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Educación Física y Ciencia

On-line version ISSN 2314-2561

Educ. fís. cienc. vol.24 no.1 Ensenada Jan. 2022

http://dx.doi.org/https://doi.org/10.24215/23142561e204 

Artículos

Os conceitos de inclusão nos cursos de Educação física: A formação de professores nas universidades públicas do sudeste brasileiro

The concepts of inclusion in physical education courses: teacher education in public universities in southeastern brazil

Los conceptos de inclusión en los cursos de educación física: la formación del profesorado en las universidades públicas del sureste de brasil

Lucas do Nascimento Reis1 
http://orcid.org/https://orcid.org/0000-0001-7802-4801

Paulo Vitor de Oliveira Fernandes Costa2 

Marcos Vinicius Pereira Monteiro3 
http://orcid.org/https://orcid.org/0000-0002-4943-6847

Michele Pereira de Souza da Fonseca4 
http://orcid.org/https://orcid.org/0000-0003-0355-2524

Renato Sarti5 
http://orcid.org/https://orcid.org/0000-0001-7553-4275

1Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro

2Escola de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Rio de Janeiro

3Colégio Pedro II

4Escola de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Rio de Janeiro

5Escola de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Rio de Janeiro

Resumo

Este estudo tem por objetivo analisar como o conceito de inclusão está presente nos Projetos Pedagógicos de Curso (PPC) de Educação Física de quatro universidades públicas da região Sudeste do Brasil. A pesquisa é do tipo documental e, para a análise dos dados, utiliza-se a técnica de análise de conteúdo. Foram analisados quatro PPCs. O referencial teórico foi composto por autores da área da Educação e da área de Educação Física. Os conceitos amplo e restrito de inclusão foram os alicerces para análise do trabalho. Os dados apresentam multiplicidades de concepções de inclusão nos diferentes PPCs, sendo predominante o conceito amplo, principalmente com o surgimento do termo inclusão social. Esse por sua vez é atravessado por diversos sentidos e o trabalho em tela, por fim, problematiza sua incidência de forma ingênua, não dialética e não infindável, não coletiva e não processual.

Palavras-chave Conceito de inclusão; Educação Física; Formação de professores

Abstract

This study aims to analyze how the concept of inclusion is present in the Pedagogical Projects of Physical Education Course (PPC) of four public universities in the Southeast region of Brazil. The research is of the documentary type and, for data analysis, the content analysis technique is used. Four PPCs were analyzed. The theoretical framework was composed by authors from the Education area and the Physical Education area. The broad and restricted concepts of inclusion were the foundations for the analysis of the work. The data show multiple conceptions of inclusion in the different PPCs, with the broad concept predominating, mainly with the emergence of the term social inclusion. This, in turn, is crossed by several meanings and the work on screen, finally, problematizes its incidence in a naive, non-dialectical and non-endless, non-collective and non-processual way.

Keywords Concept of inclusion; Physical education; Teacher education

Resumen

Este estudio tiene como objetivo analizar cómo el concepto de inclusión está presente en los Proyectos Pedagógicos del Curso de Educación Física (PPC) de cuatro universidades públicas de la región Sudeste de Brasil. La investigación es de tipo documental y, para el análisis de datos, se utiliza la técnica de análisis de contenido. Se analizaron cuatro PPCs. El marco teórico estuvo compuesto por autores del área de Educación y del área de Educación Física. Los conceptos amplios y restringidos de inclusión fueron las bases para el análisis del trabajo. Los datos presentan multiplicidad de concepciones de inclusión en los diferentes PPCs, siendo predominante el concepto amplio, principalmente con la aparición del término inclusión social. Ésta, a su vez, está atravesada por varios significados y el trabajo que nos ocupa, finalmente, problematiza su incidencia de forma ingenua, no dialéctica y no interminable, no colectiva y no procesal

Palabras clave Concepto de inclusión; Educación física; Formación de profesores

Introdução

A temática da inclusão tem tido destaque no cenário educacional nos últimos anos. O contexto nacional atual de ataque aos direitos sociais a coloca como mais um objeto de estudo no centro das atenções. Prevista na Constituição Federal (1988) como um direito, a sua garantia por parte das instituições é obrigatória e urgente. A Universidade como um espaço privilegiado para a construção do saber tem importância fundamental na formação de profissionais preocupados com a problemática (Luckesi, 1998). Além disso, a escola básica ocupa grande parte do tempo de vida de crianças e adolescentes, e também de alguns jovens e adultos, formando-os diariamente na vida (Gadotti, 2000). O papel dos profissionais da educação na construção de visões de mundo dessas pessoas é crucial, podendo ou não estar comprometido com a eliminação de barreiras e preconceitos (Booth e Ainscow, 2011).

Diante disso, como a inclusão tem sido tematizada nos cursos de formação de professores? Movido por essa questão, o referido trabalho caminhou com um olhar mais específico para o campo da Educação Física. Assim, o trabalho em tela buscou analisar como o conceito de inclusão está presente no currículo oficial1 de formação inicial de professores de Educação Física de universidades públicas da região Sudeste. Para isso, os objetivos específicos são identificar quais concepções de inclusão estão em disputa nos Projetos Pedagógicos de Curso (PPCs) e mapear os componentes curriculares que promovam a temática da inclusão dentro de suas ementas.

Com isso, configura-se como importante entender o currículo como um terreno de grandes disputas das quais Silva (2011) alega estarem relacionadas ao tipo de conhecimento que se quer consolidar, seja na formação de professores, seja na escola. Esse embate está voltado a questões de poder, pois o currículo se caracteriza por ser formador de identidades e subjetividades, sendo o responsável pelo que as pessoas se tornam. Ele está diretamente relacionado aos objetivos sociais, culturais, políticos, éticos e outros, indo na direção do questionamento de que sociedade se quer alcançar. Nesse estudo, entende-se currículo como local em que há conexão entre saber, identidade e poder, abandonando e, sobretudo questionando a suposta neutralidade pregada pela teoria tradicional. No caminho de uma sociedade mais inclusiva, existe a urgência de romper com tudo aquilo que privilegia a manutenção do status quo.

A pesquisa é de abordagem qualitativa e tem como método a análise documental. Foram quatro Universidades analisadas, sendo elas a UFRJ, a UEMG, a UFRRJ e a UNIMONTES. Alguns critérios foram usados para defini-las como corpus do trabalho tais como o regional, a organização acadêmica e administrativa, a modalidade e o número de vagas autorizadas. Para analisar os dados obtidos foi utilizada a técnica análise de conteúdo.

A edificação do trabalho em tela se deu através de conceitos fundamentais acerca da inclusão. Basicamente a retomada histórica dos paradigmas2 foi realizada através de Sassaki (2012), Santos (2000) e Mantoan (2003). As reflexões sobre o conceito amplo de inclusão realizaram-se no campo da Educação, em geral, com as autoras Sawaia (2001); Booth e Ainscow (2011), e no campo da Educação Física, em particular, com Fonseca e Ramos (2017).

O tema inclusão tem apresentado certo destaque no cenário educacional nos últimos anos, sendo bastante confundido como sinônimo de inclusão de pessoas com deficiência (PcD) e deixando outros grupos historicamente marginalizados de fora das preocupações. Desse modo, bastava falar a palavra inclusão que já se tinha uma associação direta com o processo de inclusão de pessoas com deficiência. Isso é em parte explicado pelo processo histórico em que a educação inclusiva esteve imersa. Sassaki (2012) descreve quatro paradigmas educacionais associados a inclusão, enunciando uma importante mudança de concepção no último e atual. Os paradigmas são o da exclusão, segregação, integração e inclusão. Ao falar dos três primeiros, existe uma limitação da inclusão para com as pessoas com deficiência. Apesar de separá-los, devido a fins didáticos, não se pode de maneira alguma subentender que o autor compreende que alguns destes processos simplesmente não ocorrem mais. Ainda são muito presentes a exclusão, a segregação e a integração.

