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Educación Física y Ciencia

On-line version ISSN 2314-2561

Educ. fís. cienc. vol.23 no.4 Ensenada  2021

http://dx.doi.org/https://doi.org/10.24215/23142561e200 

Artículos

Desbravando horizontes e possibilidades de trabalho com a dançaterapia

Abriendo nuevos horizontes y posibilidades de trabajo con la danzaterapia

Exploring horizons and working possibilities with dance therapy

1Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul de Minas Gerais

2Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul de Minas Gerais

3Universidade Estadual de Roraima

Resumo

Este estudo qualitativo de caráter explicativo e estudo de caso objetivou verificar que tipo de contato os participantes tiveram com a dança e dançaterapia no decorrer de suas vidas e averiguar se a participação em um curso virtual de formação continuada foi capaz de provocar novas percepções com relação ao desenvolvimento da dançaterapia nos mais diversos contextos de atuação. Para a coleta de dados, foi utilizado um questionário semiaberto e um grupo focal. Para analisar os dados, utilizou-se a análise de conteúdo da Bardin (2016) que permitiu elaborar quatro categorias para discussão dos resultados. Foi constatado que, apesar dos participantes terem conhecimentos sobre a dança e dançaterapia, nem todos as experimentaram na prática. O curso impactou positivamente os participantes em relação ao conhecimento da linguagem e ainda transformou seus olhares sobre as possibilidades de trabalho com a dança e principalmente, com a dançaterapia.

Palavras-chave Dança; Educação corporal; Práticas corporais; Formação integral

Resumen

Este estudio cualitativo de carácter explicativo y caso de estudio tuvo como objetivo verificar qué tipo de contacto tuvieron los participantes con la danza y la danzaterapia a lo largo de sus vidas y investigar si la participación en un curso virtual de educación continua fue capaz de provocar nuevas percepciones sobre el desarrollo de la danzaterapia. en los más diversos contextos de actuación. Para la recolección de datos se utilizó un cuestionario semiabierto y un grupo focal. Para analizar los datos se utilizó el análisis de contenido de Bardin (2016), que permitió la elaboración de cuatro categorías para discutir los resultados. Se encontró que, a pesar de que los participantes tenían conocimientos sobre danza y danzaterapia, no todos los experimentaron en la práctica. El curso tuvo un impacto positivo en los participantes en términos de conocimiento del lenguaje y también transformó sus puntos de vista sobre las posibilidades de trabajar con la danza y especialmente con la danzaterapia.

Palabras clave Danza; Educación corporal; Prácticas corporales; Formación integral

Abstract

This qualitative study of explanatory character and case study aimed to verify what kind of contact the participants had with dance and dance therapy throughout their lives and to investigate whether participation in a virtual continuing education course was able to provoke new perceptions regarding the development of dance therapy in the most diverse contexts of performance. For data collection, a semi-open questionnaire and a focus group were used. To analyze the data, Bardin (2016) content analysis was used, which allowed the elaboration of four categories to discuss the results. It was found that, despite the participants having knowledge about dance and dance therapy, not all experienced them in practice. The course had a positive impact on the participants in terms of language knowledge and also transformed their views on the possibilities of working with dance and especially with dance therapy.

Keywords Dance; Body education; Body practices; Integral formation

Introdução

A dança, conceituada como a mais antiga arte do movimento (Silva, 2013), sempre foi o caminho para transformar o estado de espírito e revigorar a essência do homem e, além de ser uma linguagem social e histórica (Santos, 2016), ela é capaz de promover o autoconhecimento, libertação e criatividade por meio do trabalho da consciência do movimento (Santos, 2010).

Apesar disso, ainda existem poucos estudos que visam compreender a relação da dança com a formação cidadã e humana, pois concedem pouca visibilidade para os aspectos mais humanos que devem promover discussões da dança como um mecanismo para a socialização, criação e formação (Barbosa-Cardona e Murcia-Peña, 2012). Deste modo, os novos estudos devem visualizar a dança como uma atividade flexível e motivadora que trabalha a exploração do corpo e da criatividade em grupo por meio da corporalidade, espacialidade, autocontrole e socialização (Cifuentes, 2020).

Assim surge a dançaterapia como fenômeno de estudo para esta pesquisa porque, além de proporcionar reflexões sobre um trabalho diferente com a dança, ela ainda é uma proposta de estudo na educação, artes e qualidade de vida uma vez que existem pesquisas com indivíduos com espectro autista (Teixeira-Machado, 2015), paralisia cerebral (Garção, 2011), deficiência auditiva (Tubero, 2018) e adolescentes e jovens (Barbieri, 1999).

A dançaterapia é uma prática cultural que valoriza os indivíduos e suas potencialidades ao se envolver com seus aspectos pessoais e sociais (Santos, 2016). Essa valorização ocorre devido ao trabalho terapêutico inclusivo que estimula os alunos a entrarem em contato com seus mundos interno e externo (Fux e Bensignor, 2004) a fim de promover uma (re)educação para o autoconhecimento.

Diferente de outras vertentes, a dançaterapia não forma bailarinos e coreógrafos, mas possibilita que seus praticantes busquem sua identidade e seu lugar no mundo (Silva, 2018; Tavares, 2018). Trata-se, portanto, de um método que transforma indivíduos (Fux e Bensignor, 2004) por meio do trabalho de sua totalidade (Barbieri, 1999; Silva, 2018; Tavares, 2018).

Em suma, a dançaterapia se destinada a qualquer público e, além de contribuir para que trabalhos da área artística, educacional e da saúde (Silva, 2018) atendam todas as dimensões do ser humano (Lisboa, 2012), ela ainda provoca inquietações que estimulam o indivíduo a alcançar o autoconhecimento por meio do despertar de novas sensações, ideias, reflexões, atitudes e olhares (Porpino, 2018).

