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Educación Física y Ciencia

versão On-line ISSN 2314-2561

Educ. fís. cienc. vol.24 no.4 Ensenada dez. 2022

http://dx.doi.org/https://doi.org/10.24215/23142561e242 

Artículos

A atividade das/os professoras/es de educação física na educação infantil: prescrições, “usos de si” e relações étnico-raciais

Tthe activity of physical education teachers in early childhood education: prescriptions, “uses of the self” and ethnic-racial relations

La actividad de las/los profesoras/es de educación física en la educación inicial: prescripciones, “usos de sí” y relaciones étnico-raciales

1Universidade Federal do Espírito Santo

2Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória

3Prefeitura Municipal de Vitória, ES

4Universidade Federal de São João Del Rei, MG

5Colégio Pedro II

6Universidade Católica de Vitória

Resumo

Este estudo buscou compreender o desenvolvimento do trabalho docente da Educação Física (EF) nas instituições de educação infantil dos municípios da Grande Vitória /ES, bem como analisou as relações que estabelecem com as políticas educacionais oficiais, os saberes da área da EF contidos nesses documentos e o ensino da temática referente à educação para as relações étnico-raciais na infância. A pesquisa foi metodologicamente orientada pela Análise da Atividade com base na Ergologia (Schwartz, 2000; Schwartz e Durrive, 2007). Os resultados indicam o distanciamento entre as diretrizes oficiais da educação infantil, os docentes de Educação Física e aos conteúdos étnico-raciais. Por outro lado, os/as docentes ancoram-se em grande medida aos saberes experienciais ligados às suas trajetórias de vida e à infância para desenvolver a atividade docente na Educação Infantil.

Palavras-chave Educação física; Educação infantil; Atividade docente; Relações étnico-raciais

Abstract

This study sought to understand the development of Physical Education (PE) teaching work in early childhood education institutions in the cities of Grande Vitória (Espirito Santo, Brazil), and also to analyze the relationships established with official educational policies, the knowledge in the area of PE included in these documents, and the teaching of content related to education that was oriented to ethnic-racial relations in childhood. The research was methodologically guided by Activity Analysis based on Ergology (Schwartz, 2000; Schwartz and Durrive, 2007). The results indicate a distance between the official guidelines of early childhood education, Physical Education teachers and ethnic-racial knowledge. On the other hand, teachers rely heavily on experiential knowledge linked to their life trajectories and childhood to develop teaching activity in early childhood education.

Keywords Physical education; Early childhood education; Teaching activity; Ethnic-racial relations

Resumen

Este estudio buscó comprender el desarrollo del trabajo docente de Educación Física (EF) en instituciones de educación infantil de los municipios que rodean a Vitória /ES, y también buscó analizar las relaciones que se establecen con las políticas educacionales oficiales, los saberes del área de la EF comprendidos en eses documentos y la enseñanza de temáticas referentes a la educación orientadas a las relaciones étnico-raciales en la infancia. La investigación fue metodológicamente orientada por el Análisis de la Actividad con base en la Ergología (Schwartz, 2000; Schwartz y Durrive, 2007). Los resultados indican el distanciamiento entre las directrices oficiales de la educación infantil, los docentes de Educación Física y los contenidos étnico-raciales. Por otro lado, los/las docentes se basan en gran medida en los saberes de la experiencia articulados con sus trayectorias de vida y con la infancia para desarrollar su actividad docente en la Educación Infantil.

Palabras clave Educación física; Educación inicial; Actividad docente; Relaciones étnico-raciales

1. Introdução

Este estudo faz parte da pesquisa “A Educação Física no nível inicial/Educação Infantil na Argentina e no Brasil: Políticas educacionais, trabalho docente e ensino”, que tem como objetivo geral investigar as diferentes estruturas das políticas educacionais que regulam a educação e a educação física (EF) na primeira infância, bem como busca compreender o trabalho docente e o ensino de educação física em instituições de educação infantil na Argentina e no Brasil. Ressaltamos que o estudo é uma parceria entre Universidade Federal do Espírito Santo e Universidad Nacional de La Pampa. Os resultados e análises que ora apresentamos é parte da segunda fase da investigação, relativa ao contexto brasileiro, a qual tomou como campo de estudo a Educação Infantil de quatro municípios da Grande Vitória-ES.1

O trabalho docente de professoras/es de Educação Física (EF) com as crianças da educação infantil vem ganhando destaque nos debates do campo acadêmico e no âmbito da formação de professores. O marco legal da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) nº 9.394 de 1996 torna a Educação Física um componente curricular obrigatório da educação básica, na qual a educação infantil está inserida. Entretanto, os documentos nacionais destinados à educação das crianças carecem de orientações específicas para a EF. São eles: o Referencial Curricular Nacional de Educação Infantil (1998), as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (2010, 2013) e a Base Nacional Curricular Comum (2018).

Os conflitos gerados sobre a educação institucionalizada das crianças pequenas encontram como principal entrave o modo como a organização curricular da educação infantil está estruturada, uma vez que, ao contrário das demais etapas da educação básica, não se configura por meio da divisão disciplinar de componentes curriculares. Para Cavalaro e Muller (2009), uma das principais polêmicas envolvendo esse tema articula-se com a dificuldade de compreender como diferentes áreas do conhecimento podem promover um vínculo capaz de desenvolver um trabalho pedagógico sem a preocupação com uma possível “escolarização” da educação infantil.

Logo, a argumentação baseia-se em uma provável dificuldade que professoras e professores que atuam com a educação na pequena infância teriam para a construção de uma maneira articulada de organizar o processo de ensino. A pesquisa de Quaranta, Franco e Betti (2016) demonstra que, de fato, esse vínculo pedagógico entre profissionais de diferentes áreas apresenta a maior barreira para que o trabalho docente possa ser bem desenvolvido no contexto da educação infantil.

Entretanto, outras experiências também têm evidenciado as possibilidades de um trabalho da Educação Física que dialogue com uma perspectiva de formação para a autonomia na infância, constituindo-se como uma prática articulada às intervenções, sem incorrer, portanto, em uma atuação disciplinar. Cavalaro e Muller (2009) citam dois exemplos de redes municipais de ensino (localizadas nas cidades de Campinas/SP e Florianópolis/SC), em que a tematização da Educação Física na educação infantil tem sido desenvolvida a partir de um trabalho realizado conjuntamente com práticas pedagógicas de outros professores.