A exclusão está associada ao momento histórico da completa rejeição das pessoas com deficiência. Não havia nenhum esforço para que fossem atendidas e foi o paradigma presente, principalmente, da antiguidade até o século XIX. Como o valor social das PcD era de inutilidade, simplesmente não havia nenhum tipo de amparo a esse público, configurando-se como o momento mais problemático da temática inclusiva (Sassaki, 2012).

A segregação está relacionada ao modelo assistencialista em que as pessoas com deficiência recebiam alguma atenção social, sendo acolhidos em algumas instituições de caridade, que lhes prestavam alguns serviços como de abrigo, alimentação, vestuário e etc. Em relação a educação, foi quando surgiram as primeiras iniciativas de atendimento, iniciada em instituições filantrópicas ou religiosas. Apesar do consentimento, não havia ainda iniciativas governamentais. Nesse momento, a sociedade passou a enxergar essas pessoas como passíveis de serem produtivas caso recebessem a escolarização e treinamento (Sassaki, 2012).

A integração está ligada ao modelo médico de deficiência, surgindo com os procedimentos de reabilitação física e profissional, por volta dos anos de 1940. Dentre as que receberam atendimento, algumas conseguiram ser matriculadas nas escolas comuns e entrarem no mercado de trabalho desde que apresentassem condições mínimas de produtividade e capacidade intelectual. Apesar de algumas confusões entre integração e inclusão, são processos que jamais devem ser confundidos. Integrar e incluir são conceitos distintos, pois enquanto a primeira consiste na parcialidade, a segunda é total. São paradigmas distintos por se apoiarem em aspectos teórico metodológicos divergentes. A integração quer adaptar o aluno a escola, selecionar os que conseguem acompanhar o ritmo dos demais na educação tradicional, acumulativa e bancária, e não tem como objetivo atuar na perspectiva das diferenças. Não há, portanto, uma mudança na estrutura educacional. Já a inclusão quer romper com que vinha antes dela, obriga a escola a adaptar-se aos alunos, realiza a cisão entre educação regular e educação especial em apenas uma, a escola para todos, onde o que importa é a valorização da pluralidade. Diante disso, as subdivisões no ensino não fariam mais sentido, tais como turmas de aceleração, classes especiais, ou qualquer outra divisão por capacidades (Mantoan, 2003).

Nesse momento, convém destacar que Educação Especial, classes especiais e inclusão são conceitos distintos e complementares. A Educação Especial é uma modalidade que precisa ser transversal a todos os níveis, etapas e modalidades de ensino; é parte integrante da educação regular, presente, inclusive, da educação infantil até a educação superior, e tem público-alvo específico (estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento3 e altas habilidades/superdotação), segundo a Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva (Brasil, 2008).

As classes especiais se apoiavam na lógica de adaptação das pessoas com deficiência à sociedade, que imperava no paradigma da integração. Essas classes têm origem num modelo europeu, no contexto em que o ensino primário se tornava obrigatório, e com isso deveria atender a todos. Eram uma alternativa para aqueles alunos que não acompanhavam o restante da turma, diante de uma educação que não atendia a necessidade de todos os públicos. No Brasil, o surgimento dessas classes vem do desejo de homogeneidade das turmas escolares e, para a composição destas, eram aplicados testes para aferição do desempenho intelectual dos alunos. Aqueles com níveis mais baixos de aproveitamento eram encaminhados a essas classes que tinham uma concepção mais individual (Borges, 2015).

É possível identificar uma lógica integracionista e ao mesmo tempo segregacionista. Nesse momento, existem oportunidades para as pessoas com deficiência de estudarem, coisa que anteriormente não era garantida. No entanto, como a lógica é a de adaptação dessas pessoas a sociedade, elas eram simplesmente separadas do restante da classe para que não atrapalhassem o objetivo de homogeneização das turmas.

A Educação Especial é caracteriza por momentos históricos diferenciados. Desde a completa rejeição as pessoas com deficiência, até o encontro dos valores humanos contidos em cada pessoa. Se a exclusão, segregação/marginalização e integração eram a regra, atualmente a inclusão ganha mais força por dialogar com os direitos humanos e com as lutas dos movimentos sociais organizados por grupos específicos. Em conformidade com isso, outros fatores excluíam outras pessoas do ambiente educacional, o que tornava o ensino regular falho por dois motivos: a separação entre pessoas com deficiência e sem deficiência, e por não conseguir que todos os alunos aprendessem, como os que não tinham acesso a direitos básicos de alimentação, vestuário, higiene e a própria escola (Santos, 2000).

E, diante desse cenário, surgem políticas que almejam ao menos reduzir as disparidades no acesso à educação entre as pessoas. Santos (2000) aborda uma educação especial até 1990, caracterizada pela falta de ações que pudessem efetivamente incluir a todas no ambiente escolar, e outra após esse período, a partir da Conferência Mundial de Jomtien (1990) e da Declaração de Salamanca (1994). De forma complementar, os dois documentos resultantes de inúmeras lutas, passam a declarar a inclusão como meio mais eficaz de produção de uma escola que atenda realmente a necessidade populacional. Dessa forma, o termo “necessidades educacionais especiais” torna-se amplo, conforme destaca Santos (2000), relacionado a todos os que por motivos de fome, miséria, doença, violência, religiosidade, entre outros motivos, não alcancem a aprendizagem.

Logo, a inclusão trabalha com todos os públicos por reconhecer o direito a educação para todos. Não faz mais sentido isolar uma parcela da população, como ocorria anteriormente, já que a eficácia educacional era menor. Os alunos aprendem mais diante da diferença, e ser diferente é justamente fugir do padrão de aluno estabelecido pela escola tradicional brasileira.

E é exatamente nesse deslocamento da adaptação a escola para a escola adaptar-se, que reside a ultrapassagem da integração para a inclusão. Essa ruptura impacta a escola em múltiplos sentidos, e por isso mesmo não tem sido fácil sua inserção. Mesmo diante de legislações como a Constituição Federal (1988) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996), as quais obrigam sua implementação.

Conforme Mantoan (2003), o sistema escolar tem de ser alterado, já que incluir, hoje, é uma tarefa oposta ao que se entende por escola. Uma vez que seus pilares, majoritariamente, são seletivos e excludentes, tal como o processo de arranjo curricular, a divisão disciplinar, a especialização de tarefas, a categorização de alunos, em suma, de acordo com a lógica do pensamento científico moderno.

Dessa maneira, a escola hoje enfrenta o desafio de incluir, e para isso precisa romper com a seletividade, a hierarquização de conhecimentos, e estar pautada na diferença, almejando a promoção de justiça social, através do acesso à educação para todos. Seu grande diferencial em relação a integração equivale ao rompimento com os ideais liberais de igualdade, atuando através da defesa da diferença como princípio educacional (Mantoan, 2003), porque as pessoas são diferentes, ou seja, a inclusão trabalha com a realidade, e não com a essencialidade de paradigmas anteriores.

A inclusão está associada ao modelo social de deficiência. Sassaki (2012) aponta as lutas das pessoas com deficiência como semente desse paradigma, onde o conceito de “Equiparação de Oportunidades” visava a inserção dessas pessoas na sociedade. Mesmo que na origem do paradigma houvesse uma associação maior às PcD, as preocupações puderam ser ampliadas para além desse público, configurando uma nova e abrangente definição do termo. Diante de uma inserção educacional mais profunda, atingindo a todos os envolvidos na escola e realizado sistemática e processualmente. Esse conceito amplo de inclusão está presente no trabalho de Fonseca e Ramos (2017) que pontuam:

Estar apoiado num conceito amplo de inclusão, nos permite um olhar abrangente aos direitos humanos e sociais, numa perspectiva que não pretende guetizar pessoas por suas características físicas, psíquicas, cognitivas, sociais, culturais, religiosas, étnicas ou quaisquer outras, que historicamente são rotuladas como diferentes e excluídas por tal razão. (p.187)

Ocorre, aqui, a valorização dessa diferença, justamente por identificar que a sociedade tem essa característica. E a escola tem um papel crucial na formação dos cidadãos, e carrega consigo um papel de destaque nesse processo de mudança. Porém, essa não é uma passagem natural e definitiva.

