e sintomas, como a hipoglicemia e a fadiga. Ademais, indivíduos que praticam exercícios aeróbios em jejum podem experimentar desconfortos, como dores de cabeça, constipação, sonolência, tontura e fraqueza (Brasil, Pinto, Cocate, Chácara, Marins, 2009; Felaço, Hass y Francisco, 2019), o que aumenta os riscos dessa prática para a saúde e o bem-estar.

Mesmo com as controvérsias sobre os benefícios deste tipo de exercício e as evidências do risco de desconfortos oriundos da sua prática, alguns profissionais da saúde acreditam que a realização de exercícios aeróbios em jejum é capaz de potencializar os resultados, principalmente na composição corporal, demonstrando assim uma divergência entre teoria e prática. Quando se trata de prescrição de exercício, o profissional de Educação Física tem o papel de exercer esta função de forma responsável e ética, minimizando os riscos e visando a segurança de seus alunos, principalmente em academias de ginástica, ambiente de atuação desta profissão.

Diante do cenário atual, que incentiva à prática de exercício físico por diversos meios de comunicação e a emergente difusão do exercício aeróbio em jejum como estratégia de emagrecimento, nota-se uma carência na abordagem científica desta temática. Percebe-se também que, quando o ambiente de investigação são as academias de ginásticaonde há a presença de profissionais responsáveis pela prescrição de exercícios e também, ao que diz respeito a avaliação do conhecimento destes profissionais e de seus alunos com relação aos riscos e benefícios desta prática, a literatura ainda se apresenta de forma escassa. Nesse sentido, os objetivos do presente estudo foram investigar as prevalências da prescrição e a interpretação profissional e da prática de exercício aeróbio em jejum por alunos praticantes de musculação, bem como, comparar o conhecimento de professores e alunos sobre os potenciais benefícios e riscos desta prática.

Método

Trata-se de um estudo tranversal, realizado em três academias de musculação da cidade de Florianópolis, Santa Catarina, no período de Abril a Maio de 2017. A amostra, escolhida de forma não-probabilística, foi composta por homens e mulheres frequentadores destas academias no período matutino e, também, por profissionais de Educação Física que atuam como instrutores ou personaltrainers no mesmo turno.

Os critérios de elegibilidade para os alunos foram: ter idade ≥18 anos e praticar exercícios aeróbios e musculação há, no mínimo, três meses ininterruptos. Quanto aos profissionais, foram incluídos todos os professores já formados em Educação Física eatuantesno setor de musculação das academias selecionadas.

Foram utilizados como instrumentos de coleta de dados dois questionários construídos pelos pesquisadores. Um deles teve por finalidade verificar informações relativas à prescrição profissional e ao conhecimento acerca dos potenciais benefícios e riscos do exercício aeróbio em jejum por parte dos professores. O instrumento continha 18 perguntas, divididas em três categorias: dados de identificação do professor, prescrição de exercício aeróbio em jejum e conhecimento sobre a prática de exercício aeróbio em jejum. O segundo questionário, direcionado aos alunos, continha 23 questões, divididas em três categorias, sendo elas: dados de identificação do aluno, características da prática de exercício aeróbio em jejum e conhecimento sobre os potenciais benefícios e riscos da prática de exercício aeróbio em jejum.

Os dados foram coletadosem formato de entrevista, em espaço reservado, com os indivíduos que aceitassem participar de forma voluntária e mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. As aplicações foram feitas sempre pelo mesmo pesquisador treinado previamente.

As variáveis dependentes forama prática e a prescrição do exercício aeróbio em jejumatual, no último ano e alguma vez na vida. A prática foidefinida pelasrespostas afirmativas às seguintes questões: “Atualmente, você prática exercício aeróbio em jejum?”, “No último ano, você praticou alguma vez exercício aeróbio em jejum?” e “Você já praticou exercício aeróbio em jejum alguma vez na vida?”. Se tratando da prescrição, foram feitas as seguintes questões: “Atualmente, você prescreve exercício aeróbio em jejum?”, “No último ano, você prescreveu alguma vez exercício aeróbio em jejum?” e “Você já prescreveu exercício aeróbio em jejum alguma vez na vida?”. Como variáveis independentes, foram utilizadas as informações autorelatadas referente ao conhecimento acerca dos potenciais benefícios e malefícios, as características da prática do exercício aeróbio em jejum, os motivos para a interrupção e a presença de desconfortos. O conhecimento sobre os benefícios e malefícios foram categorizados em “concorda” e “discorda” por meio das seguintes perguntas: “Sobre a frase: “A prática de exercício aeróbio em jejum pode trazer benefícios à minha saúde”, você:” e “Sobre a frase: “A prática de exercício aeróbio em jejum pode trazer malefícios à minha saúde”, você:”

Aanálise de dados foi realizada por meio do pacote estatístico do programa Stata – versão 13.0 (Stata Corporation, CollegeStation, Estados Unidos). A estatística descritiva incluiu média, desvio-padrão e frequências relativa e absoluta. Na estatística analítica, empregou-se o teste exato de Fischer, adotando-se o nível de significância de p≤0,05.O presente estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina, com aprovação sob o parecer de nº 2.595.462.