Os documentos oficiais curriculares de alguns municípios da Grande Vitória/ES também já apontam uma proposta curricular para o trabalho de professoras/es de Educação Física (Cariacica, 2016; Serra, 2008; Vila Velha, 2008; Vitória, 2006). A análise das orientações curriculares das redes municipais de ensino de Cariacica/ES, Serra/ES, Vila Velha/ES e Vitória/ES, ao mesmo tempo em que demonstra uma distância entre as noções do lugar da Educação Física na educação infantil em âmbito nacional e municipal, também fornece indicativos de como o trabalho docente das/os profissionais da área vem se configurando no interior das instituições educacionais dessas redes, já que essas prescrições curriculares oficiais indicam os entendimentos que têm sido deliberados nos espaços de discussões da educação infantil desses municípios. Além disso, corroboramos as concepções de Medeiros (2017) na compreensão de que documentos tendem a se estabelecer, até certo grau, como regime de verdade a partir dos fatores institucionais que os regulam.

Entre os saberes contidos nessas prescrições, o debate em torno do ensino dos conteúdos referente às questões étnico-raciais emerge como um dos pontos a serem destacados. A educação para as relações étnico-raciais compreende o ensino de um conjunto de conhecimentos e saberes produzidos por diferentes povos, como afro-brasileiros, africanos e indígenas, com base em suas características culturais e sociais, tendo seu marco legal a partir da Lei n° 10.639/03.2 Entretanto, somente o respaldo legislativo não é suficiente para compreender como tais conhecimentos adentram o cotidiano da educação brasileira, sobretudo quando analisados de acordo com as particularidades de cada instituição de ensino. No caso específico da educação infantil, outro fator é a própria dificuldade em assimilar como as demandas raciais perpassam as relações entre as crianças (Gomes, 2019)

Apesar da importância e do peso das orientações curriculares, sobretudo na institucionalização legal dos saberes e conhecimentos por elas propostos, partimos do pressuposto de que a atividade de professores e professoras de Educação Física não é atravessada somente por normas e diretrizes. É necessário observar os/as docentes como pessoas que possuem histórias singulares, sonhos, desejos e projetos distintos e que, ao entrarem na sala de aula, carregam toda a sua trajetória de vida consigo.

Assim, operamos com o conceito de atividade de Schwartz e Durrive (2007), o qual concebe a atividade como esfera das microgestões inteligentes da situação, dimensão das astúcias e do tratamento das variabilidades, atividade como produção de “histórias” dos sujeitos que buscam imprimir suas marcas no trabalho a fim de gerir os riscos engendrados nas brechas que se localizam entre as prescrições e o trabalho real.

É nesse sentido que nos embasamos na perspectiva ergológica (Schwartz e Durrive 2007), pois essa abordagem afirma que atividade humana produz história, ou seja, os sujeitos não estão submissos à mera execução de procedimentos e normas pré-estabelecidas no trabalho, mas, principalmente, fazem uso de um “capital pessoal”.

O trabalho, do ponto de vista da atividade, é compreendido como “uso”, nunca simples execução, mas os que trabalham sempre colocam de “si” na atividade, sem o qual o trabalho não ocorreria. Porém, ao mesmo tempo em que os professores fazem “usos de si por si” para arbitrar e fazer escolhas no trabalho, há também um “uso” desse “si” que é feito pelos outros que compõem o ambiente escolar: os colegas de trabalho, os alunos, as pessoas da comunidade, os “outros” que estão nas prescrições e ordens advindas dos órgãos do Governo. Em síntese, o que acontece no trabalho é sempre o resultado da tensão entre os “usos de si por si e pelos outros” que compõem a atividade.

Ao compreendermos que a atividade docente é também produtora de saberes e normas que orientam o trabalho cotidiano (Schwartz e Durrive, 2007), buscamos investigar como as/os professoras/es de Educação Física fazem “usos de si” na Educação Infantil e lidam com as prescrições curriculares desse nível de ensino. Nessa esteira, estabelecemos diálogo com Tardif (2014) e seu conceito de “saberes da experiência”, com o objetivo de complexificar as análises a partir das experiências carreadas nas trajetórias que os professores/as constroem ao longo da vida e que constituem a atividade docente.

Assim, para o espaço desse artigo, em um primeiro momento colocamos a atividade de trabalho dos docentes de Educação Física em análise, mostrando como essa é produtora de saberes que contribuem com a educação das crianças pequenas e com a própria história da Educação Física nesse nível de ensino. Em um segundo momento, discutimos como os docentes fazem “usos de si” para gerir o trato com as questões étnico-raciais, as quais mesmo que garantida pela Lei 10. 639, enfrenta muitos obstáculos e resistências ao serem ensinadas na Educação Infantil.

2. Metodologia

O estudo foi metodologicamente orientado pela perspectiva ergológica da Análise da Atividade (Schwartz, 2000; Schwartz e Durrive, 2007), que é uma abordagem do trabalho na qual se considera o “uso” que os profissionais fazem das normas, prescrições e valores para gerir as adversidades e conflitos inerentes ao trabalho. Yves Schwartz, o principal precursor da abordagem ergológica na França, é enfático ao nos dizer que a Ergologia não é uma disciplina no sentido de um novo domínio do saber, mas uma disciplina de pensamento. A disciplina ergológica é própria às atividades humanas, à vida vivente e distinta da disciplina epistêmica que, para produzir saber e conceito no campo das ciências “experimentais”, deve, ao contrário, neutralizar os aspectos históricos (Schwartz, 1998). Do ponto de vista ergológico, as histórias produzidas pelos trabalhadores na atividade podem se constituir nas alavancas que permitem transformar o trabalho.

Desse modo, o conceito de “usos de si”, elaborado por Schwartz e Durrive (2007), apresenta uma noção de gestão da atividade a partir do uso que cada sujeito faz de seu repertório pessoal de conhecimento. Para os autores, no trabalho há sempre o uso de um capital singular na medida em que as normas e as prescrições não são suficientes para que o trabalho aconteça. Nesse sentido, o trabalha também decorre da singularidade com que o sujeito exerce tal atividade com base nos “usos” de recursos próprios para gerir situações que não estão previstas nas regras pré-determinadas.