Diante do exposto, este estudo buscou verificar que tipo de contato os participantes tiveram com a dança e dançaterapia no decorrer de suas vidas e averiguar se a participação em um curso virtual de formação continuada foi capaz de provocar novas percepções com relação ao desenvolvimento da dançaterapia nos mais diversos contextos de atuação.

Aspectos Metodológicos

Este é um estudo qualitativo de caráter explicativo e estudo de caso (Gil, 2008) que teve seu projeto de pesquisa aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa sob o número 4.646.341, tendo anuência da instituição.

A pesquisa foi desenvolvida por meio de um curso virtual de formação continuada sobre dançaterapia que aconteceu durante os meses de setembro e outubro de 2020 e foi destinado a estudantes, professores e profissionais que atuam na área da educação, artes, lazer e saúde.

Para participar, os interessados tiveram que assinar um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) no momento da inscrição e ainda contemplar os seguintes critérios: 1) ser estudante, professor ou profissional que atuasse na área da educação, artes, lazer ou saúde; 2) ter acesso à internet; 3) estar entre os 30 primeiros inscritos e 4) concluir o curso.

Tivemos 29 inscritos, porém, se tratando de um curso virtual, sabíamos que haveriam desistências devido à indisponibilidade de tempo para os encontros virtuais síncronos. Ressaltamos que ao retratar os relatos dos participantes, mantivemos o anonimato e utilizamos um pseudônimo para cada um, sendo: participante 1 (P1), participante 2 (P2) e assim sucessivamente.

A divulgação do curso ocorreu via redes sociais como Instagram, Facebook e WhatsApp. O período de inscrição foi de uma semana e os interessados tiveram que acessar um link do Google Forms, assinar o TCLE e informar o e-mail para prosseguir preenchendo os demais dados como nome completo; RG; CPF; idade; gênero; estado civil; telefone; cidade onde reside; área de estudo/formação; categoria (estudante ou formado); profissão e por fim, responder “quais experiências corporais você possui?”.

Quando apresentamos o perfil e as experiências corporais dos participantes nos resultados, analisamos os 29 inscritos a fim de visualizar todos que se interessaram pelo curso. Entretanto, a partir do contato com a dança e dançaterapia, consideramos apenas os relatos daqueles que concluíram o curso.

O curso foi organizado em seis módulos e para ilustrar, no quadro abaixo apresentamos sua estrutura e o formato que cada módulo foi elaborado.

QUADRO 1 Estrutura do curso e links de acesso às vídeo aulas 

Fonte: Os autores

No módulo I aconteceu a coleta de dados pré intervenção por meio de um questionário semiaberto do Google Forms e no módulo VI, ocorreu a coleta de dados pós intervenção mediante a um grupo focal.

Antes da aplicação oficial, o questionário foi aplicado com 10 pessoas selecionadas aleatoriamente. Esse instrumento foi composto por seis questões fechadas que tinham o intuito de verificar o contato dos participantes com a dança e dançaterapia.

Para o grupo focal, foi elaborado um roteiro semiestruturado com sete perguntas que subsidiaram as discussões. Elas são descritas a seguir:

  1. Agora que você concluiu o curso, relate: o que é dança para você?

  2. Após o curso, você se arrisca desenvolver algum conteúdo direcionado para a dança em seu contexto de atuação? Sendo sim ou não, justifique.

  3. Você acredita que a dança pode proporcionar benefícios para a formação integral do homem? Se sim, cite quais benefícios. Se não, justifique sua opinião.

  4. Você considera a dança uma facilitadora da educação? Justifique.

  5. Descreva, em uma palavra, o que a dançaterapia representa para você após o curso.

  6. Você se considera preparado para desenvolver algum conteúdo de dançaterapia? Justifique.

  7. Quais foram as suas percepções sobre as abordagens? Justifique.

Para analisar os dados, utilizamos a análise de conteúdo da Bardin (2016). Por meio dessa análise, foram elaboradas quatro categorias para organizar, apresentar, interpretar e discutir os relatos no capítulo a seguir e todas foram fundamentadas na literatura específica. São elas: 1) experiências corporais dos inscritos; 2) contato com a dança e dançaterapia; 3) impacto do curso em relação ao conhecimento da dança e dançaterapia e 5) percepção dos atores sociais sobre a formação continuada em dançaterapia.

Desbravando a dançaterapia: impactos e percepções

Neste capítulo apresentamos informações em relação ao contato dos inscritos com a dança e dançaterapia e suas experiências corporais; o impacto do curso em relação ao conhecimento da dança e dançaterapia e a percepção dos atores sociais sobre a dançaterapia.

Perfil dos inscritos

Se inscreveram seis pessoas do gênero masculino e 23 do feminino e um aspecto interessante em relação ao curso virtual foi a abrangência territorial, pois o curso teve participantes de três estados (Minas Gerais, São Paulo e Roraima) diferentes da federação, representando o sudeste e o norte do país, e um de outro país (Nova Zelândia).

Acreditamos que houve mais inscritos de Minas Gerais por conta da proximidade com a Instituição Federal de Muzambinho, afinal, dos 29 inscritos, 21 eram do curso de Educação Física deste Campus e residiam em cidades sul-mineiras.

Dos 29 inscritos, 26 eram estudantes e 3 eram formados. Analisando esse total, visualizamos uma maior predominância de inscritos da área da saúde (15), em seguida da área da educação (12), depois artes (2) e, por fim, da área de lazer, que não houve nenhum.

Ainda sobre o perfil dos inscritos, destacamos que 25 eram da Educação Física, enquanto que dois eram da Terapia Ocupacional e dois da Psicologia.

Talvez, o que justifique a predominância de estudantes neste curso sejam fatores como: a maior disponibilidade de horários; o fato do curso ser virtual e desenvolvido predominantemente por videoaulas, característica que torna o estudo mais flexível aos horários e demais tarefas da vida pessoal e acadêmica. E, por fim, o certificado de participação não só acrescenta ao currículo, mas também, foi uma oportunidade de completar a carga horária de atividades complementares exigidas em algumas universidades.