Resultados

Participaram do estudo oito professores (idade=30,0±5,9 anos; 87,5% homens; 25% com Pós-Graduação completa) e 110 alunos (idade=27,0±9,0 anos; 51,8% mulheres; 48,2% com Ensino Médio completo) (TABELA 1).

Tabela 1 Características sociodemográficas de alunos e professores de academias de musculação. Florianópolis, 2018 (n=118).n=frequência absoluta. %=frequência relativa. 

Dentre os professores, não houve relato deprescrição atual de exercício aeróbio em jejum. Já entre os alunos, 18 deles (16,4%) dizem praticar atualmente. O emagrecimento foi a finalidade mais citada para a sua realização (38,9%) e 77,8% relataram se exercitar em intensidade vigorosa. A “fonte própria” de consulta foi aresposta mais frequente (44,4%). O ambiente relatado pela maioria dos praticantes foi a própria academia de musculação (77,8%) e a média de frequência semanal realizada pelos praticantes do exercício aeróbio em jejum foi de 3,0 ± 1,4 vezes por semana, tendo como duração média da sessão, 43,3 ± 28,3 minutos. Mais detalhes da prática atual do exercício aeróbio em jejum por alunos são apresentados na Tabela 2.

Tabela 2 Características da prática atual de exercício aeróbio em jejum. Florianópolis, 2018 (n=18).n=frequência absoluta. %=frequência relativa. 

Com relação à prescrição do exercício aeróbio em jejum, 1 profissional (12,5%) relatou ter prescrito este exercício no último ano e outros 2 profissionais (28,6%) informaram que já o prescreveram alguma vez na vida, sendo que o motivo para a interrupção da prescrição foi o mal-estar relatados pelos alunos. A Tabela 3 mostra informações referentes aos alunos que já praticaram o exercício aeróbio em jejum no passado. As prevalências de prática no último ano e alguma vez na vida foram, respectivamente, de 24,5% e 18,2%. Na comparação entre alunos que praticaram exercício aeróbio em jejum no último ano e alguma vez na vida, constatou-se que não houve diferença significativa para os motivos da interrupção, a presença de desconforto e para os desconfortos relatados.

Tabela 3 Dados de alunos de academias de musculação que já praticaram exercício aeróbio em jejum, estratificado em último ano e alguma vez na vida. Florianópolis, 2018 (n=47).n=frequência absoluta. %=frequência relativa. Valor p extraído do teste exato de Fischer. 

A Tabela 4 se refere ao conhecimento dos professores e alunos a respeito da prática de exercício aeróbio em jejum. Na comparação entre os grupos, comparados aos alunos, os professores reconheceram em maior proporção que o exercício aeróbio em jejum pode trazer malefícios à saúde (30,3% vs. 87,5%, respectivamente).

Tabela 4 Conhecimentos de alunos e professores de academias de musculação a respeito da prática do exercício aeróbio em jejum. Florianópolis, 2018 (n=118).n=frequência absoluta. %=frequência relativa. Valor p extraído do teste exato de Fischer. 

Os benefícios e malefícios citados pelos sujeitos do estudo são apresentados na Tabela 5. Dentre os benefícios, o emagrecimento foia resposta mais frequentedos alunos (30,9%). Entre os professores, a resposta mais frequente foi “melhoria da saúde” (37,5%). Quando comparadosos benefícios citados por alunos versus professores, apenas a melhoria da saúde apresentou significância (p-valor = 0,010), indicando que os professores apresentaram um relato deste benefício significativamente superior aos alunos (37,5% vs. 4,6%, respectivamente). Os professores também reconheceram a possibilidade de alguns malefícios da prática do exercício aeróbio em jejum em maior propoção que os alunos (fraqueza: p=0,006; tontura: p=0,002; desmaio: p=0,001; dor de cabeça: p=0,020).

Tabela 5 Benefícios e malefícios citados e sua comparação entre alunos e professores. Florianópolis, 2018 (n=118).n=frequência absoluta. %=frequência relativa.Valor p extraído do teste exato de Fischer. 