A fim de acompanhar a atividade docente de quatro professoras/es de Educação Física que atuam nos municípios de Cariacica, Serra, Vila Velha e Vitória, um de cada cidade, iniciamos o contato com as Secretarias Municipais de Educação com o objetivo de fazer um levantamento de interesse por partes das/os docentes. Assim, encaminhamos um formulário produzido na plataforma Google Forms para as/os professoras/es dessas redes com o total de 11 perguntas: dez de caráter fechado e uma aberta. Obtivemos 101 respostas: 73 de docentes do município de Cariacica, 7 de Serra, 14 de Vila Velha e 7 de Vitória.

Para dar prosseguimento ao estudo, entramos em contato, via e-mail, com aquelas/es professoras/es que, ao responderem ao formulário, sinalizaram o desejo de participar da próxima fase da pesquisa. Nesse sentido, 12 docentes manifestaram interesse em colaborar com entrevistas. Desses 12, um é docente da rede de Cariacica, três de Serra, um de Vila Velha e sete de Vitória. Todavia, dois docentes do município de Serra, um de Vila Velha e um de Vitória desistiram de seguir com suas participações.

Assim, no total, realizamos oito entrevistas semiestruturadas com as/os professoras/es de Educação Física que atuam na educação infantil na rede pública de ensino da Grande Vitória. Convém destacar que essas entrevistas foram realizadas de maneira online pela plataforma Google Meet. No que diz respeito ao roteiro de entrevista, este foi dividido em cinco blocos nos quais as/os participantes responderam às perguntas acerca de suas trajetórias pessoais, infância, formação inicial e continuada, trabalho na educação infantil e relações étnico-raciais.

Posteriormente, a fim de contar com um(a) docente de cada município, exceto Vila Velha, uma vez que a única pessoa que retornou nosso contato desistiu de participar da fase das entrevistas, tivemos que estabelecer alguns critérios para selecionar um(a) docente da rede municipal de Vitória. Para isso, estabelecemos como preceito o tempo de atuação na educação infantil e o trabalho efetivo com as relações étnico-raciais com base nas respostas obtidas no formulário e nas entrevistas.

Após esse filtro, tivemos como sujeitos, para a fase das análises, as narrativas de três professoras/es, um(a) de cada município (Vitória, Serra e Cariacica): uma mulher negra (que será identificada como Maria),3 uma mulher branca (que será denominada de Ana) e um homem negro (José).

3. Resultado e discussões

Os sujeitos participantes da pesquisa apresentaram características singulares e semelhantes em suas trajetórias. A professora Ana é mulher branca, mãe e cristã. Trabalha na rede municipal de Vitória há 15 anos e relatou como sua infância foi um momento marcante de sua vida, principalmente as experiências no ambiente escolar. A partir de um contexto de desestrutura familiar, a professora narra sua fase infantil como um período em que as brincadeiras de rua e na educação infantil foram vivências que agregaram valores culturais para sua vida. Esse cenário também é tido por Ana como uma fonte que inspira e sustenta sua escolha pela carreira docente e a trajetória como professora de crianças na educação infantil. Nesse sentido, a sua história de vida na infância e o fato de ser mãe são experiências às quais a professora recorre para planejar as aulas na educação infantil.

A professora Maria é uma mulher negra, umbandista e mãe. Atua na rede municipal de Serra. Ela relatou sua infância como um momento formativo durante a entrevista. Com parte dessa fase vivida no centro da cidade de Vitória/ES e a outra em Cuiabá/MS, a professora descreve sua infância como um momento feliz e de vivências com diversas brincadeiras que ainda fazem parte da sua vida. Além disso, na ênfase dada à formação em Serviço Social, a professora Maria retrata a importância do olhar como assistente social para tomar a decisão de cursar licenciatura em Educação Física e atuar como docente na educação infantil. Nesse sentido, Maria relata suas práticas exercidas no contexto da educação infantil de modo a proporcionar às crianças uma ampliação de suas vivências culturais, sobretudo com o ensino de conteúdos referentes às questões étnico-raciais.

O professor José, homem negro, pai e católico, docente da rede municipal de Cariacica, ao falar sobre a sua história de vida, elencou seu casamento, o nascimento da sua filha e sua formação profissional como os momentos mais marcantes da sua vida, além de também enfatizar momentos da infância, sobretudo as brincadeiras vivenciadas na rua do bairro Araçás, em Vila Velha/ES. Em relação à carreira profissional, a escolha do professor José em fazer Educação Física percorre sua trajetória de vida e as relações criadas com o esporte.

Essa identificação com as práticas corporais foi o principal motivo pela escolha da carreira docente. Entretanto, ser professor de crianças pequenas não estava nos seus planos iniciais. José relatou que a ida para a educação infantil não ocorreu por escolha, mas sim a partir da necessidade de entrar no mercado de trabalho e ter somente essa etapa da educação básica como opção à época do concurso, a partir de sua colocação. Assim, a identificação com a educação de crianças pequenas foi construída aos poucos, sobretudo com base na adaptação de suas experiências com o ensino fundamental e médio.

Após a leitura das transcrições das entrevistas, fizemos uma categorização dos dados a fim de estabelecer os pontos de semelhanças e desencontros entre as narrativas das/os professoras/es e os modos como cuidam do processo de ensino das crianças pequenas e suas relações com as propostas curriculares estabelecidas pelas Secretarias Municipais de Educação. Dessa forma, as categorias de análise construídas foram: “saberes curriculares e saberes da experiência na educação infantil” e “o trato com as relações étnico-raciais”.

3.1 Saberes curriculares e saberes da experiência infantil

A análise das prescrições oficiais que orientam a educação infantil das redes municipais de ensino nos municípios da Grande Vitória/ES indica um amadurecimento das ideias e debates que tem sido produzido acerca da presença de professoras/es de Educação Física nesse segmento educativo, sobretudo quando postas em comparação com o cenário das propostas curriculares de âmbito nacional.

Tal movimento representa um fortalecimento das visões que caminham na direção de enfatizar a importância da Educação Física na educação das crianças de zero a cinco anos, a partir de suas especificidades em relação ao trato com a educação do corpo e com a formação a partir das linguagens corporais.

Nessa esteira, entendemos que os documentos oficiais que visam a fornecer orientações curriculares para a educação infantil, ao introduzirem a Educação Física, produzem efeitos diversos nos modos de organizar e pensar essa etapa educativa, principalmente a partir do seu poder de exercer uma “verdade institucional” (Medeiros, 2017). Nesse ponto de vista, compreendemos ser possível questionar e tensionar as estruturas de autoridade que esses documentos exercem na prática docente das/os professores de Educação Física que atuam na educação infantil.