Quanto à prevalência de participantes da Educação Física, acreditamos que, além da proximidade com a instituição, houve a atração pelo tema, pois, tratando-se de um curso superior que também tem como conteúdo a dança, entendemos que a probabilidade de inscritos desse curso fosse maior do que os demais, já que a dança é uma área que possui forte relação com a Educação Física.

Experiências corporais dos inscritos

Apenas um inscrito não declarou suas experiências corporais, enquanto os demais (28) relataram ter experiências como uma ou mais práticas corporais. Desses 28, dois afirmaram ter poucas experiências corporais apenas como lazer; dois com yoga; dois com zumba, um com lutas, Tai Chi Chuan e Antiginástica e um com teatro. Também tivemos oito inscritos que declararam ter experiências com ginástica, sendo que um mencionou a ginástica de conscientização corporal, dois a ginástica rítmica e um citou a ginástica artística e ginástica para todos.

Além dessas práticas corporais, 23 relataram ter experiência com dança, como: dança contemporânea (6), balé clássico (4), danças urbanas (3), dança na educação física escolar (2), funk (2), carimbó (1), samba (1), forró (1), dança de salão (1), dança irlandesa e sapateado americano (1) e danças afro-brasileiras (1).

Essa característica do grupo pode ser justificada devido à seletividade do tema, pois, quando consideramos que 21 inscritos eram estudantes do curso de Educação Física da instituição do sul de minas, compreendemos que a maioria teria alguma experiência corporal com dança uma vez que, durante a graduação, há uma disciplina de Dança, Artes Corporais e Educação Física, e que com certeza os participantes já haviam cursado ou estavam cursando já que ela é ofertada no primeiro ano.

Analisando esses dados, percebemos que dos 28 inscritos que mencionaram ter experiências corporais, oito relataram ter vivências com a dança antes da graduação, 10 destacaram que a maioria das experiências corporais com dança e ginástica foram vivenciadas a partir da graduação e 10 não especificaram em que momento da vida tais experiências foram adquiridas.

Acreditamos que esses oito inscritos que relataram ter adquirido experiências corporais com dança antes da graduação tiveram a oportunidade de praticá-la em estúdios, projetos sociais ou escolas não formais. Já os outros 10 que descreveram ter adquirido maiores vivências a partir da graduação, expressaram que isso ocorreu devido aos projetos de estudo, pesquisa e extensão.

Diante desses resultados e especificamente sobre a oferta de projetos de estudo e pesquisa sobre a dança, nós, enquanto estudantes ou professores e profissionais da educação, saúde, arte e lazer devemos refletir mais sobre a importância de trabalhar essas práticas além dos contextos tradicionais, pois, será que todos podem investir em aulas de dança de um estúdio, escola ou academia? Será que essas práticas devem ser um privilégio somente daqueles que podem pagar?

Para isso, devemos lembrar que a dança é uma comunicação corporal e por isso, quanto mais cedo o indivíduo vivenciá-la, maiores serão as chances de formarmos seres humanos mais conscientes da percepção sobre si mesmo e sobre a sua própria vida (Andrade e Pereira, 2011). Corroborando, Fiamoncini (2003) diz que a espontaneidade e sensibilidade da dança não devem ser ensinadas em um ambiente educacional restrito, daí a importância de oportunizar os indivíduos a experienciar a dança em outros contextos. Todas as pessoas deveriam desfrutar da dança, pois ela não deve ser acessível só para aqueles considerados habilidosos para sua prática (Garcia e Bucheli, 2019).

No entanto, para que no futuro as pessoas possam vivenciar essas práticas nos demais contextos, é importante promover, hoje, oportunidades de adquirir conhecimentos teóricos e práticos sobre a dança, pois como vimos, os projetos de estudo, pesquisa e extensão ofertados durante a graduação impactaram positivamente a vida dos participantes, uma vez que permitiu a eles aprenderem mais sobre as práticas corporais que não foram desfrutadas em outras fases de suas vidas.

Diante do exposto, percebemos que, seja por meio de disciplinas efetivas, extracurriculares, oficinas, projetos de estudo, pesquisa e extensão, palestras, lives ou cursos, é relevante proporcionar mais acesso ao conhecimento da dança, pois assim, estaremos nos preparando para abordá-la na vida do homem como uma formação e não ocupação (Strazzacappa, 2001). O importante é entender que o ensino da dança deve ir além do que é abordado sobre ela no ambiente específico, pois devemos pensar nesta linguagem como algo que toda a comunidade deve ter acesso.

Contato com a dança e dançaterapia

Em relação à primeira questão, no que diz respeito ao conhecimento ou prática de algum estilo de dança, 14 pessoas assinalaram sim enquanto duas afirmaram não.

Embora a maioria dos participantes tenha afirmado conhecer ou já ter praticado algum estilo de dança, é importante lembrar que o público que se interessou pelo curso já possuía alguma experiência corporal com essa linguagem, contudo, é válido se atentar àqueles que assinalaram “não” e apresentar discussões que justifiquem, talvez, o que gerou este pouco contato com a linguagem.

Esse resultado reflete como a dança é conhecida, porém, pouco estudada e explorada, pois embora apareça em alguns momentos da nossa carreira escolar e seja praticada em momentos de lazer, na maioria das vezes ela não é desenvolvida significativamente, pois ainda é entendida como uma prática exibicionista (Barbieri, 1999).

Além disso, a dança não deve ser apresentada no sentido de reprodução, mas sim, no de transformação das esferas tanto sociais quanto humanas que são essenciais para formar a liberdade e a autonomia do indivíduo (Barbosa-Cardona e Murcia-Peña, 2012). Diante disso, sua prática deve ser significativa a ponto de promover ao sujeito o autoconhecimento do seu próprio corpo e da compreensão de suas potencialidades (Lisboa, 2012).