Levando em consideração todo o processo histórico relacionado a temática da educação especial, e o quanto os paradigmas estiveram fortemente associados à apenas uma parcela da população (às pessoas com deficiência), discutir inclusão, por mais paradoxal que possa ser, pode ser mais ou menos inclusivo. Afinal, claro que é importante defender os interesses das PcD, mas essas não são as únicas excluídas. Outros grupos minoritários também são, e merecem atenção. Contudo, há uma intensa correlação de forças quanto a esse conceito (inclusão), que o faz pender ora para uma visão mais restrita ora para mais ampliada.

Mais do que isso, ampliar esse entendimento se associa também a continuidade, a historicidade e a infinitude, inerente as relações que o ser humano estabelece ao longo da vida.

Corroborando com isso, Sawaia (2001), baseada na análise ético psicossociológica, analisa a exclusão mediante seu par dialético, a inclusão:

A dialética inclusão/exclusão gesta subjetividades específicas que vão desde o sentir-se incluído até o sentir-se discriminado ou revoltado. Estas subjetividades não podem ser explicadas unicamente pela determinação econômica ou por qualquer outro tipo de diferença, elas determinam e são determinadas por formas diferenciadas de legitimação social e individual, e manifestam-se no cotidiano como identidade, sociabilidade, afetividade, consciência e inconsciência. (p.9)

Deste modo, parece notória a impossibilidade de conceber a inclusão sem a exclusão, revelando que o caráter desse par dialético é multifacetado e por isso o impacto na formação de cada pessoa se manifesta nas diferentes dimensões, sejam elas sociais ou individuais.

A autora alerta ainda, sobre a inclusão perversa, no combate à exclusão, em tentativas alienadas. Em outras palavras, dependendo da maneira de realização, a inclusão pode desenvolver-se como forma de adaptação e normatização das pessoas e que seu consequente fracasso é culpa tão somente individual e não do sistema. Não existe a possibilidade de conceber a exclusão como algo tão somente individual, pois ela é definida como um processo que envolve a pessoa como um todo e na relação intersubjetiva com os outros. O sistema a produz em seu próprio funcionamento. Se o trabalho for pautado na lógica da inclusão perversa, logo a exclusão será a protagonista na inserção social. Portanto, não se pode pensar na exclusão/inclusão como algo separado ou distante, e sim a reflexão mediante a dialética exclusão/inclusão.

Nesse sentido, Booth e Ainscow (2011) analisam da mesma forma e a definem como:

Inclusão é uma iniciativa compartilhada. Consideramos a promoção da aprendizagem e da participação e o combate à discriminação como tarefas que nunca têm fim. Elas implicam todos nós no ato de refletir sobre e reduzir as barreiras que nós e outros tenhamos criado e continuamos a criar (Booth e Ainscow, 2011, p.6).

Essas barreiras são todos aqueles impedimentos que afetam a participação do alunado, podendo estar dentro ou fora da escola. Alguns exemplos são as barreiras físicas, como a arquitetura predial da escola sem acessibilidade, a atitudinal com poucas ações voltadas ao enfrentamento de dificuldades de qualquer tipo (seja decorrente de deficiência ou não) e a relacional em que a relação entre professores/alunos ou aluno/aluno é prejudicada por algum tipo de preconceito. Outros exemplos poderiam ser a falta de políticas públicas, de organização escolar, na relação entre famílias e todas aquelas em que estão mais longe do alcance de forma individual. Preocupar-se com a eliminação dessas barreiras é parte essencial da construção de uma escola/sociedade mais inclusiva e menos excludente. E não é de hoje a necessidade do tratamento do assunto. Fonseca e Ramos (2017) destacam que apesar de a inclusão ser um tema em voga, a exclusão sempre existiu, embora historicamente invisibilizada. Deste modo, surge a necessidade de alguns temas urgentes serem discutidos, sejam na Universidade ou na Escola como as questões de gênero, raça, desigualdade, etnias, deficiência e etc. Todas essas questões estão presentes nesses espaços e só ganharam notabilidade devido ao surgimento de políticas específicas.

Diante disso, a inclusão consiste em um processo dialético e infindável (Sawaia, 2001; Booth e Ainscow, 2011). Isso significa admitir que a temática perpassa a todas as pessoas, pois a todo momento todos são excluídos de alguma forma e a inclusão nunca é definitiva. A inclusão visa atender a todos que estão nesse processo inclusivo/excludente, ampliando a preocupação para além das pessoas com deficiência, alcançando outros que historicamente também são deixados de lado. Por isso, a diversidade tem que ser um impulsionador do trabalho educacional. Em suma, é importante destacar que a inclusão não é o fim da exclusão e sim um par dialético de correlação de forças que a todo momento são puxadas de um lado ao outro, como num jogo de cabo de guerra.

Logo, torna-se notório uma intensa disputa de paradigmas e concepções em torno da inclusão. O uso cronológico dos paradigmas da exclusão, segregação, integração e inclusão são apenas devido a fins didáticos já que todos ainda hoje acontecem. A maneira pela qual os indivíduos se relacionam no meio social é quem vai dizer qual está prevalecendo naquele momento. Como visto, a inclusão é um processo que nunca tem fim, sendo possível estar incluído num grupo e ao mesmo tempo excluído segregado ou integrado em outro. É possível ainda que no mesmo grupo ocorram a inclusão/exclusão em diferentes momentos, já que como visto o par é dialético e o tensionamento de forças de um lado ao outro é constante. Já os conceitos de inclusão estão aqui polarizados entre de um lado a concepção ampla, a qual vai abarcar a todas as pessoas que por alguma razão não se enquadram no padrão estabelecido, seja intelectual, físico, motor ou de qualquer outra ordem, e acabam sendo excluídas, segregadas ou integradas no processo educacional ou social, e de outro a concepção restrita que só tem observado um público muito específico, que são as pessoas com deficiência.

Diante desses levantamentos conceituais, cumpre relembrar o quanto a área da Educação Física esteve historicamente ligada aos paradigmas da exclusão, segregação e integração, sendo o primeiro deles protagonista nos anos áureos da corrente da aptidão física. Romper com uma Educação Física que privilegie o desempenho esportivo, físico e técnico, corresponde ao fator elementar no caminho de uma educação inclusiva. No presente estudo, entende-se como objetivo dessa disciplina escolar, o trabalho pedagógico voltado para a apreensão da cultura corporal por parte dos alunos. Entra em conformidade com o Soares et. al (1992) que enxergam a Educação Física como uma disciplina que trata didaticamente das manifestações corporais as quais foram criadas ao longo da história pelas pessoas e representam nada mais que a sua própria realidade, de maneira simbólica. Essas manifestações podem ser de variados tipos, constituindo os conteúdos de que trata a Educação Física na escola, sendo eles as danças, as lutas, as ginásticas, os jogos, os esportes e muitos outros que fazem parte do acervo cultural e histórico de cada localidade. Isso implica numa diversificação de conteúdo, o que vai na direção de oportunizar, além de inúmeras vivências diferenciadas, atender aos anseios e expectativas de mais alunos quando em relação da tematização apenas da manifestação esportiva. Mas não basta diversificar, principalmente se o ensino segue meramente técnico (Fonseca e Ramos, 2017). A Educação Física precisa ultrapassar o objetivo do rendimento esportivo ou de qualquer outra prática, para conceber-se como um lugar de atendimento as diferenças presentes naquele espaço, pois são muitas. Alcançar o trato pedagógico que siga a direção de pensar numa aula para todos, respeitando suas possibilidades, limites e especificidades, construindo estratégias que façam as diferenças coexistirem e estarem de fato participando das vivências oportunizadas pelo professor ou professora de Educação Física na escola.