Contudo, convém destacar que, diante do distanciamento que as/os professoras/es apresentaram em relação às propostas curriculares do município em que atuam, essa questão se expressou de maneira bastante complexa.

Como se pode ver na sequência, narrar sobre os conhecimentos acerca desses documentos curriculares, com ênfase na parte específica de Educação Física, sobre a influência que eles produzem no trabalho pedagógico, não se apresentou como uma tarefa fácil para as/os professoras de Educação Física, tendo em vista que, quando solicitados a falar sobre as propostas curriculares oficiais dos seus municípios, elas/es disseram:

Então, a parte da Educação Física vem muito com a questão das brincadeiras, com a importância da cultura, importância dessa vivência, das crianças por meio das interações... Então, eu acho que é isso, a parte específica da Educação Física, ela traz muito isso. A questão das brincadeiras, dos jogos, das interações, desse aspecto lúdico, afetivo. Então assim, o documento da Secretaria de Educação é uma base. É um documento que a gente sabe que tem aqueles conteúdos, que tem que seguir mais ou menos aquelas diretrizes (Professora Ana).

Não, não conheço e foi uma coisa que ano passado, quando eu entrei na educação infantil, eu perguntei e eles simplesmente me jogaram os Parâmetros Curriculares (PCN´s) (Professora Maria).

Não conheço, vou ser bem sincero. Tudo que eu conheço foi passado por professores e pedagogos, mas eu acho que eu deveria ter mais conhecimento (Professor José).

Diante disso, percebemos que a forma como as/os professores narram sobre os documentos de seus municípios revela a pouca proximidade com tais orientações e, consequentemente, a baixa influência dessas diretrizes como elemento determinante para fundamentar a prática pedagógica. No caso da professora Ana, que relatou conhecer a proposta curricular do seu município, é possível perceber uma relação inicial com essa orientação na perspectiva de ser um ponto de partida para desenvolver o trabalho pedagógico de Educação Física com as crianças, mas não determinante.

Quanto à professora Maria, ela revela que, diante do não conhecimento da proposta curricular municipal, os Parâmetros Curriculares Nacionais foram sugeridos como alternativa para suprir essa lacuna. Por sua vez, o professor José demonstra total desconhecimento em relação à prescrição da Secretaria Municipal onde atua. No caso de Maria, é interessante frisar que seu contato foi com uma prescrição para o ensino fundamental, que sequer menciona ou dialoga com a educação infantil.

Assim, é preciso perceber os prejuízos acarretados no trabalho das/os professoras/es ao desconhecerem e, portanto, não interpretar as políticas educacionais oficiais de seus municípios, uma vez que perceber esse sentido de ordenamento “[...] que as prescrições oficiais trazem, é fundamental para o trabalho do professor que atua nas instituições de educação” (Moreira, 2012, p. 109).

Segundo Medeiros (2017), a necessidade do conhecimento das propostas curriculares está diretamente relacionada com os discursos e ideias presentes nessas prescrições, pois a contextura desse documento está carregada de uma série de conflitos epistemológicos, históricos, sociais, políticos e culturais, abrindo um leque para explorar o que está exterior ao texto. Logo, entender tais documentos significa se apropriar da sociedade em que se está inserido e do projeto político que tem orientado a educação da localidade em que se exerce o papel de professor/a na educação infantil.

Por outro lado, identificamos que, ao se distanciarem das propostas curriculares, as/os professoras/es falam sobre outros saberes e modos de agir nos quais se baseiam para ancorar suas práticas docentes na educação infantil. Assim, na esteira do que afirma Schwartz e Durrive (2007), é possível compreender que as/os professoras/es são pessoas que carregam consigo sonhos, valores, conhecimentos e saberes diversos que são construídos em suas trajetórias de vida e que, quando trabalham, fazem “usos de si” a partir de um capital pessoal (Schwartz e Durrive, 2007).

Nessa perspectiva, as/os docentes entrevistados argumentam:

Na escola, a gente tem nosso projeto específico da escola. A gente tem o projeto institucional e tem o projeto específico da escola... o que está mais íntimo e ligado ali na nossa prática cotidiana é o projeto institucional, é o projeto no ano, é projeto que a gente, enquanto professora, eu e a minha colega, a gente elabora. Então, a gente se baseia muito mais, muito íntimo com o nosso projeto mesmo, que a gente cria todo ano de acordo com a nossa realidade, de acordo com a realidade das nossas crianças, com a realidade da nossa escola, com o que é possível, com o que é viável ali (Professora Ana).

Olha só, eu sempre recorro aos Parâmetros Curriculares, sabe!...de Educação Física. É, assim, ‘minha bíblia’. Nos Parâmetros Curriculares, eu pego as questões relacionadas ao plano, eu pego o plano de ensino geral que disponibilizam na unidade de ensino e tento sempre trabalhar. E sempre trabalhar coletivo com Artes, com outro componente de linguagem, porque eu acho que a gente, na educação infantil, se a gente fizer tudo desassociado, fica mais trabalhoso e mais cansativo para o aluno. Então, a gente faz sempre de uma forma integrada. Eu penso assim (Professora Maria).

Da minha formação eu não trouxe nada para a educação infantil. Primeira coisa, eu já tinha trabalhado com educação fundamental nas séries iniciais, turma de primeiro e segundo ano, então eu pego algumas coisas e tento adaptar para crianças da educação infantil. Aí eu faço algumas pesquisas na internet. É o principal, mas eu tenho alguns livros também que eu utilizo bastante... E troca de experiências com alguns colegas, muitas brincadeiras... a gente trocando ideia. Alguns colegas mandam vídeos, mandam brincadeiras e daí que eu pego as atividades. Eu tento sempre adaptar ao meu espaço, à minha turma (Professor José).

A articulação de saberes com outros sujeitos que também atuam na educação infantil e a conexão com outras áreas para o desenvolvimento e compartilhamento de experiências coletivas emergem como um elemento comum nas três narrativas. Essa constatação nas falas das/os professoras/es toca em uma demanda considerada um dos maiores desafios para a atuação docente de Educação Física na educação infantil: a necessidade de um trabalho articulado.