Nesta direção, Strazzacappa (2001) salienta que a dança, dentro do contexto educacional brasileiro, sempre foi colocada em uma situação inferior com relação às demais manifestações artísticas, pois nunca foi caracterizada como uma área de conhecimento com conteúdo próprio. A autora ainda enfatiza que, embora exporte inúmeros talentos, o Brasil deveria se envergonhar com a escassez de produção de pesquisadores, pois é devido a essa carência de estudos sistematizados sobre o tema que a dança não é explorada na sua verdadeira dimensão para a reflexão e conhecimento.

Essas colocações vão de encontro com as ideias de Fiamoncini (2003) que expõe que a dança ainda é apresentada como uma visão instrumental do que realmente é, pois muitos que trabalham com esta linguagem se prendem somente ao estudo da história da dança e seus diversos estilos e técnicas, entretanto, é necessário entender que ela vai muito além disso e seu conteúdo deve ser mais explorado no cotidiano do homem, afinal, ela desenvolve habilidades e competências (Lisboa, 2012).

Em relação ao conhecimento da trajetória da dança, 12 pessoas afirmaram conhecer e quatro, não. Quanto a esses dados, refletimos que é necessário instigar os indivíduos a conhecerem a história dessa linguagem, pois eles estarão se conhecendo também enquanto ser social, pois a dança acompanhou as transformações do homem e da sociedade e fez parte de tudo o que conhecemos hoje. A dança e a educação, por exemplo, percorrem trilhos historicamente paralelos que norteiam a forma de pensar e agir e são modos de ver, viver, conviver e estar em sociedade (Marques, 2010).

Contribuindo, González (2019) afirma que a dança sempre se vinculou à educação, pois ela favorece o desenvolvimento das habilidades e destrezas a nível mental, emocional, físico e social.

Essas colocações se interligam com os pensamentos de Freire (2013), na qual enfatiza ser necessário a sociedade compreender a educação como um processo futuro que se baseia no passado e se corporifica no presente, o que a torna capaz de proporcionar ao homem um questionamento de si mesmo por meio de indagações como quem sou, de onde venho e onde posso estar, o que eu fui, o que eu sou e o que eu serei. Daí a importância de estudar mais sobre a dança e conhecer a sua história.

No que se refere ao contato com a dança durante a graduação, 15 pessoas afirmaram terem tido algum contato e apenas uma assinalou não. Além de terem cursado alguma disciplina sobre dança durante a graduação, os participantes devem ter tido a oportunidade de participar de alguma aula, grupo de estudo ou projeto de pesquisa e extensão sobre o tema.

Deste grupo, constatamos que 12 integrantes conheciam a dançaterapia, enquanto que quatro, não. Por outro lado, 11 relataram que nunca tiveram contato com a dançaterapia e que somente cinco tiveram essa oportunidade. Por fim, averiguamos que os 16 participantes consideraram a dançaterapia um método pouco conhecido e desenvolvido na Educação Física.

Frente a esses resultados. vemos que a dançaterapia é pouco explorada, o que é triste, já que é uma prática que objetiva trabalhar o homem como um todo e seria ótima para desmistificar o estereótipo de que a dança é para quem sabe dançar, que não é verdade. Afinal, a dança está em cada um, pois é intrínseca ao ser humano e por isso não pode ser vista como um privilégio de poucos. A dança deve fazer parte da educação enquanto valor estético, formativo, físico e espiritual (Tavares, 2018), justamente o que a vertente da dançaterapia pode proporcionar aos indivíduos.

Infelizmente, o sistema educacional brasileiro se prende muito àquilo que é convencional. Quando se trata da dança esse comodismo é mais evidente, afinal de contas, é mais simples seguir um modelo pronto e uma vertente já sistematizada. Todavia, vimos que a dança e a educação são paralelas (Marques, 2010) e então, por que não estabelecer uma relação entre ambas para que uma verdadeira transformação ocorra nos indivíduos dançantes?

É justamente isso que Freire (2013) afirma ao dizer que a educação não é um processo de adaptação e sim de transformação, onde o homem deve utilizar da sua realidade para levantar hipóteses, gerar desafios e buscar soluções para proporcionar saberes e permitir gerar uma superação constante. Para ele, essas transformações devem ser desinibidas e não restritivas, pois o praticante deve ser ele mesmo durante a prática (Freire, 2013).

Portanto, explorar a dançaterapia é permitir essa relação entre dança-educação e homem-transformação. Para Fux e Bensignor (2004), a dançaterapia, ao desenvolver um significado do corpo, do movimento e do sentido do movimento, faz com que o homem busque constantemente sua transformação intrínseca e extrínseca por meio do trabalho de sua totalidade (Barbieri, 1999; Silva, 2018; Tavares, 2018).

Impacto do curso em relação ao conhecimento da dança e dançaterapia

Constatamos que os participantes passaram a visualizar, entender e conceituar a dança com outros olhos, pois dos 16 participantes, três a conceituaram como expressão e comunicação não verbal, cinco passaram a entendê-la como uma manifestação corporal que transmite sentimentos e emoções, cinco a definiram como uma manifestação corporal de descoberta e transformação e dois afirmaram ser uma linguagem artística corporal medicinal de construção e desconstrução. Apenas um participante não expressou sua opinião.

Como vimos, além de expressão, comunicação e movimentação corporal, a dança passou a ser percebida por dois participantes como uma linguagem de construção e desconstrução porque ela é algo mutável visto que é por meio da sua constante desconstrução que ela possibilita o indivíduo buscar um conhecimento sobre si mesmo. Visualizamos isso na fala do P12: “[...] além da arte, ela é uma linguagem [...] corporal [...] eu não sei te falar uma coisa concreta agora que que ela é pra mim, então, ela é mutável, então eu sempre tô desconstruindo e reconstruindo o conceito de dança”.