Discussão

Os objetivos do estudo foram investigar as prevalências da prescrição e interpretação profissional e da prática de exercício aeróbio em jejum por alunos praticantes de musculação, bem como, comparar o conhecimento de professores e alunos sobre os potenciais benefícios e riscos desta prática. Os resultados encontrados demonstram uma prevalência da prática atual de exercício aeróbio em jejum em 16,4% nas academias de musculação estudadas. Com relação a prescrição profissional, nenhum professor relatou utilizar este modelo de exercício com seus alunos atualmente, contudo, 12,5% informaram que prescreveram no último ano e 28,6% alguma vez na profissão.

Corroborando com o presente estudo, uma pesquisa conduzida por Santos,Ribeiro y Liberali, (2012) ao verificar a prevalência da prática de exercício físico em jejum, encontrou que 16,7% dos alunos frequentadores de uma academia de musculação na cidade de Curitiba, Paraná, praticam exercício aeróbio em jejum. Brasil et al. (2009), constataram que dos 500 praticantes de diferentes modalidades de atividade física avaliados em clubes esportivos, 17,8% executavam os exercícios em jejum. Um dos motivos que pode justificar aelevada prevalência desta prática guarda relação comum dos principais objetivos elencados por seus praticantes, ou seja, o emagrecimento. O principal argumento para justificar essa afinidade é a junção de uma modalidade de exercício que utiliza predominantemente a gordura como fonte energética, com um estado onde o organismo apresenta redução de estoques de glicogênio e glicose, aumentando a concentração e metabolismo dos ácidos graxos circulantes (Gentil, 2014; Natalício et al., 2015). Outros fatores que podem explicar esta prevalência é que, devido ao crescimento nos índices de sobrepeso e obesidade (World Health Organization, 2018), a conscientização sobre os malefícios oriundos do acúmulo excessivo de gordura e a preocupação estética mais acentuada em frequentadores de academias de ginástica (Freitas,Silva, Silva y Lüdorf, 2011), as pessoas se empenhem em praticar estratégias veiculadas nos meios de comunicação visando o emagrecimento.

Neste mesmo sentido, o resultado acerca dos objetivos com a prática do exercício aeróbio em jejum foi algo já esperado, com 38,9% de relatos dos participantes elencando o emagrecimento como principal motivo. No estudo de Cardoso, Maders y Vieira, (2016) 11,1% dos entrevistados consideraram adequado realizar exercícios em jejum visandoa diminuição da gordura, enquanto que Monteiro et al. (2017), observaram uma frequência de 4,3% dos participantes afirmando que as pessoas devem praticar exercício físico em jejum para diminuírem a massa gorda. Apesar do emagrecimento ser citado como um dos objetivos, pouco se sabe sobre a eficiência do exercício aeróbio em jejum na redução da gordura corporal. Embora já se saiba que este tipo de atividade utiliza lipídios como principal fonte de energia, aumentando a oxidação dos mesmos durante o exercício (Airdet al., 2018), alguns estudos sugerem que a prática de exercícios aeróbios em estado de jejum não promove maior perda de gordura quando comparado com o estado alimentado (Gillen,Percival, Ludzki, Tarnopolsky, y Gibala, 2013; Natalício et al., 2015; Schoenfeld et al., 2014) evidenciando que ainda há uma lacuna entre entre ciência e senso comum. Um problema resultante é que estrátegias de redução de peso com treinamento precisam apresentar duração acima de 12 semanas para resultarem em modificações corporais que permitam a comparação, enquanto estudos com aeróbio em jejum permanecem, em geral, aproximadamente de 4 a 6 semanas (Wallis y Gonzalez, 2019).

Quando interrogados acerca da fonte de consulta para a prática, a resposta mais relatada foi “própria” (44,4%), ou seja, os participantes praticam o exercício aeróbio em jejum sem recomendação profissional. Garber et al. (2011), recomendam que a prescrição de exercícios físicos deve ser preferencialmente realizada por um profissional da área, reduzindo assim, o risco de complicações relacionadas ao exercício. Curiosamente, a maioria dos alunos praticantes do exercício aeróbio em jejum (77,8%) relatou realizar o exercício nas próprias academias estudadas, ambiente em que os professores possuem a responsabilidade de intervir sobre a prática de atividade física não orientada. Agravando esta situação, a amostra de professores neste estudo relatou não prescreveratualmente este tipo de exercício.