Tais disputas de paradigmas e concepções sobre quem deve ou não ser incluído ou invisibilizado, acabam impactando diretamente o chão de escola e atuando na construção identitária dos discentes da educação básica. Muitas vezes, a escola classifica e pune diferentes tipos de comportamentos de acordo com o padrão étnico-cultural dominante, excluindo os demais e perpetuando estereótipos e preconceitos nas relações escolares e sociais que podem inclusive interferir no sucesso ou fracasso destes discentes. A diferenciação é o processo central pelo qual a identidade e a diferença são produzidas. Onde há diferenciação, está presente o poder, que possibilita hierarquizar o mundo em grupos sociais que são valorizados de forma distinta: incluir/excluir (estes pertencentes e aqueles não), demarcar fronteiras (nós e eles); classificar (bons e maus; puro e impuros; desenvolvidos e primitivos); normalizar (nós somos normais eles são anormais) (Silva, 2014). Constroem-se assim as oposições binárias (homem/mulher, branco/negro erudito/popular e outras), nas quais um termo recebe valor positivo e o outro negativo. O positivo será aquilo que é natural e desejável socialmente, enquanto o negativo será aquilo que deve ser evitado.

Estas definições envolvem disputas entre grupos sociais distintos pelo poder de definir os rumos dos recursos materiais e simbólicos da sociedade, sendo importante os movimentos sociais de resistência que contestam imposições culturais universalizantes, no intuito de questionar os marcadores negativos que são impostos a determinadas identidades e que muitas vezes acarretam a marginalização de determinados grupos. A produção da identidade se faz a partir de um movimento que busca fixá-la e estabilizá-la e, ao mesmo tempo, comporta um outro movimento, que tende a subvertê-la, desestabilizá-la. Percebe-se então pelos motivos expostos que a discussão sobre a forma como a inclusão tem sido tematizada nos cursos de formação de professores, não pode ser encarado apenas como um debate no plano das ideias, mas como um debate com profundo impacto na formação inicial de futuros docentes, assim como em um segundo momento nas construções identitárias dos futuros discentes destes professores.

Metodologia

A presente pesquisa é de abordagem qualitativa, a qual segundo Bauer e Gaskell (2017), consiste na interpretação dos dados coletados atribuindo menor valor as informações estatísticas. Aliás, os autores mencionam que é a abordagem qualitativa quem vai deslocar o foco dos dados numéricos para a qualidade da informação. Dessa forma o alcance de resultados eficazes está além dos números, lidando com a interpretação da realidade social. Ao analisar qualitativamente, abre-se a possibilidade de dar voz a quem está sendo analisado e não tratá-lo apenas como um objeto estatístico. Apesar disso, como destacam os mencionados autores, não é propriamente a técnica que dará um tratamento crítico ou emancipatório ao trabalho, mas sim a maneira com que os pesquisadores utilizam os dados e aqueles que recebem os resultados, os interpretam.

Apesar da ênfase qualitativa, o artigo valoriza dados quantitativos em alguns aspectos, os quais se associam ao próprio método de análise do material (análise de conteúdo), não sendo possível descartar toda e qualquer compreensão dos dados numéricos, considerando também, que a própria análise qualitativa não o faz.

O trabalho está estruturado em uma análise documental voltada para os Projetos Pedagógicos de Cursos (PPCs) de Educação Física de quatro universidades públicas da Região Sudeste do Brasil. Esse tipo de pesquisa caracteriza-se, conforme Sá-Silva, et al (2009), por permitir a compreensão de variados tipos de documentos através de algumas formas procedimentais. Além disso, a possibilidade de acrescentar a dimensão do tempo na observação do objeto faz com que o entendimento sobre esse seja realizado tanto na sua gênese quanto no seu desenvolvimento, o que possibilitará uma maior compreensão desse objeto de análise.

O corpus de análise foi construído a partir dos seguintes critérios: regional, organização acadêmica e categoria administrativa, modalidades de ensino e número de vagas autorizadas. No que se refere ao critério regional a região sudeste foi escolhida por concentrar um grande número de cursos, compreender um alto número de vagas autorizadas no Ministério da Educação e, consequentemente, formar um quantitativo relevante de professores no cenário nacional. A escolha da organização acadêmica e categoria administrativa foram pelas universidades públicas estaduais e federais. A opção pelas universidades está condicionada pela sua perspectiva de trabalhar dentro do princípio constitucional da indissociabilidade entre o ensino, pesquisa e extensão. A modalidade de ensino adotada foi a presencial, já que há cenários formativos como a troca de experiências direta entre professores em diferentes momentos da carreira (professor universitário x professor em formação), oportunidade de reflexões aprofundadas sobre os temas e relação mais próxima entre os futuros professores. E, por fim, as universidades são as com maior número de vagas de ingresso à graduação, optando por aquelas com maior impacto na formação de professores, ou seja, olhar para os lugares que mais têm formado professores de Educação Física.

A delimitação em quatro Projetos Pedagógicos de curso baseou-se no deslocamento para a qualidade da análise acima da quantidade de projetos. Isso possibilitou significativa imersão do que dizem os documentos acerca do problema de pesquisa. Além disso, mais PPCs ficariam impossibilitados dado a extensão para a publicação na revista.

A análise dos dados ocorreu mediante a técnica análise de conteúdo, a qual é definida por Bardin como:

Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos, sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens) indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens (Bardin, p.42, 1977).

Para atender aos procedimentos objetivos e sistemáticos, a presente pesquisa mobilizou as fases da análise de conteúdo que, de acordo com Bardin (1977), são organizadas pela pré-análise, a exploração do material, o tratamento dos resultados, a codificação e categorização, a inferência e a interpretação.

Para o encontro dos códigos, foi utilizada a ferramenta de busca ao longo do documento através dos radicais dos paradigmas educacionais associados à inclusão, sendo eles exclu; segrega; integra; e inclu. A partir disso, foi analisado a semântica presente naquela passagem para constatar se o que estava sendo tratado era relativo à temática em questão. As categorizações foram construídas a partir dos conceitos que embasaram o trabalho, dividindo a planilha de análise, em conceito amplo e restrito de inclusão. Isso vai ao encontro da necessidade de observação da unidade de registro e a de contexto, constituindo a ultrapassagem dos dados brutos em sistematizados.

Resultados e Discussão

Diante do objetivo de analisar como o conceito de inclusão vem sendo mobilizado na formação inicial de professores de Educação Física, a presente seção organiza-se em três importantes momentos. O primeiro está compromissado com a apresentação dos dados gerais e com a preparação para a fase principal do processo analítico. O segundo configura-se como o espaço de apresentação dos olhares estabelecidos sobre a inclusão e a formação. E, finalmente, o terceiro momento desenvolve uma discussão inicial sobre a emergência do termo inclusão social e sua polissemia nos textos analisados.

Assim, o corpus de análise desse trabalho é composto pelos PPCs de Educação Física de quatro Universidades já mencionadas, as quais são UFRJ, UEMG, UFRRJ e UNIMONTES.

A partir da análise dos PPC’s das Universidades supracitadas foi possível trazer algumas inferências que serão discutidas nesta seção do trabalho. Constituem o quadro de análise os conceitos amplo e restrito de inclusão dos quais, como aparecem no referencial teórico, se embasam nos trabalhos de Sawaia (2001) através do par dialético inclusão/exclusão; Booth e Ainscow (2011) com a inclusão sendo um ato coletivo e processual e Fonseca e Ramos (2017), quando ampliam o conceito de inclusão, olhando para todos aqueles que são excluídos por serem diferentes e não seguirem os inúmeros padrões impostos socialmente. Somado a isso, essas últimas pensam a inclusão dentro da Educação Física escolar, que se caracteriza por ser historicamente uma disciplina excludente, e a formação de professores da área está em foco nesse estudo. Portanto, a concepção ampla enxerga a inclusão como um processo e abrange todos aqueles que por alguma razão são excluídos da escola ou da sociedade. Por outro lado, a concepção restrita é relativa aquela parcela menor da qual fica única e exclusivamente voltada às pessoas com deficiência.