Para discutir e refletir sobre as falas dos alunos com relação ao conceito sobre a dança, trazemos Santos (2016, p. 53) que a conceitua como “[...] um potencial e uma força significativa. Uma linguagem simbólica que utiliza o movimento, o espaço e o tempo [...] fazendo um intercâmbio entre o corpo, os pensamentos e emoções”. Também trazemos Garcia e Bucheli (2019) que definem a dança como uma arte e forma natural de expressão e comunicação que une o corpo e a mente para dar sentido aos movimentos, pois o movimento sozinho não tem valor e por isso deve estar acompanhado de uma emoção, paixão ou sentimento (Barbosa-Cardona e Murcia-Peña, 2012).

Definir a dança realmente é algo complexo, pois ao mesmo tempo que é possível conceituá-la como arte, também é válido descrevê-la como um movimento expressivo, uma linguagem corporal ou um impulso criativo (González, 2019). A dança também é um fenômeno social que caminha junto com as mesmas dinâmicas da sociedade e por isso ela sofre uma constante indeterminação e mutação (Barbosa-Cardona e Murcia-Peña, 2012).

Frente a essas colocações, acreditamos que talvez não seja possível defini-la como algo concreto, afinal, a dança não é só isso ou aquilo, ela simplesmente é algo intrínseco e faz parte de nós e se nós, seres humanos, nos transformamos a todo instante, então ela e todos os conceitos, percepções e ideias que existem a seu respeito também se modificam, é como se ela fosse uma “metamorfose”, uma mudança constante de aspectos, formas, estruturas e natureza.

Isso, inclusive, vai de encontro com uma fala de María Fux que diz: “É como um despertar. O que me passou ontem já não me serve para hoje, tenho que gerá-lo novamente [...] O que vale é o presente, não se deve deixar estagnar o pensamento” (Fux e Bensignor, 2004, p. 6 - tradução nossa). Portanto, é entender que ontem, para cada um, o conceito de dança foi um e amanhã e depois serão outros, o homem se renova a cada dia e com ele, a dança.

Com relação à ideia de desenvolver a dança em seu contexto de atuação, 13 participantes relataram que a desenvolveria por se tratar de uma linguagem abrangente com amplas possibilidades de trabalhos, um afirmou que a desenvolveria porque ela é flexível uma vez que pode ser desenvolvida com diferentes públicos e faixas etárias e dois a consideraram como uma prática desconstruidora visto que ela permite desconstruir conceitos, percepções e valores tanto individuais quanto da sociedade.

Mediante a essas percepções, todos os alunos afirmaram que desenvolveria a dança em seu contexto de atuação justamente porque entenderam que é preciso romper com os preconceitos que existem sobre ela a ponto de mostrar que essa linguagem não deve ser reduzida apenas a uma prática exibicionista e muito menos trabalhada como reprodução de técnicas. Ilustrando isso, apresentamos as falas do P9 que disse: “Sim!!! [desenvolveria] Pra continuar nessa luta de quebrar o preconceito com a dança e mostrar para os meus alunos o quanto a dança pode ajudar a gente se conhecer melhor” e do P10 que afirmou: “Sim, com certeza. Trouxe um novo olhar para a dança que vai muito além de técnicas e espetáculos. E proporcionar a outras pessoas esses novos olhares”.

Percebemos que os participantes notaram a necessidade de trabalhar a dança de uma maneira mais ampla e isso é muito positivo porque é assim que devemos começar a romper paradigmas sobre ela no âmbito da Educação Física, visto que essa linguagem é pouco explorada neste contexto e sempre perde seu espaço para as demais áreas de estudo, uma vez que é atrelada a um estereótipo que afasta muitas pessoas de sua prática e reforça ainda mais os pré conceitos existentes.

Essa ideia de que a dança perde seu espaço se relaciona com uma fala de Strazzacappa (2001, p. 74-75) “A dança trabalha o corpo e o movimento do indivíduo, mas isso a Educação Física também faz. [...] A dança proporciona o desenvolvimento da criatividade e da sensibilidade, mas isso todas as linguagens artísticas proporcionam... Afinal, o que é exclusivo da dança?”.

Mediante a essa indagação, é relevante refletir sobre o real entendimento dessa linguagem, afinal, se soubermos percebê-la, entendê-la e senti-la, logo seremos capazes de compreender sua essência e desvendar o que ela tem de mais exclusivo... e não, não é ensinar a dançar, mas sim estimular a criatividade e ensinar, por meio de sua prática, seu verdadeiro sentido (Fiamoncini, 2003; Lisboa, 2012). No mais, a dança não se resume no fazer, é preciso sentir, ser, saber e comunicar (Barbosa-Cardona e Murcia-Peña, 2012).

Essa linguagem, quando executada a partir da sensibilidade, pensamento e ações cotidianas, torna-se um meio de comunicação que expressa experiências e aprendizados a partir de uma manifestação espontânea (Fiamoncini, 2003; Lisboa, 2012). Isso ocorre porque a dança está no homem, só é preciso desenterrá-la (Fux e Bensignor, 2004) e uma vez que os professores e profissionais da Educação Física entenderem seu verdadeiro significado, ela não perderá o seu espaço.

Por isso é importante promover uma aproximação desses indivíduos com essa linguagem, pois assim será possível proporcionar verdadeiros sentidos para o aprendizado a ponto de fazer com que esses estudantes e profissionais se apropriem dela no campo profissional.

Além de reconhecerem que devemos fazer a dança mais presente, todos os participantes perceberam que ela é capaz de proporcionar benefícios para a formação integral do homem uma vez que, além de trabalhar o autoconhecimento e o autocontrole, ela também permite que o praticante adquira consciência de posicionamento e pertencimento no mundo e descubra a sua identidade por meio do trabalho consigo mesmo e com a diversidade permitindo, assim, uma transformação integral.