Para Ayoub (2001), a Educação Física precisa se estabelecer de maneira pedagógica na primeira etapa da educação básica, a partir de um trabalho estruturado em parceria e sem hierarquização de saberes. Assim, as relações de trocas e partilha entre professoras/es de Educação Física e de outras áreas que compõem a educação infantil se tornam fontes para o desenvolvimento docente.

Conforme Tardif (2014), a prática docente integra diferentes saberes com os quais se mantêm diferentes relações. Para o autor, “[...] pode-se definir o saber docente como um saber plural, formado pela amálgama, mais ou menos coerentes, de saberes oriundos da formação profissional e de saberes disciplinares, curriculares e experienciais” (Tardif, 2014, p. 36). Desse modo, compreendemos que somente as dimensões prescritas não são suficientes para analisar como a Educação Física vem se organizando na educação infantil e que, com base nas narrativas das/os professoras/es, esses referenciais não têm efeitos expressivos na prática docente.

Pela narrativa dos/das professoras/es, especialmente a do professor José, parece que nem a formação inicial tem peso em suas escolhas pedagógicas. Assim, caminhamos no entendimento de que as/os docentes também desenvolvem em suas atividades maneiras singulares de cuidar do processo de ensino na educação das crianças pequenas com base em saberes que estão mais próximos da realidade cotidiana produzidos pelas/os próprias/os professoras/es.

Ressaltamos, todavia, que os saberes nunca são meramente individuais ou cientificamente prescritivos, pois são produzidos nos “encontros de encontros” (Schwartz e Durrive, 2007) de normas de todas as ordens que ocorrem na atividade humana em um movimento de trama-urdidura. Ou seja,

Em sua atividade, homens e mulheres, no trabalho, tecem. No lado da trama, os fios que os ligam a um processo técnico, as propriedades do material, as ferramentas ou os clientes, as políticas econômicas - eventualmente elaboradas em outro continente -, as regras formais, o controle de outras pessoas. Do lado da urdidura, é aqueles ligados à sua própria história, ao seu corpo que aprende e envelhece, a uma enorme quantidade de experiências de trabalho e de vida, a diversos grupos sociais que lhes proporcionam conhecimentos, valores, regras, com os quais compõem dia no dia seguinte; também ligados aos seus vizinhos, porque eles são uma fonte de energia e preocupações [...] (Daniellou, 1996 citado em Schwartz e Durrive, 2007, p. 104, grifos nossos).

Nessa perspectiva, ao cruzarmos a dinâmica da trama e urdidura proposta por Schwartz e Durrive (2007) com os saberes docentes apresentados por Tardif (2014), delimitamos os saberes curriculares ligados à formação inicial e aqueles expressos nas prescrições oficiais, do lado da trama; e os saberes experienciais construídos nas vivências profissionais e nas histórias de vida das/os professores, do lado da urdidura.

Desse modo, é possível entender como as/os docentes lidam, mesmo indiretamente, com as normas estabelecidas pelas legislações que regem a educação infantil, com os documentos das redes municipais de ensino e também como criam formas de inserir conhecimentos e fontes pessoais de saberes na maneira como estruturam os processos pedagógicos para a tematização da Educação Física nesse contexto educativo. Nesse processo, é nítido observar como os saberes experienciais adquirem destaque nas narrativas das/os professoras/es:

E a gente aprende muito também nas relações ali, o que outro está fazendo que está dando certo, o que o outro está achando que pode ser sugestão, o que as pedagogas sugerem, né? Vai sendo isso, misturado, digamos assim [...] às vezes você percebe a aula de uma professora que você fala: ‘Pô, se eu fizer desse outro jeito, se eu pegar essa brincadeira, esse jogo que ela usou para ensinar Matemática, por exemplo, se eu fizer isso para fazer tal coisa na Educação Física, vai ser legal’. Então, fica mais ou menos assim. Hoje eu percebo que é como se fosse uma pesquisa no cotidiano o tempo todo, sabe? No cotidiano ali, o que dá certo, o que não dá, o que é possível, o que não é. É mais ou menos isso. E tudo vira fonte (Professora Ana).

No relato da professora Ana, fica evidente como os conhecimentos adquiridos na prática docente, ou seja, saberes provenientes da atividade, exercem uma forte influência no fazer pedagógico. Para Tardif (2014), diante da impossibilidade de dominar e desenvolver os saberes curriculares, disciplinares e da formação profissional no trabalho, as/os docentes produzem ou tentam produzir saberes a partir daquilo que dominam e compreendem, afastando-se dos conhecimentos adquiridos na sua área acadêmica e profissional. Dessa forma, inferimos que, na falta de uma política de formação continuada que possibilite uma relação mais íntima das/os professores com as prescrições curriculares das redes municipais de ensino, os referenciais práticos do cotidiano assumem maior relevância na atuação docente.

Ainda assim, é importante salientar que os saberes experienciais não estão contidos somente na formação cotidiana que as/os professoras/es obtém a partir do exercício da prática. Para Tardif (2014, p. 72), “[...] os saberes experienciais, longe de serem unicamente baseados no trabalho em sala de aula, decorreriam em grande parte de preconcepções de ensino e aprendizagem herdadas da história escolar”. Em nossa pesquisa, corroboramos a ideia do autor ao identificarmos que as trajetórias de vida das/os professoras/es, sobretudo suas infâncias e as relações com as brincadeiras, se tornam fontes de referência no trabalho que desenvolvem com as crianças pequenas da educação infantil.

A professora Maria, ao falar sobre suas experiências na infância, diz que elas compõem uma memória afetiva e fonte de saberes importantes para pensar e agir no trabalho:

É que essa Maria criança, ela dá direções para essa Maria professora. Eu as vezes, quando vou fazer uma atividade e eu vejo um comportamento do meu aluno, às vezes me dá insight daquela Maria que estava fazendo aquele tipo de comportamento. Então, assim, eu começo a refletir como aquela Maria criança agia dentro daquela vivência e tento traçar um paralelo até para me aperfeiçoar. Então eu acho que a Maria criança, ela que dá o norte das possibilidades de intervenção. Acho que dá aquela capacidade de eu imaginar, de eu criar, de eu remodelar, de eu adaptar, de eu melhorar uma prática que eu já vivi para poder utilizar com essas crianças no aprendizado delas.