Mesmo com o exercício aeróbio em jejum sendo prescrito e controlado por profissionais, no estudo de Natalício et al. (2015), que avaliou o efeito de 12 semanas de treinamento aeróbio em jejum sobre o emagrecimento, houveram participantes que apresentaram desconfortos durante os treinos, dores abdominais e falta de motivação para a prática, levando-os a abandonarem a participação na intervenção. Esses dados são consistentes àqueles encontrados no presente estudo, onde 37,8% dos alunos relataram mal-estar durante a prática como o principal motivo para interromper a realização desse método de treino. Por este mesmo motivo informado por seus alunos, os professores que já prescreveram o aeróbio em jejum relataram ter interrompido a sua prescrição.

Diversos prejuízos a saúde foram relatados pelos alunos e pelos professores nesta pesquisa, sendo a fraqueza a mais frequente. No estudo de Almeida e Balmant (2017), os autores verificaram que dentre os praticantes que realizavam treinos de musculação em jejum,sintomas adversos foram relatados, como a fadiga, a sonolência ea tontura. De acordo com Brasil et al. (2009), relatos de fraqueza, tontura, fadiga e sonolência são possíveis sintomas de hipoglicemia na ausência de alimentos antes da prática.

Por outro lado, os benefícios de se realizar exercício aeróbio em jejum também foram relatados. Para os alunos, o emagrecimento foi o benefício mais frequente (30,9%), enquanto que a melhora da saúde foi mencionada por grande parte dos professores (37,5%). Ainda, 25,0% dos professores relataram que a prática de exercício aeróbio em jejum promove diminuição dos níveis de glicose. Estudos apontam que durante a realização do exercício em jejum (60-90 min), os níveis de glicose permanecem estáveis e, em longo prazo, melhorias na sensibilidade insulínica são identificadas (Hansen, Strijcker y Calders, 2017). No entanto, Vieira et al. (2016), por meio de uma revisão sistemática com meta-análise, observou maior impacto do exercício aeróbio em estado alimentado sobre a variação de glicose e insulina. A revisão de Aird et al., (2018) sustentou a hipótese de que as condições de jejum e alimentação podem influenciar de forma divergente o metabolismo e o desempenho do exercício físico. Na condição de alimentado, o desempenho aeróbio é prolongado, enquanto que, em jejum, algumas adaptações metabólicas são induzidas aos tecidos periféricos, mas que necessitam de mais investigações (Aird et al., 2018). Nesse mesmo sentido, Terada et al.,(2019) relataram que a prática de exercícios aeróbios de alta intensidade em jejum compromete a manutenção da intensidade e do volume durante o exercício, porém, favorece a capacidade de sustentar exercícios de resistência aeróbia de alta intensidade em comparação com aqueles sujeitos alimentados. Contudo, quando são observados atletas que realizam a prática do jejum por questões religiosas, o desempenho é reduzido ou mantido, sem evidencias de melhora (Levy y Chu, 2019). A alta heterogeneidade entre os estudos demonstra divergências nos resultados deste modelo de exercício, necessitando ainda de mais pesquisas com maior rigor metodológico a fim de identificar os possíveis efeitos à saúde em longo prazo (Vieira et al., 2016).

A identificação e comparação acerca do conhecimento dos benefícios e malefícios da prática do exercício aeróbio em jejum, entre profissionais de Educação Física e frequentadores de academias de ginástica de Florianópolis inseridos no mesmo ambiente é um aspecto importante e positivo a ser destacado neste estudo, o que pode estabelecer uma possível relação entre o conhecimento científico, por parte dos profissionais, e o senso comum. Como limitações do estudo, pode se considerar o tamanho da amostra de profissionais, no entanto, é importante salientar que isto é devido a característica do ambiente pesquisado. Além disso, a utilização de um instrumento não validado, devidoa escassez de informações relacionadas à temática, também pode ser um ponto limitante.

Em conclusão, a divergência entre as prevalências a prática e da prescrição de exercício aeróbio em jejum identificada neste estudo, aponta um cenário preocupante e com possíveis prejuízos à saúde dos praticantes deste tipo de exercício. Além disso, a prática do exercício aeróbio em jejum não possui respaldo suficiente na literatura científica que justifique a sua prática frente ao exercício alimentado, principalmente por seus efeitos adversos, com relatosde mal-estar durante a prática. Assim, aqueles que o executam atualmente possuem considerável probabilidade de, em curto e médio prazo, apresentarem algum evento indesejável à saúde.Por fim, sugere-se que novas pesquisas com metodologia similar sejam realizadas, dispondo de maior tamanho amostral, principalmente dos professores de academias de musculação.

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Recibido: 03 de Junio de 2019; Aprobado: 10 de Junio de 2020

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