Esses benefícios mencionados podem ser explicados por Miller (2012) que expõe que a dança é uma boa alternativa de prática porque pode desenvolver a consciência corporal, percepção e sensibilidade do corpo a partir do autoconhecimento, exploração e contato com o próprio corpo.

Corroborando, Fux e Bensignor (2004) dizem que quando o reconhecimento do próprio corpo é feito a partir da aceitação e expressão, o sentimento de segurança sobre si mesmo é adquirido e isso fortalece a riqueza que existe no mundo interior de cada um o que, consequentemente, proporcionará uma melhor conexão com os demais permitindo desenvolver uma relação mais harmônica com o seu próprio corpo e com o mundo que o cerca, por isso da consciência de posicionamento e pertencimento.

Além disso, a dança também favorece benefícios a nível social, no processo de socialização e consciência social, bem como a nível físico e motriz como o desenvolvimento do sentido cinestésico, melhora da coordenação e da consciência sobre os aspectos orgânicos e funcionais do corpo como, por exemplo, a respiração, o relaxamento e a tensão (González, 2019).

Ainda, a dança auxilia para a educação corporal e não só isso, Strazzacappa (2001) salienta que ela contribui para que a educação corporal esteja sempre em constante desenvolvimento, impedindo que a ausência dessa educação gere uma educação para repressão (Strazzacappa, 2001). Por meio da dança o indivíduo passa a compreender que seu corpo não é um espaço de opressão, mas uma ferramenta de liberação (González, 2019).

E por falar em educação, a discussão foi surpreendente porque os participantes demonstraram em suas falas que compreenderam que a dança e a educação caminham paralelamente uma à outra.

De acordo com os 16 relatos, a dança é facilitadora da educação porque é multidisciplinar e transformadora de conceitos, percepções e valores. Ilustramos com a fala do P11: “[...] a gente aprende durante a vida com a dança é respeito porque ali a gente não tá lidando só com a gente, tá lidando ali com várias outras pessoas [...] Além de respeito [...] pode puxar também pra reflexões sobre a sociedade [...]” e do P10: “A dança [...] me trouxe mais expressividade e acredito que conceitos como respeito, a aceitação, o comprometimento, responsabilidade entre diversas coisas”.

Sabendo que essa linguagem gera impactos e transformações positivas no ser humano, Tavares (2018) realça que a dança, nesta era contemporânea, precisa utilizar das situações cotidianas para estreitar sua relação com a educação, pois é preciso compreendê-la como um componente fundamental na formação integral do ser, já que busca contemplar o desenvolvimento dos aspectos cognitivos, emocionais e sensoriais para a projeção de uma sociedade mais consciente, perceptiva e expressiva. A dança, quando levada ao âmbito educacional, favorece o desenvolvimento integral do sujeito ao propor metodologias ativas onde o seu corpo torna-se o protagonista (González, 2019).

Para Strazzacappa (2001), é por meio dessa relação da dança com a educação que compreendemos que não temos um corpo, nós somos nosso corpo e é por intermédio do corpo-próprio que adquirimos conhecimentos. Apesar desta linguagem ser vinculada à profissionalização, repetição e técnica (Barbieri, 1999), ela possui um grande potencial para a educação e formação desde que suas práticas sejam significativas a ponto de proporcionar o autoconhecimento (Lisboa, 2012).

Por isso, é importante ver a dança além de uma prática exibicionista, afinal, ela possui um viés educacional, social, antropológico e emocional que fazem com que ela não se apresenta como um fim, mas sim como um meio que deve contribuir para o desenvolvimento integral do homem uma vez que pode proporcionar um conhecimento de si mesmo e do mundo que o cerca (González, 2019).

Por meio dessa linguagem, é possível compreender qual o sentido do corpo, por quê e para quê, e a partir disso aprender a motivá-lo (Fux e Bensignor, 2004). Para as autoras, a dança não pode se desvincular da sociedade, nem dos problemas do homem e muito menos ser um privilégio daqueles que têm habilidade, pois ela possui valor estético e formativo e deve fazer parte da educação comum.

Quando requisitamos que os participantes descrevessem, em uma palavra o que a dançaterapia representava para eles, observamos que algumas tinham uma relação entre si e por isso foram agrupadas em três grupos (grupo I - Atributos da interiorização; grupo II - desequilíbrios que movem; grupo III - processo de constante evolução). Por exemplo, as palavras “calma”, “introspecção”, “espelho”, “autoconhecimento”, “sensibilidade” e “liberdade” compuseram o grupo I porque, durante as falas dos alunos, remeteram à ações que ocorrem quando o indivíduo se permite internalizar e respeitar o seu tempo de evolução durante a prática da dançaterapia.

Mediante a essas palavras, relacionamos com o objetivo da dançaterapia que é transformar o olhar que o indivíduo tem para com o seu espelho interior a fim de fazê-lo compreender seu ritmo interno a ponto de romper seus medos e encontrar uma motivação para acreditar em si (Fux, 1998).

Já as palavras “provocação”, “curiosidade” e “descoberta” formaram o grupo II porque foram relacionadas à ideia de desequilíbrios que movem e também remetem à dançaterapia uma vez que essa vertente se intensifica na busca constante pelo sentido do movimento humano (Fux e Bensignor, 2004). Essa busca faz com que sua prática seja um recurso para pessoas que buscam a si mesmas visando entender e conhecer seu próprio corpo mediante a uma exploração total do seu potencial (Tavares, 2018). Sendo assim, vemos que despertar a provocação e a curiosidade sobre nós mesmos nos faz sair da zona de conforto a ponto de nos permitir fazer descobertas.