De modo similar, a professora Ana também aponta a infância como uma etapa formadora de sua vida:

Eu acho que a infância, pegando uma somatória de tudo, trouxe pra mim enquanto professora, enquanto ser humano, uma possibilidade de crescimento de tudo aquilo que eu vivi. Enquanto professora, a questão da sensibilidade no olhar, a questão da importância das coisas simples, que às vezes a gente acha que uma brincadeira de queimada é sem significado, é sem relevância, não vai levar a nada e tal, mas não! Como eu vivenciei uma coisa muito bonita na escola, na infância, eu acho que eu levo isso, eu trago isso, a sutileza das pequenas coisas, assim... que são ricas, de às vezes você está no cotidiano da escola [...] então, essa sensibilidade... então a infância, enquanto professora, me trouxe essa sensibilidade, que eu acho que tem um valor muito grande.

As narrativas dessas professoras evidenciam como suas trajetórias de vida representam fontes capazes de fornecer elementos que contribuem para o trabalho docente. Tanto a professora Ana, quanto a professora Maria relatam que as vivências da infância com brincadeiras e com o ambiente escolar adquirem significados capazes de oferecer subsídios para pensar modos de desenvolver os conteúdos das aulas de Educação Física com as crianças. Assim, as vivências pré-profissionais também são saberes representativos entre aqueles capazes de delinear o “saber ensinar” e “aprender docente” e, no caso específico de professoras/es de Educação Física, as experiências com a cultura corporal, sobretudo os jogos e brincadeiras vividos na infância são ressignificados e reelaborados no exercício profissional.

Em sua obra, Tardif (2014) apresenta estudos que demonstram que grande parte do que as/os professoras/es sabem sobre ensino é derivado de suas próprias histórias de vida e que as pesquisas referentes a essas histórias, bem como aquelas que se preocupam com a socialização pré-profissional defendem que a prática docente aponta conhecimentos que são anteriores à preparação profissional formal, mostrando que há muito mais continuidades do que “[...] rupturas entre o conhecimento profissional do professor e as experiências pré-profissionais, especialmente aquelas que marcam a socialização primária (família e ambiente de vida), assim como a socialização escolar enquanto aluno” (p. 72).

Dessa forma, as trajetórias de vida das/os professoras/es participantes da pesquisa apresentaram-se como um elemento e aporte basal que exerce forte interferência nos modos de exercer a profissão docente, produzido nas demandas concretas exigidas pela rotina educacional.

Tal constatação nos leva a compreender que considerar essas histórias e saberes, tanto na formação inicial acadêmica quanto nos processos de formação continuada, pode ser uma importante estratégia que auxilie os/as docentes a refletirem sobre as culturas e valores pelos quais foram formados via práticas corporais na infância, e não meramente os reproduzam desvinculados do debate pedagógico e do papel da educação infantil na sociedade democrática. Ao mesmo tempo em que consideramos fundamental o reconhecimento das trajetórias de vida na formação e atuação docente, reconhecemos que essa precisa ser constantemente tensionada, ressignificada criticamente para que não desemboque em uma prática reprodutiva.

Se é verdade que os saberes da experiência se constituem em potentes normas que orientam a atividade docente na Educação Infantil, é necessário que tais saberes sejam trazidos ao coletivo e à reflexão crítica, uma vez que as experiências vividas nas trajetórias familiares e escolares, ambas instituições gestadas na tradição da modernidade, podem por vezes carregar preconceitos que, consciente ou inconscientemente, perpetuam-se na prática profissional.

Nesses termos, a Ergologia nos ensina que não é porque se trabalha que se é “bonzinho”, “gentil”. Ou seja, do mesmo modo que se coloca a importância de analisar os valores embutidos nas prescrições, inversamente, há momentos em que os valores próprios dos sujeitos, aqueles presentes nas renormatizações que ocorrem na atividade, são incômodos, irresponsáveis, discutíveis (Schwartz, 2011). Isso nos indica que mesmo as relações mais engenhosas “[...] essenciais à eficácia e saúde nas organizações, podem, em certos casos, se comportar como excludentes, e até sustentar práticas de assédio no trabalho” (Schwartz, 2011, p. 151).

Essa ponderação ergológica é muito importante e nos orienta a não cairmos em ativismos e em um “tudo vale” meramente por se tratar de valores investidos na atividade. Nesse sentido, Schwartz (2011) esclarece que a questão não é dissolver as normas que antecedem o trabalho em rosários de normas locais, mais ou menos compatíveis, resultantes exclusivamente das renormatizações na atividade, o que seria uma verdadeira “cacofonia ergológica”. Para o autor, a “questão é interrogar os saberes e as escolhas confeccionadas nessas renormatizações, na medida em que eles têm, todos, uma parte de pertinência ligada ao que as normas antecedentes não poderiam antecipar” (Schwartz, 2011, p. 151).

3.2 O trato com as questões étnico-raiciais

A Lei n°10.639/03, que altera a LDB nº 9.394/1996, incluindo os arts. 26-A e 79-B, torna obrigatório o ensino da história e da cultura afro-brasileira e africana na educação básica brasileira. Santos (2005), ao mostrar o percurso histórico da luta do movimento negro, evidencia que essa era uma demanda que estava sendo construída desde o século XX, mas que só teve sua consolidação prática no início dos anos 2000. Segundo ele, ao perceber a produção e a reprodução do racismo no sistema escolar, o movimento negro passou a reivindicar ao Estado brasileiro a obrigatoriedade do ensino da cultura e da história afro-brasileira.

Apesar dessa conquista histórica, que objetiva a democratização do ensino e contribui para a educação brasileira, somente a legislação não é suficiente para garantir que as relações étnico-raciais estejam presentes no cotidiano educacional brasileiro. Além disso, conforme observamos, há um importante distanciamento entre as legislações e as propostas curriculares e o cotidiano de trabalho vivido pelos/as docentes. Em relação ao conhecimento específico de saberes para o trabalho com conteúdo atrelado às questões étnico-raciais na educação infantil, as/os professoras/es relatam:

Eu conheço muito pouco, muito pouco. Eu conheço a lei que rege [as questões étnico-raciais e de linguagem afro-brasileira], mas eu não tenho muito contato, eu não busco mesmo. É uma limitação mesmo, eu não procuro mesmo. Eu tento trabalhar o respeito em relação às diferenças com as crianças, mas não especificamente. Eu não leio, eu não procuro artigos que falem sobre isso. É uma limitação minha enquanto professora (Professora Ana).