Assim, buscando organizar a apresentação e discussão dos resultados, foram construídos quadros que dão o panorama do lugar em que se encontram os componentes curriculares que tratam da temática inclusão. Para complementar e dar sentido a incidência do termo inclusão nesses componentes, são mobilizadas as unidades de registro e de contexto, das quais Bardin (1977) destaca serem fundamentais para a elaboração das categorizações e posteriormente das inferências.

Começando a análise de cada PPC, a UFRJ apresentou uma disputa de concepções acerca da inclusão. Cabe destacar que esse é o único dos quatro projetos pedagógicos analisados que se discute a temática integralmente, dialogando com o ensino, a pesquisa e a extensão, conforme a tabela 1 abaixo:

Tabela 1 Componentes curriculares UFRJ 

Fonte: Elaborado pelos autores, 2020.

Situadas no eixo de Ensino, as disciplinas de “Educação Física adaptada” e “Educação Comunicação II libras” revelaram sua aderência ao conceito restrito.

Ementa da disciplina Educação Física Adaptada:

Estudo analítico dos conceitos e dos aspectos educacionais, sociais e políticos da Inclusão e Educação Física Adaptada em termos nacionais e internacionais. Conhecimentos específicos das deficiências intelectuais, físicas, sensoriais e múltiplas, bem como a análise da atuação do professor junto às pessoas com deficiências (Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2016).

Ementa da disciplina Educação e comunicação II Libras:

O estudo de LIBRAS na formação do professor em uma visão inclusiva de Educação. Cultura surda e comunidade. As comunidades surdas no Brasil. Surdez e Patologia. Surdez e diferença. Gramática em LIBRAS. Vocabulário básico. Exercícios e diálogos: família, apresentação, saudação, e sentimentos; objetos, alimentos e bebidas; corpo humano; animais; vestuário. Acessórios e cores; profissões e sistemas monetários; meios de transportes e viagens; países, estados e cidades; calendário, condições climáticas e estações do ano; mitos, lendas e crenças. Exercício para o desenvolvimento da percepção e uso do espaço e do corpo (Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2016).

Após as leituras das unidades de registro e contexto foi constatado que a inclusão estava direciona as pessoas com deficiência. No caso da “Educação Física adaptada”, são abordadas diversas questões relacionadas às pessoas com deficiência e, na disciplina de “Educação e comunicação II Libras”, mais especificamente as pessoas com deficiência auditiva. De acordo com essas ementas, o professor vai aprender a trabalhar com os alunos com deficiência, mas aparentemente há pouco espaço para a reflexão a partir da diferença. Em como esse professor poder realizar o seu trabalho pedagógico voltado a todo o público escolar, que é muito diverso e por isso carente de oportunidades para o rompimento de barreiras e preconceitos. O estudo a respeito das deficiências de modo separado caminha no sentido integracionista, já que os outros conteúdos não estão a elas relacionado.

Ainda no PPC da UFRJ a concepção restrita tem eco no grupo de pesquisa “GEPEFAdI”, definido como:

O Grupo de Estudos e Pesquisa em de Educação Física Adaptada e Inclusiva (GEPEFAdI), criado em abril de 2010, tem como objetivo buscar o aprofundamento no âmbito da diversidade, no que tange a instituição educacional e ao esporte de alto rendimento. Visa proporcionar aos profissionais da educação vivências práticas esportivas comuns às pessoas com deficiência, com o intuito de ampliar o olhar para as possibilidades de ação (Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2016).

Nessa passagem, existe a menção a diversidade tanto no espaço escolar quanto no esporte de alto rendimento. Contudo, as oportunidades de construção de novas práticas estão voltadas às pessoas com deficiência, não havendo indícios de que essas práticas sejam conjunta aos outros públicos sociais. Note que as vivências dos profissionais da educação serão aquelas as quais as pessoas com deficiência realizam, como o “basquete de cadeira de rodas” ou o “futebol de cinco”, não parecendo explorá-los em favor de desconstruções de preconceitos enraizados na sociedade brasileira.

Passando para o eixo da extensão, surge o “Grupo Esquina - Cidade, Lazer e Animação Cultural” que tem como perspectiva uma compreensão ampliada através da inclusão social. Segue descrito:

Atualmente o ESQUINA integra o Programa de Inclusão Social da Vila Residencial da UFRJ com o projeto Animar sem Quedas, atuando com exercícios físicos para a prevenção de quedas de adultos e idosos. Em parceria com a Divisão de Integração Universidade Comunidade desenvolve o projeto Laços Corporais, laços afetivos e saúde: a Educação Física no Programa Integrado de Alfabetização de Jovens e Adultos (PIEJA/PR5), no qual desenvolve exercícios de ginástica laboral com os alunos e professores. Por seus trabalhos, o Grupo já recebeu duas menções honrosas em Congressos de Extensão da UFRJ e, em 2012, foi agraciado com o Prêmio FUJB de Extensão Universitária como o melhor projeto de extensão na área da Saúde (Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2016).

Para esse projeto de extensão a inclusão social surge como um programa de um lugar específico (Vila Residencial da UFRJ) e de um público específico (adultos e idosos). Aparentemente a descrição do grupo de extensão dá a noção de um trabalho compartilhado, enxergando as limitações de um trabalho isolado. Essas parcerias podem constituir parte daquilo que Booth e Ainscow (2011) alertaram, de que a inclusão é coletiva e processual. O arranjo do grupo parece caminhar num sentido bem definido do público a que se dirige, do tempo necessário ao alcance de seus objetivos, além de defini-los de forma clara, que é a prevenção de quedas de adultos e idosos.

O termo inclusão social não surge apenas nesse grupo de extensão, mas também aparece ao longo do documento de modo polissêmico, tendo um destaque quando associado às atividades físicas, esportivas e de lazer ou ao esporte, sendo eles promotores de cidadania, melhoria da qualidade de vida e etc. Em uma de suas passagens:

Adotando uma nova prática humanizadora e democrática e de natureza transformadora, o professor de Educação Física eleva as atividades físicas, esportivas e de lazer à categoria de meios eficazes de inclusão social, de promoção da solidariedade, de fomento da cidadania e de instrumento de melhoria da qualidade de vida (Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2016).

Ao contrário da inclusão social surgida anteriormente no grupo de extensão, esse trecho especifica o tempo, o espaço ou as suas ações. De maneira solta e isolada, o professor de Educação Física mediaria o alcance da inclusão social (através do esporte, das atividades física e de lazer) até aqueles que necessitam de melhores condições de vida. Diante disso, o trecho analisado vai na contramão do que Sawaia (2001) apresenta. Ao desconsiderar o contexto em suas diversas faces (cultural, social, político, econômico, dentre outros), essa passagem vai ao encontro da inclusão perversa. E sendo assim, o produto final dessa ação, pode ser a exclusão social.

Em resumo, nessa instituição foi possível inferir a presença de concepções conflitantes, com maior incidência na concepção ampla revestida sobre a manta da inclusão social, já que o texto retorna várias vezes no termo, somado a um grupo de extensão que também aponta no mesmo. Entretanto, como visto, existem diferenças de sentido acerca desse termo, ora aliada a uma perspectiva inclusiva (ampla), ora numa perspectiva possivelmente excludente (perversa).

A análise do PPC da UEMG, desvela a convivência entre os conceitos de inclusão no eixo de ensino. Das instituições analisadas, foi a que trouxe menos material para análise. A temática da inclusão aparece apenas no ensino e no perfil do egresso, parecendo que o tema não está no centro das atenções neste PPC, conforme ilustração da tabela 2 seguinte:

Tabela 2 Componentes curriculares UEMG 

Fonte: Elaborado pelos autores, 2020.

Ementa da disciplina Educação Física, inclusão e práticas corporais adaptadas:

Contextualização histórica das práticas corporais adaptadas. Discussão dos conceitos de exclusão, segregação, integração e inclusão. Conceito de Educação física Adaptada. Análise da legislação. Procedimentos e estratégias metodológicas para questões relativas às pessoas com deficiência nas aulas de educação física. Atividade Física Adaptada para pessoas deficiências. Âmbitos de atuação (escolar, esportivo e recreacional (Universidade Estadual de Minas Gerais, 2016).