Quanto às palavras “inclusão”, “superação”, “transformação”, “mudança” e “vida” fizeram parte do grupo III porque entendemos que fazem parte da evolução e que esse é um processo constante da vida que só ocorre quando aprendemos que a transformação e a superação acontecem quando trabalhamos em um grupo inclusivo. Em acordo, Fux e Bensignor (2004) ressaltam que a dançaterapia busca proporcionar transformações que envolvam o indivíduo como um todo, pois, na verdade, o homem é repleto de medos e às vezes se isola e se vê ignorado pelo mundo interno e externo.

Por isso, a dançaterapia busca estimular as áreas adormecidas por meio desse olhar interior, pois assim, torna-se possível mudar os “não” do corpo e convertê-los ao “sim, eu posso” de modo que o indivíduo possa superar-se constantemente (Fux e Bensignor, 2004).

Ademais, quanto à inclusão, a própria María Fux enfatiza que a dançaterapia pode ser destinada a diversos públicos e melhor, desenvolvida por meio da inclusão, porque é na diversidade que se encontra a riqueza e é em contato com os outros que é possível diminuir a sensação de solidão e isolamento (Fux, 1985). Nos seus estudos, ela ainda acrescenta que não é o professor que gera as transformações, mas sim o grupo e sua inclusão que permite a todos mostrarem seus mundos e reconhecerem que dentro de cada um se encontra o elemento criador (Fux e Bensignor, 2004).

No mais, neste momento da discussão ficou claro que, embora cada um tenha internalizado a dançaterapia de uma maneira e a representado com palavras diferentes, todos captaram sua essência. Entretanto, nenhum participante afirmou estar preparado para desenvolvê-la.

Analisamos que quatro alunos, apesar de não se sentirem preparados, afirmaram que teriam coragem de se arriscar para desenvolver algum conteúdo teórico sobre o tema, mesmo que fosse superficial, pois consideravam interessante dar o primeiro passo e não só desenvolver os conteúdos do método na temática específica, mas também, em meio a outros momentos de uma temática diferente. Isso foi visualizado na fala do P4 que expressou: . Preparados acho que é uma palavra muito forte pra mim, mas eu me arriscaria com certeza! [...]”e na fala do P8 que disse: “Sim [desenvolveria], mas de maneira superficial. Já que existem infinitas possibilidades de trabalhar com ela”.

Já os outros 12 participantes, relataram que o curso virtual foi um excelente começo e que estavam motivados e dispostos a adquirir mais conhecimento e vivências práticas antes de desenvolverem algum conteúdo de fato. Essa ideia também pôde ser visualizada nas falas do P9 que manifestou:“Infelizmente não me sinto preparada, porém, me sinto motivada” e do P14 que expôs: “Ainda não, gostaria de ter mais experiências práticas, ver de fato como a teoria acontece para conseguir aplicar e ter mais conteúdos sobre, talvez fazer mais cursos”.

Discutindo essas colocações, Fux e Bensignor (2004) destacam que a transformação gerada pela dançaterapia é uma ação que demanda tempo pessoal e esse tempo é fundamental para que ocorra uma verdadeira mudança no indivíduo, além do mais, é respeitando esse tempo de transformação que cada indivíduo conseguirá ultrapassar o pensamento do “não posso” e reconhecer o próprio corpo a partir da exploração dos sentimentos vedados por ele mesmo.

Com isso, vemos que é normal os participantes não se sentirem preparados para aplicar um conteúdo sobre a dançaterapia uma vez que essa vertente é complexa e sua variável é justamente o tempo de transformação de cada um. Além de não estar relacionada à uma repetição do que foi aprendido, a dançaterapia demanda de muito preparo e entrega do dançaterapeuta ou professor mediador da prática, pois ela se desenvolve pela busca de um campo de possibilidades para o trabalho do espelho interior e exterior de cada um (Fux e Bensignor, 2004).

Por isso, antes de conduzir uma prática que busque trabalhar as potencialidades de um grupo, o professor deve tanto conhecer o método quanto ter vivenciado práticas o bastante para ter se transformado enquanto pessoa, porque se não a prática não faz sentido, afinal, antes de instigar a mudança e trabalhar as limitações do outro, o professor deve ter sentido na pele algumas mudanças, pois é preciso experienciar e sentir no próprio corpo aquilo que se pretende proporcionar ao outro.

Sendo assim, também destacamos a importância do processo de formação em dançaterapia uma vez que, além de desbravar os diversos caminhos desse método, um profissional qualificado, passa a se sentir confiante para desenvolver uma boa prática. Acreditamos ainda que os participantes desfrutam melhor da prática quando percebem a confiança do profissional

Por essa razão, além de buscar mais conhecimentos práticos, é importante que esses indivíduos que pretendem trabalhar com a dançaterapia busquem uma boa qualificação, pois, enquanto profissionais e professores, eles deverão usufruir de estratégias e ferramentas pedagógicas que fortaleçam o ensino e valorizem a formação integral do participante (Garcia e Bucheli, 2019).

À vista disso, as falas dos alunos foram interessantes, pois embora saibam que são capazes de compartilhar um conhecimento teórico e básico sobre a dançaterapia, eles afirmaram preferir adquirir mais conhecimentos e vivências práticas para que pudessem não só aprender mais, mas sentir na própria pele as sensações e transformações que esse método pode proporcionar.

Percepção dos atores sociais sobre a dançaterapia

No tocante à percepção dos alunos sobre as abordagens desenvolvidas na dançaterapia, somente dois participantes não expressaram suas ideias. Todavia, três consideraram as abordagens como interessantes e esclarecedoras e dois afirmaram que as palavras-mães e movimentos palavras foram as mais interessantes, como o P3 que expressou: “[...] eu curti bastante a parte das palavras-mães e dos movimentos palavras que é um olhar mais delicado que a María Fux teve para os surdos e para os cegos [...]”.

Já as outras nove pessoas consideraram as cores e linhas/formas como as mais marcantes. Para ilustrar, destacamos a fala do P7: “A que mais me chamou a atenção foi as linhas, formas e cores porque achei muito diferente de tudo o que já vi e também achei muito criativa e inclusiva”.