Olha, conhecer a gente conhece. É aquela velha coisa que a gente precisa conquistar. Geralmente quem tem conhecimento desses dispositivos são os professores mais sensíveis e os militantes. Eu acho que a primeira coisa é que tinha que ter uma sensibilização de toda a equipe docente. Todos, todos, todos sobre o porquê que foi feita tal legislação. Porque eu já ouvi algumas citações dizendo que isso daí é desnecessário porque não existe essa questão racial. Se não existisse, não tinha por que ter a lei, né? (Professora Maria).

Conheço em partes, eu não me aprofundei. Mas o que eu conheço é o que já foi discutido apenas dentro das escolas. Eu nunca peguei, assim, para ler mesmo. As partes que eu peguei mesmo para ler, para estudar, foram as partes específicas: “Ah, vamos fazer um trabalho desse” (Professor José).

Ao analisarmos as falas das/os professoras/es, constatamos que, mesmo que a Lei n°10.630/03 tenha um caráter obrigatório, tendo que ser abordada na educação básica, ela não é de conhecimento profundo e minucioso por parte das/os professoras/es. Esse fator, ainda que não seja determinante para inferir que as/os docentes não trabalham com os conhecimentos afro-brasileiros e africanos no processo de ensino, revela as possíveis dificuldades para que esses conteúdos façam parte dos currículos do cotidiano educacional.

Alinhando a isso, Gomes (2019) observa que existe uma resistência entre as/os profissionais que atuam na educação infantil em perceber como as crianças, mesmo na tênue idade, já nutrem os estereótipos raciais a partir das relações consigo, com os adultos e com as normas sociais. Essa dificuldade em perceber como as questões raciais perpassam o dia a dia do ambiente dos Centros de Educação Infantil (CMEIs) também fica evidente na fala das/os professoras/es:

As crianças, as menininhas, elas trazem muito essa questão do cabelo: “Meu cabelo está desarrumado”. Às vezes, porque o cabelo é crespo. Então, no decorrer do dia, ele está mais desarrumadinho, então elas trazem muito isso. É muito essa questão do respeito às diferenças. Eu vejo também muito a questão do gênero. A questão do gênero na educação infantil às vezes fica mais vibrante do que a questão da diferença étnico-racial, pelo menos na minha realidade... Não sei se é porque é todo mundo mais ou menos. Digamos, é..., não tem, não tem muito [preconceito/racismo]. Eu não percebo, gente, para ser sincera. Não percebo tanto essa questão. Não percebo, por exemplo, preconceito entre as crianças. Dos adultos eu percebo sim, né? (Professora Ana).

Eu já vi, assim, de não querer dar a mão. Já vi outra não querer sentar do lado. Às vezes eu começo a aula, coloco eles sentando e: ‘Ah não, não vou sentar aqui’! Não quis sentar. Mas é criança. É o que eu falo, a criança ela não tem noção. Já vi uma criança não querer dar a mão a outra, não sei se por causa da raça, da cor da pele, mas eu acho que a criança em si ela não tem preconceito (Professor José).

Conforme Almeida (2019), o racismo está ligado a uma forma sistemática de discriminação que tem como base a diferença racial, alcançando uma maneira de estruturar as relações sociais. Desse modo, o racismo nem sempre se manifesta de forma direta e verbal, mas também se evidencia “[...] por meio de práticas conscientes ou inconscientes que culminam em vantagens ou privilégios para indivíduos, a depender do grupo racial a qual pertençam” (Almeida, 2019, p. 32).

Essa ideia nos ajuda na compreensão das razões pelas quais, mesmo relatando situações em que o cabelo crespo e a cor de pele aparecem como um dilema nas relações do cotidiano da educação infantil, as/os professoras/es não identificam como as desigualdades raciais perpassam a vida das crianças. O modo pelo qual os estereótipos raciais e suas hierarquizações compõem o cotidiano social nem sempre é acompanhado de verbalizações e discriminações perceptíveis. No caso dos dois depoimentos acima, é possível observar como existem sutilezas ligadas ao cognitivo das crianças que lhes conferem tratamentos diferenciados com base nos traços raciais, como se recusar a dar a mão ou sentar ao lado de uma criança negra.

No bojo dos debates acerca da educação para as relações étnico-raciais, a questão estética e corpórea negra ganha destaque. Conforme Gomes (2017, p. 78), isso acontece pois é na relação entre o corpo e seus traços físicos que os sujeitos negros experimentam o mundo e a forma como o racismo transforma suas identidades em algo exótico e inferior, atingindo todo o imaginário da sociedade brasileira, “[...] e dessa forma afetam o discurso e a prática pedagógica, desde os manuais didáticos até a relação pedagógica na sala de aula e com o conhecimento”.

Assim, entendemos que, na medida em que as crianças estabelecem relações com o mundo, elas já conseguem incorporar e reproduzir os imaginários criados em torno de pessoas negras, estruturando e hierarquizando o convívio entre si no cotidiano da educação infantil com base na raça a partir de comportamentos, como se negar a sentar ou segurar a mão de uma criança negra ou apresentar rejeição ao cabelo crespo.

Gomes (2003), ao pesquisar o processo da construção da identidade de pessoas negras por meio do reconhecimento do corpo e do cabelo, observa que esse percurso é consolidado em diversos espaços de socialização, inclusive a escola. Infelizmente, nos depoimentos coletados pela autora, o ambiente escolar é lembrado pelos depoentes como um lugar no qual pessoas negras e suas estéticas foram reforçadas de maneira negativa.

É a partir dessa reflexão que indagamos: como as subjetividades das crianças negras que estão nas instituições de educação infantil têm sido construídas? Como a aula de Educação Física participa dessa construção de subjetividade das crianças? Além disso, também é necessário questionar: como culturas e saberes historicamente invisibilizados, como afro-brasileiros, indígenas e africanos, são tematizados nas instituições de educação brasileiras e, especificamente, pela EF na educação infantil?

Aos nos guiarmos por essas questões, indagamos as/os professoras/es acerca do trabalho pedagógico com esses conteúdos nas aulas de EF das crianças pequenas.

Trabalho, mas não é um trabalho muito vivo, para ser sincera, sistemático, com esse objetivo. Trabalho por meio de histórias, trabalho por meio do respeito ao próximo, das diferenças. Trabalho, mas não especificamente! Infelizmente não é uma coisa que eu trabalho com muita intensidade, não. Ele surge, esse conteúdo, o tema, ele surge nas entrelinhas do trabalho, né? (Professora Ana).