Apesar da disciplina discutir os paradigmas dos quais Sassaki (2012) aponta em seus estudos, existe a indicação na ementa de que a inclusão está voltada às pessoas com deficiência. Aparentemente, a exclusão desse público tem sido a única preocupação desse documento. Os procedimentos e estratégias poderiam ser usadas também para a partir das atividades adaptadas serem construídas práticas inovadoras na direção da diversidade. A própria ementa prevê o percurso histórico na discussão dos conceitos, mas parece faltar a operacionalização da inclusão no sentido amplo.

Entretanto, na ementa da disciplina Culturas Afro-Brasileiras e Indígenas a operacionalização do sentindo amplo ocorre através do par dialético da inclusão, ou seja, a exclusão:

O processo histórico e social do povo africano no Brasil, da cultura afro-brasileira e indígena. Influência de matrizes culturais africanas e indígenas no processo histórico de construção das identidades culturais do povo brasileiro. Análise, problematização e vivência de práticas corporais indígenas e afrodescendentes. Práticas de exclusão e racismo na sociedade brasileira e na escola (Universidade Estadual de Minas Gerais, 2016).

A ementa da disciplina traz a reflexão histórica acerca das exclusões sofridas por grande parte da população, oriundas da cultura afro-brasileira e Indígena. Além disso, propõe prática de valorização dessas culturas que são originárias da própria nação e que por muitos anos, as práticas provenientes desses povos foram mascaradas por outras culturas dominantes. Levantar essas problematizações e tematizar esses elementos culturais contribuem no rompimento de barreiras e preconceitos. A inclusão aparece, desse modo, vista a partir do ângulo da exclusão, entendendo essa última como algo não definitivo, cultural e passível de ser modificado com o tempo.

Há também a presença da discussão no perfil do egresso, constando em um dos objetivos, a capacidade de realizar um trabalho que contribua para superar alguns tipos de exclusões. A indicação do trecho segue algo semelhante da disciplina vista anteriormente, na qual a partir da análise da exclusão, pode-se pensar na inclusão, e nesse caso, caminha, também, no sentindo amplo. Ratificando isso, o foco está nas pessoas que são excluídas socialmente, em razão econômica, cultural, religiosa e várias outras mencionadas na passagem que descreve o perfil desejado.

que seja capaz de identificar questões e problemas socioculturais e educacionais, com postura investigativa, integrativa e propositiva em face de realidades complexas, a fim de contribuir para a superação de exclusões sociais, étnico-raciais, econômicas, culturais, religiosas, políticas, de gênero, sexuais e outras da localidade em que atuar (Universidade Estadual de Minas Gerais, 2016).

Desse modo, a UEMG traz pouca reflexão sobre a temática da inclusão, o que, paradoxalmente, não colabora para o perfil de egresso desejado pela própria instituição. Houve equilíbrio em pensá-la de modo amplo e restrito, com a balança pesando mais para o primeiro. Ocorreu a presença da discussão dos paradigmas educacionais relacionados à inclusão, e a reflexão a partir do par dialético inclusão/exclusão, compreendendo que ambos não são definitivos e que a mudança depende de um trabalho contextualizado nos moldes sociais. Ressalta-se ainda, que o conceito amplo foi atingido quando as exclusões foram pensadas sob diversos focos, sendo eles políticos, de gênero, sexuais e vários outros elencados.

Já na UFRRJ a concepção ampla é predominante em todo o Projeto Pedagógico de Curso, com ênfase na inclusão social. Os componentes curriculares estão assim distribuídos:

Tabela 3 Componentes curriculares UFRRJ 

Fonte: Elaborado pelos autores, 2020.

No entanto, para além dos componentes curriculares, destaca-se o aparecimento da discussão já nos princípios norteadores e na matriz curricular, próxima da concepção ampliada que embasa esse estudo, com as autoras Sawaia (2001); Booth e Ainscow (2011); Fonseca e Ramos (2017).

No princípio norteador Justiça social, destaca-se: “esse princípio preconiza a formação de um profissional comprometido com a desconstrução dos processos e das estruturas de exclusão social e com a construção de processos e estruturas inclusivos (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, 2015)”.

Matriz curricular Núcleo da Formação Didático-Pedagógica:

Inclui-se o desenvolvimento dos conteúdos necessários à formação pedagógica, entre os quais o planejamento e a avaliação, numa perspectiva inclusiva, que visa a melhoria dos níveis de saúde e da qualidade de vida, o aumento da participação e a diminuição das barreiras à aprendizagem nas diferentes áreas de atuação do professor de Educação Física (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, 2015).

Nessas passagens são relevantes o trato da exclusão como par dialético da inclusão no princípio norteador e a preocupação com o aumento da participação do público em geral, além do levantamento da questão de diminuir qualquer barreira que impeça a participação plena, na matriz curricular. Ademais, de planejar a avaliar numa perspectiva inclusiva dão pistas de uma formação que se preocupa com todo o processo educacional, no sentido inclusivo.

Olhando agora especificamente para os componentes, o Handebol I e a Recreação também foram enquadrados de forma ampla.

Ementa Handebol I:

Teoria sobre o processo ensino-aprendizagem; métodos e estilos de ensino aplicados ao ensino da técnica e do jogo; Atividades lúdico-recreativas; conhecimentos sobre as bases psicomotoras características do handebol; conhecimentos dos fundamentos técnicos elementares da modalidade; fundamento de goleiro; fundamento de pivô; sistemas elementares de ataque e defesa; Características do desenvolvimento do handebol e de seus fundamentos em diferentes faixas etárias; Reflexões sobre atividades cooperativas; Modelos/ atividades de cooperação e inclusão na prática desportiva do handebol; Regras básicas (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, 2015).

A ementa Recreação revela o foco no “desenvolvimento comunitário, lazer, saúde, integração social, civismo, humanização das cidades, valorização da natureza e adesão do esporte organizado” (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, 2015).

Há associação direta entre inclusão e atividades cooperativas nesse componente. A atividade cooperativa a priori não significa ou é sinônima de inclusão, no entanto não há nenhuma menção expressa de que os esforços estão voltados apenas às pessoas com deficiência e, nesse caso, as ações estariam voltadas para os mais diversos públicos. No caso da disciplina Recreação aparece o termo integração social, com certa semelhança de sentido com inclusão social. No entanto, a disciplina não aparece no quadro pois não se enquadra nem no sentido restrito e muito menos no amplo. Apesar da unidade de contexto apontar no sentido social, abarcando a todas as pessoas, não há como conceber o termo integração sinônimo de inclusão. Como visto na seção da fundamentação teórica, a integração é controversa, já que o indivíduo necessita adaptar-se à sociedade, não é acolhido por esta última e seu fracasso resulta apenas de seus esforços, não considerando todo o contexto excludente o qual ele está envolto e as dificuldades de se estabelecer, dado a sua diferença ao padrão imposto socialmente.

Apesar de também mencionar inclusão social, tal como o PPC da UFRJ, o da UFRRJ critica essa associação direta do esporte e lazer como meios de inclusão. Uma de suas passagens:

A criação de instituições públicas de ensino superior na região, além de promover uma ampliação do acesso a esse nível de ensino vem favorecer processos de mobilidade e inclusão social, com impactos para o desenvolvimento da região. Geralmente, os programas e projetos que se dedicam às áreas política e culturalmente periféricas estipulam como vias de inclusão social, ações nos setores de esporte e lazer ou técnico desprezando a opção acadêmica, ora priorizada.” (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, 2015)”.

Ao tratar da questão da inclusão social, aparentemente o documento problematiza as ações somente ligadas ao esporte, lazer ou na formação técnica, normalmente feitas nas regiões periféricas, como Seropédica, município da Baixada Fluminense que abriga a Universidade. E alçam a Universidade como um espaço privilegiado para o desenvolvimento local, com o investimento nas pessoas que ali residem. Prezar por uma formação acadêmica pode vir a contribuir para construção de visão mais crítica e autônoma dos cidadãos. Por isso, há uma recusa no entendimento raso de inclusão social e aposta no processo, com ações em diversos espaços, valorizando o trabalho grupal.