Como vemos, essas abordagens mencionadas pelos participantes foram marcantes porque, além de inovadoras e acessíveis, elas são inclusivas e mostram que para dançar não é necessário somente a música e que somos capazes de criar movimentos que atendam todas as dimensões do ser.

Por exemplo, as palavras-mães foi uma técnica desenvolvida para trabalhar a dançaterapia com pessoas cegas. Fux (1985) percebeu que essas palavras eram mobilizadoras e serviam como suporte para esses alunos, isto é, sua voz era como olhos para eles. Por intermédio de sua voz essas palavras iam se convertendo em formas expressivas e auxiliavam na comunicação do indivíduo com o seu corpo. Já os movimentos palavras, as cores, linhas/formas foram técnicas desenvolvidas a partir do trabalho com pessoas surdas, na qual essas abordagens substituem o estímulo da música.

Os movimentos palavras são como palavras simples e diretas que são usadas para gerar um movimento, a palavra água, por exemplo, pode ser dita lentamente para um aluno surdo que, junto com a realização de um movimento, conseguirá realizar uma leitura labial e ainda compreender do que se trata a proposta (Fux, 1985). Ou seja, não são movimentos vazios, eles têm significados.

Já as cores e linhas/formas, assim como a música, são capazes de expressar intensidades, sentidos e tipos de movimento. As cores podem ser atreladas aos sentimentos e movimentos porque possuem uma conexão com as emoções (Fux, 2013). Por outro lado, as linhas adquirem inúmeras formas como círculos, triângulos, linhas ascendentes, linhas descendentes (Fux, 1985; Santos, 2016), proporcionam ritmos e podem ser lidas e dançadas a fim de transformar rapidamente a expressão de suas formas (Fux, 1985). Ademais, elas direcionam o movimento.

Diante desta experiência com surdos, María percebeu que conseguia penetrar no silêncio deles fazendo-os mover pelo espaço em busca da sua linguagem corporal expressiva (Fux, 1985). Apesar do achado, ela percebeu que o trabalho deveria ser inclusivo, pois eles precisam aprender a lidar com o mundo ouvinte assim como os ouvintes devem aprender a lidar com o mundo deles (Fux, 1985).

Devido a essa substituição da música por outros estímulos, o P11 se mostrou encantado uma vez que nunca havia pensado nessa possibilidade de exploração e achou interessante o olhar que María teve para com pessoas cegas e surdas e como ela conseguiu incluí-las na dançaterapia. Sua fala foi:: . Eu achei super interessante essas abordagens [...] pra trabalhar a inclusão [...] eu acho muito legal a gente dar outros estímulos diferentes pra... pra expandir mais esse horizonte de dança, de ritmos e de como a gente sente é... as coisas ao nosso redor”. De acordo com María Fux, não é o professor que gera as transformações, mas sim, o interagir com o outro (Fux e Bensignor, 2004).

Frente a essa reflexão, vemos que é possível mostrar para as pessoas, principalmente para aquelas que não tiveram contato com a dança e dançaterapia, que para desenvolver trabalhos nesta área é preciso ser criativo e inovador a ponto de enxergar meios que incluam a todos. Esse processo de compreensão dessa linguagem foi primordial para que os participantes entendessem que as cores, as linhas, as formas, as palavras, as poesias e o próprio movimento humano podem ser dançados, que precisamos entender que a música não é o único estímulo e que para trabalhar com a dança e dançaterapia é preciso se encontrar e ver um sentido para desenvolver suas práticas.

Considerações finais

Este estudo objetivou verificar que tipo de contato os participantes tiveram com a dança e dançaterapia no decorrer de suas vidas e averiguar se a participação em um curso virtual de formação continuada foi capaz de provocar novas percepções com relação ao desenvolvimento da dançaterapia nos mais diversos contextos de atuação.

Os dados mostraram que nem todos os inscritos tiveram experiências corporais com a dança antes da graduação e isso demonstrou a importância de trabalhá-la além dos contextos formais, afinal, a dança está presente em nós e deve fazer parte de uma educação comum. Também foi detectado que a dançaterapia ainda é pouco conhecida e que é preciso explorá-la, uma vez que seu trabalho visa significar o corpo e o movimento e estabelecer uma melhor relação entre dança-educação e homem-transformação.

Observamos que o impacto do curso em relação ao conhecimento da dança e dançaterapia foi positivo visto que os participantes aprenderam as possibilidades de trabalho com a linguagem e transformaram suas percepções sobre ambas.

Ademais, percebemos que todos os participantes refletiram sobre as potencialidades da dança e ainda a reconheceram como expressão natural do corpo, expressão essa que caminha paralelamente com a educação e transformação do homem.

Além disso, todos os participantes captaram a essência da dançaterapia e aprenderam que nela existem abordagens que trabalham a inclusão e ensinam que é partilhando as singularidades que o indivíduo conhece, se confronta e transcende o seu verdadeiro eu.

Em referência à percepção dos atores sociais sobre a dançaterapia, notamos que essa experiência virtual inquietou todos os participantes no sentido de perceberem a importância de disseminar o conhecimento sobre a dançaterapia, uma vez que é necessário compreender o quanto esse método é rico, complexo e, quando desenvolvido por um profissional qualificado, pode instigar transformações aos praticantes.

Nesse sentido, vale enfatizar a escassez de estudos sobre a dançaterapia e o quão importante é estudá-la mais, especialmente na Educação Física que ainda produz poucas pesquisas direcionadas a promover práticas que atendam todas as dimensões do ser humano.

Assim sendo, a dançaterapia possui um grande potencial educativo, artístico, cultural, terapêutico e social que pode contribuir para a formação integral do homem. Por isso sugerimos que mais estudos teórico-práticos sejam desenvolvidos sobre o tema.

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Received: August 27, 2021; Accepted: September 09, 2021; pub: October 01, 2021

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