Sobre os elementos que eu trabalho, eu gosto muito de trabalhar a questão das brincadeiras, porque tem muitas atividades circulares que dá para você fazer, porque as pessoas só lembram de capoeira, mas não é só capoeira que dá para trabalhar. Amarelinha é uma brincadeira africana, tem os jogos com os tambores, a parte de percussão também faz parte do legado africano, o pau-de-cebo na época de São João, maculelê (Professora Maria).

Na verdade, assim, eu acho que é um tema muito complicado de se trabalhar, porque, não pelas crianças, mas por algumas situações que eu já vi de algumas pessoas, familiares que não aceitam. Então, quando eu vejo alguma questão, eu tento explicar a eles: parar, fazer brincadeiras que envolvam isso, né? Que envolvam essas questões, conversar (Professor José).

As narrativas apresentadas corroboram um entendimento do lugar que as relações étnico-raciais ocupam no cotidiano da educação brasileira, sobretudo na educação infantil. Entre as pessoas participantes desta pesquisa, somente uma, a professora Maria, indica uma aproximação com a Lei n°10639/03 e um trabalho mais sistematizado com os conteúdos afro-brasileiros e africanos nas aulas de Educação Física, enfatizando saberes corporais historicamente construídos pela população negra. Ao contrário disso, as/os demais alegaram não conhecer os referenciais e legislações que respaldam o trabalho pedagógico com essa temática, além de não tematizarem, de maneira sólida, esses saberes em suas aulas com as crianças pequenas na educação infantil.

Nesse sentido, é plausível destacar como o conhecimento e a incorporação dos referenciais para o ensino das relações étnico-raciais pelos/as docentes são essenciais, dentre outros, para que esses conteúdos sejam trabalhados de forma mais efetiva no cotidiano educacional. Ao compreendermos que uma educação antirracista só pode se efetivar no plano estrutural (uma vez que o racismo é estrutural), destacamos que o conhecimento e a incorporação dos referenciais relativos às questões étnico-raciais não podem ficar meramente a cargo da decisão de indivíduos docentes adotá-los ou não, mas devem se constituir como elemento basal das políticas de formação continuada de professores das redes municipais e dos currículos das licenciaturas dos cursos universitários de Educação Física.

4. Conclusão

Ao explorarmos as narrativas de três professoras/es que atuam na educação de crianças pequenas, inferimos que as propostas curriculares municipais para a educação infantil não têm representado um fator determinante para alicerçar o trabalho docente desses sujeitos no cotidiano educacional. Uma das razões por nós identificada para que isso ocorra é o incipiente conhecimento e a não incorporação pelos docentes das propostas curriculares municipais.

Dessa forma, o distanciamento dos docentes dessas prescrições apresenta relações diretas com o fraco investimento por parte das municipalidades na formação continuada das/os professoras/es sobre suas próprias propostas curriculares e sobre o tema do racismo. Ao contrário disso, são os saberes experienciais, construídos a partir da prática docente, e as trajetórias de vida, sobretudo a própria infância, que aparecem entre as principais fontes às quais as/os professoras/es relatam recorrer para gerir as adversidades da atividade profissional.

Ao investigarmos o modo como os conteúdos referentes às relações étnico-raciais adentram a rotina pedagógica das instituições de educação infantil e o trato que professoras/es de Educação Física dão às linguagens corporais afro-brasileiras e africanas, constatamos que apenas uma professora afirma tematizar esses conteúdos em sua prática pedagógica. Os demais revelaram uma dificuldade em estruturar um trabalho com esses conteúdos, tendo sua intervenção limitada às ações cotidianas de discriminação racial entre as crianças.

Assim, ainda que não possamos fazer uma relação direta entre o conhecimento da lei e das prescrições curriculares com a prática profissional das/os docentes entrevistadas/os, no que se refere ao trabalho com a temática étnico-racial na educação infantil, a docente que afirma estruturar uma prática é a mesma que demonstra certo conhecimento das referidas prescrições e contato com elas.

De maneira não coincidente, a mesma docente é negra e apresenta em sua história de vida forte relações com a cultura negra e com as religiões de origem africana. Ou seja, a aproximação com os referenciais de cunho étnico-racial parece guardar relações também com as histórias de vida docente, as quais podem tanto possibilitar a incorporação das prescrições como bloqueá-las. De todo modo, é necessário explorar/estudar mais as relações entre a incorporação das prescrições de cunho étnicorracial e as trajetórias de vida dos/das docentes, considerando suas relações sociais com as religiões de matrizes africanas e não africanas, bem como com a cultura da branquitude e dos movimentos negros.

Diante das nuanças deixadas pelos saberes curriculares e pelos saberes profissionais, a prática docente, em sua característica dinâmica, e os saberes de experiência têm fornecido as principais orientações para o trabalho da Educação Física com as crianças pequenas que estão na educação infantil. Porém, essa prática estruturada fortemente em torno dos saberes da experiência, sem o devido tensionamento e reflexão teórico-conceitual sobre infância, educação infantil e Educação Física, pode desembocar em processos de reprodução social, deixando à margem a tematização de conhecimentos relacionados com as questões étnico-raciais, o que corrobora a perpetuação do preconceito e a discriminação racial entre as crianças.

Por fim, consideramos que, sem a reflexão crítica dessas vivências, há possibilidade de os sujeitos pouco indagarem a constituição do cotidiano ou questionar o passado. A tradição e o vivido se deslocam para o contemporâneo como uma repetição, trazendo à tona uma história escrita pelo homem branco e por uma sociedade colonizadora, mas, como nos lembra Mitrovitch (2011, p. 68), “A fim de ter os tesouros da tradição nas mãos, é preciso tomá-los da garra do vencedor. Contra o mito da marcha triunfal do progresso e contra a imobilização vazia do historicismo”

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Notas

1A Grande Vitória/ES, região metropolitana do Estado do Espírito Santo, é formada pelos municípios de Cariacica, Fundão, Guarapari, Serra, Viana, Vila Velha e Vitória.

2Altera a Lei n°9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e cultura afro-brasileira” e dá outras providências.

3Todos os nomes próprios são fictícios e foram utilizados para preservar a identidade dos sujeitos.

Recibido: 14 de Junio de 2022; Aprobado: 30 de Septiembre de 2022

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