Embora a ênfase esteja na concepção ampla, há também a presença da restrita através da disciplina “linguagem brasileira de sinais”, em um dos objetivos específicos e na presença de um grupo de pesquisa, GPEFEA.

Ementa da disciplina:

Em consonância com as diretrizes educacionais vigentes de educação inclusiva e com o decreto 5.626, de 22 de dezembro de 2005, essa disciplina objetiva promover o contato e a familiarização dos alunos dos cursos de licenciatura com a cultura e a educação dos surdos, bem como promover conhecimentos sobre a aquisição e o desenvolvimento da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, 2015).

Descrição de um dos objetivos específicos: “Preparar profissionais para a docência e para o trabalho com portadores de necessidades especiais, numa visão de inclusão escolar, social e de educação física adaptada” (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, 2015). Descrição do “Grupo de Pesquisa em Educação Física e Esportes Adaptados” (GPEFEA): “objetiva investigar e analisar os benefícios da prática da Atividade Física e de Esportes Adaptados para a qualidade de vida e inclusão social das pessoas com deficiência (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, 2015)”.

O termo inclusão social ganha nova expressão de sentido nesse grupo de pesquisa ao estar associado não mais a concepção ampla de inclusão, mas sim a restrita. Somado a isso, existe a preocupação de analisar de forma minimamente crítica, as atividades direcionadas as pessoas com deficiência, e se essa adaptação contribui na melhor qualidade de vida dessas pessoas na sociedade.

Portanto, no PPC da UFRRJ as compreensões ampla e restrita de inclusão se alternam, com maior incidência na primeira e, assim como visto na outra universidade federal, a ênfase recaiu sobre a inclusão social. No entanto, a inclusão social quando caminhou no sentido amplo, não teve o mesmo sentido empregado pela UFRJ. Aqui, ela foi carregada por um discurso que deu pistas de ser condizente com a concepção ampla de Sawaia (2001); Booth e Ainscow (2011) e Fonseca e Ramos (2017). Além de ultrapassar a concepção restrita, dialogou com os conceitos das referidas autoras. Contudo, a inclusão social também apareceu no sentido restrito e, quando surgiu, foi associada a investigação do que os esportes adaptados podem ou não trazer de benefícios as pessoas com deficiência.

E, por fim, a UNIMONTES apresenta uma concentração no eixo de ensino quando discute em seu currículo a questão em tela. Veja a tabela 4 abaixo:

Tabela 4 Componentes curriculares UNIMONTES 

Fonte: Elaborado pelos autores, 2020.

As disciplinas dão tratamentos diferentes a temática. Enquanto a “Fundamentos da Educação Física escolar” se encaixa no conceito amplo, a de “Libras” dialoga com o restrito.

Ementa da disciplina Fundamentos da Educação Física escolar:

Histórico da Educação Física Escolar. Concepções de ensino em Educação Física Escolar. Parâmetro Curricular Nacional (PCN). Conteúdo Básico Comum (CBC). Análise do cotidiano escolar: Inclusão, Esportivização e Relações de gênero. Educação Física, interdisciplinaridade e multidisciplinaridade na escola. Diversidade na escola (Universidade Estadual de Montes Claros, 2017).

Ementa da disciplina de Libras: “Introdução à linguagem de sinais”: “Comunicação visual e gramática. Alfabeto manual. Diálogos afirmativos, negativos e interrogativos. Expressões de qualificação e intensidade – adjetivação. Descrição. Narrativa básica” (Universidade Estadual de Montes Claros, 2017).

Na primeira ementa, emergem as questões de gênero, estando elas associadas ao conhecimento de que trata a Educação Física escolar, seu histórico, o cotidiano em que se insere na escola, além da relação com outras disciplinas. Isso sinaliza que a direção tomada nesse componente curricular é a reflexão a partir da diferença. As autoras Fonseca e Ramos (2017) lembram que a diferença sempre existiu, mas, historicamente, tem sido revestida pelo manto da invisibilidade. O público diferente não tinha e, na maioria das vezes, ainda não tem suas questões consideradas. Essas exclusões pela diferença são diversas e o gênero é um dos citados. Trabalhar com relações de gênero associado à Educação Física e ultrapassá-la com a interdisciplinaridade parece um avanço. O diálogo com outros campos do saber escolar aproxima a inclusão do sentido coletivo. Ainda há o retorno a palavra diversidade, dando mais indícios de uma compreensão ampliada de inclusão.

Já a segunda ementa busca fomentar auxílios aos futuros professores de como estabelecer diálogos básicos com alunos surdos. Não há menção a um trabalho de construção de pontes de comunicação entre os alunos surdos e os demais alunos, que colabore com a diminuição das barreiras na educação básica. Apesar disso, ela é fundamental dada a preocupação em estabelecer um canal direto com um grupo que muitas vezes não compreende nossa língua majoritária.

Dando corpo a compreensão restrita, dentro de “Competências e habilidades” também aparecem elementos que indicam a sua presença, com a passagem “Viabilizar o acesso de pessoas com deficiência nas atividades no âmbito escolar, colaborando para o fim da exclusão e do preconceito social” (Universidade Estadual de Montes Claros, 2017).

O surgimento do termo exclusão social acaba sendo tratado sob o prisma dialético, pois refletir acerca da exclusão tem como objetivo final, incluir as pessoas com deficiência. Além disso, romper com as barreiras e preconceitos, se faz presente dentro das preocupações no espaço escolar.

Nesse PPC da UNIMONTES, aparece ainda o termo integração social e integração regional, de forma parecida com que ocorreu em uma das passagens na UFRRJ. Nesse caso, a mesma crítica lançada naquele contexto, aplica-se aqui, com a impossibilidade de categorizar os termos integração social ou regional em qualquer das concepções educacionais de inclusão postas nesse estudo, devido ao paradigma da integração não ter o mesmo objetivo da inclusão. Na seção do documento destinada às “Competências e habilidades específicas a serem desenvolvidas na Licenciatura”, destaca-se o “Respeitar à diversidade social, política, cultural e religiosa, contribuindo para a integração Social” (Universidade Estadual de Montes Claros, 2017). Já na seção “Competências”, ainda no início do documento, o trecho “Contribuir para o desenvolvimento econômico, social e cultural das regiões onde estiver inserida, tornando-se fator de integração regional” (Universidade Estadual de Montes Claros, 2017).

Logo, o documento da UNIMONTES apresenta-se equilibrado em relação as concepções de inclusão, inclinando-se levemente para o restrito. Com o aparecimento do termo integração social e integração regional, houve a impossibilidade de concebê-los dentro dos quadros de análise, somente servindo para mostrar que em alguns pontos do PPC, ainda dialogam com um paradigma que deveria estar superado. Mesmo observando a defesa da diversidade, seja ela social, cultural, política ou outra, o objetivo da integração, conforme dito anteriormente, não caminha num sentido de incluir, e sim integrá-las, o que definitivamente não é a mesma coisa.

Assim, ao longo das análises dos quatro Projetos Pedagógicos de Curso, foi possível observar a presença de diferentes concepções, com destaque para inclusão social4 .De maneira mais geral, em três dos quatro PPC's, nota-se que a concepção ampla prevaleceu sobre a restrita. Cabe destacar que nem sempre apareceram exatamente como a concepção ampla descrita pelas autoras que fundamentam esse estudo, embora ultrapassem aquela compreensão restrita, resumida no pensar educação inclusiva para pessoas com deficiência. Outro ponto relevante é a presença dos grupos, seja de pesquisa ou de extensão nos diferentes PPCs, que dão pistas de multiplicidades de cenários ao longo dos documentos a respeito da inclusão. Isso corrobora para a importância da criação de espaços que reflitam sobre a diferença no âmbito do currículo e, claro, no âmbito da prática.

Uma vez que o compromisso desse texto foi analisar PPC’s, não há intenção de esgotamento das interpretações, sendo fundamental destacar que são apenas apontamentos de documentos oficiais dessas instituições. Além disso, o universo analisado é bastante restrito, pautado exclusivamente no curso de Educação Física, e não significa que toda a Universidade analisada mantenha uniformidade em seus outros Projetos Pedagógicos de Curso.

Tendo em vista o grande destaque do termo inclusão social, numa polissemia de sentidos, é fundamental problematizar esse conceito, principalmente quando não converge no sentido dialético, infindável, processual e coletivo, configurando-se numa ingenuidade típica da inclusão perversa, a qual caminha a favor da exclusão.

A inclusão social apareceu em três dos quatro PPC’s analisados e, em dois deles, figurou como elemento de destaque (UFRJ e UFRRJ), justamente os documentos nos quais a inclusão foi mais abordada. Apesar de aparecer como uma grande divergência de significados, a inclusão social surgiu, em alguns momentos, ligada às questões do esporte, lazer, atividades físicas e outros semelhantes, sendo esses os promotores de melhoria da qualidade de vida ou do desenvolvimento de cidadania.

Voltando aos conceitos de Sawaia (2001) ao dissertar sobre inclusão, há alguns perigos em se tratar de maneira ingênua a referida temática. Quando esse conceito se distancia de seu par dialético (a exclusão), a inclusão se torna perversa. Isso quer dizer que a exclusão pode na verdade preponderar nesse contexto. Seguindo esse raciocínio, Sposati (2006) vai analisar mais especificamente o par dialético inclusão/exclusão social. E quando o faz, se baseia nos trabalhos de Sawaia, abordando de maneira histórica o quanto nessa correlação de forças a exclusão social foi preponderante no último século. Primeiro, a exclusão fez parte do próprio processo produtivo. Com a chegada da grande depressão dos anos de 1930, veio a emergência de um Estado de bem estar social que pudesse garantir alguns direitos básicos dada a situação precária de grande fatia da população que sofreu com o desemprego e a debilidade econômica. No entanto, após o período de prosperidade, eis que o estado mínimo ganha força com o avanço científico e tecnológico.

Foi a partir da globalização que grandes problemas de exclusão surgiram no campo do trabalho que geraram profundas desigualdades de etnia, território, migração e cidadania. Fruto desse Estado mínimo, a mão de obra barata vindo de outros lugares fora da Europa, como África, Ásia e Hemisfério Sul, eram recebidos para realizarem trabalhos com baixa remuneração e ausência de políticas que salvaguardassem essas pessoas. A exclusão pode ser percebida dentro da própria lógica capitalista e os impactos dela decorrentes são as desigualdades culturais, sociais e éticas que compõem barreiras a inclusão social. Fruto dessas questões, vem os preconceitos contra aqueles que foram marginalizados historicamente e é justamente com eles que vemos diariamente acontecer, seja na escola, no trabalho ou em outros espaços sociais, as discriminações (Sposati, 2006).

Esses significados chegam a todos através de estórias, imagens, eventos históricos, símbolos e rituais nacionais que simbolizam as experiências partilhadas, vitórias e derrotas que dão sentido a uma nação, construindo identidades. Como membros desta comunidade, as pessoas se veem compartilhando destas narrativas que as conecta com os demais sujeitos e com algo que existia antes de nossa existência e continuará existindo após a mesma. Porém é importante ressaltar que apesar de as culturas nacionais aparentarem ser unificadas, ao longo da história elas foram formadas através de conquistas internas e por vezes externas que suprimiram outras identidades e outros povos, mas que por muitas vezes a hegemonia cultural que se solidificou foi hibridizada com a cultura do povo subjugado. Bhabha (2013) afirma que o conceito de cultura nacional homogênea e de identidade nacional etnicamente purificada, só pode ser atingido através da morte, literal e figurativa.

A partir disso, banalizar o par dialético inclusão/exclusão social é excluir a parcela da população composta por aquelas que são oriundas dos países africanos, asiáticos, hemisfério sul ou de culturas historicamente marginalizadas como os judeus. Só é possível combater a exclusão quando se coloca como eixo central de análise o confronto da inclusão com a exclusão, descobrindo novas dinâmicas que delas emergem. A luta por igualdade mergulha na necessidade de reinvindicação de direitos, que pelo menos reduzam o abismo existente entre a população em geral e os grandes acumuladores de riqueza. Perpassa também a urgência de políticas públicas eficazes para grande parcela da população que vive em situação miserável (Sposati, 2006).

Portanto, ao tratar do conceito de inclusão social através do esporte, lazer, atividades físicas e outros termos semelhantes, urge a necessidade de se problematizar questões mais elementares. Houve discrepância acerca da significância desse termo nos diferentes PPCs. Ao aparecer em dois deles de forma ampliada pareceu se aproximar da concepção dialética, coletiva e que nunca tem fim. No entanto, em outra incidência, o referido conceito parece acompanhado por uma ingenuidade típica da inclusão perversa, descrita por Sawaia, de que essas instituições, como o esporte, seriam em si promotores da inclusão social, desenvolveriam cidadania, melhorariam as condições de vida e etc. Não parece razoável que essas práticas contenham em si elementos para promover a inclusão social, dado o contexto de uma sociedade de classes, tipicamente capitalista, na qual em seu próprio seio produz desigualdades e em que direitos básicos, como moradia e saneamento básico não são garantidos.

Conclusão

Os Projetos pedagógicos de curso das quatro Universidades públicas da região Sudeste analisados são constituídos por diferentes compreensões sobre inclusão, ao mesmo tempo em que guardam algumas similaridades. Em três deles a ênfase está na perspectiva ampliada (UFRJ, UFRRJ e UEMG), e em uma delas a prevalência foi da restrita (UNIMONTES). De modo geral, foi possível identificar a presença majoritária do conceito amplo de inclusão na maioria dos documentos. No entanto, esse conceito amplo esteve muito atrelado a inclusão social e, como levantado na discussão dos resultados, houve concorrência entre tratá-lo de forma dialética, contextualizada e infindável e seguir no caminho contrário, ou seja, não dialético e não contextualizado nos moldes sociais e culturais de uma sociedade muito desigual.

Portanto, os documentos oficiais das Universidades analisadas, em sua maioria, avançam no sentido da inclusão para além das preocupações voltadas apenas às pessoas com deficiência. Porém, em alguns momentos deixam de considerar uma compreensão ampla de inclusão a qual é processual e fundamentada no combate diário a eliminação dos diversos tipos de barreiras, que combate o preconceito enraizado e que considera a própria complexidade de estar ou não incluído/excluído na sociedade.

Por fim, cabe sinalizar a necessidade de novas pesquisas a serem desenvolvidas no contexto da dinâmica curricular, mirando a compreensão das recontextualizações e relações tecidas dentro destes componentes curriculares que emergiram na atual pesquisa.

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Notas

1O currículo oficial é definido por Posner (1998) como aquele que se materializa de forma escrita, documental, sendo ele é visível por estar disponível para leitura. No trabalho em tela se configura nos Projetos Pedagógicos de curso das Universidades escolhidas.

2Dentre as múltiplas acepções pertinentes ao termo, Esteban (2010) o define como imagem de mundo, uma crença básica acerca de uma realidade, conhecimento ou objeto, as quais são reforçadas de acordo com as práticas de seus agentes.

3Atualmente apresentado como Transtorno do espectro autista.

4Inclusão social é vista por Sposati (2006) como um conceito atualmente banalizado, pois concebe-se como superação de status do miserável, oprimido ou explorado numa sociedade marcada pela desigualdade (política, econômica, social e outras). A referida autora propõe uma análise a partir da fluidez do par inclusão/exclusão social para a identificação por parte da população, de que esse par dialético nunca é definitivo, e com isso a busca por mais incluir do que excluir se torne uma questão de justiça social.

Received: July 17, 2021; Accepted: December 15, 2021; pub: February 01, 2022

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