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Relaciones internacionales

versão On-line ISSN 2314-2766

Relac. int. vol.26 no.52 La Plata jun. 2017

 

ESTUDIOS

A Política Externa Japonesa para a África, o Discurso de Segurança Humana e a Relação com o Sudão do Sul1 2 Japanese Foreign Policy for Africa, the Human Security Speech and the Relationship with South Sudan

Alexandre Cesar Cunha Leite3, Aline Chianca Dantas4, Jeane Silva de Freitas5


Resumen: Este estudio analiza la importancia estratégica de África para Japón y viceversa, teniendo en cuenta la pertinencia del discurso de seguridad humana para el sustento de la relación entre el Estado japonés y el continente africano. Inicialmente, se lleva a cabo un recorte histórico sobre las relaciones entre Japón y África; a continuación, son observadas las características de la política exterior japonesa para el continente africano y, finalmente se evaluará, la efectividad del discurso de seguridad humana japonés como elemento de la política exterior frente a los intereses imperialistas. Por lo tanto, el caso de Sudán del Sur es utilizado en el sentido de ratificar la actuación japonesa en África, la importancia de las Fuerzas de Autodefensa de ese país en la región y el discurso de seguridad humana, además de intentar percibir las fragilidades en esa relación.

Palabras-clave: Política exterior japonesa; África, Sudán del Sur; Seguridad Humana.

Resumo: Este estudo analisa a importância estratégica da África para o Japão e vice-versa, considerando a relevância do discurso de segurança humana na manutenção da relação entre o Estado japonês e o continente africano. Inicialmente, realiza-se um recorte histórico sobre as interligações entre o Japão e a África; posteriormente, observam-se as características da política externa japonesa para o continente africano e, por fim, avalia-se a efetividade do discurso de segurança humana japonês enquanto elemento de política externa diante dos interesses imperialistas. Portanto, o caso do Sudão do Sul é utilizado no sentido de ratificar a atuação japonesa na África, a importância das Forças de Autodefesa na região e o discurso de segurança humana, além de tentar perceber as fragilidades nessa relação.

Palavras-chave: Política externa japonesa; África; Sudão do Sul; Segurança humana.

Abstract: This study analyzes the strategic importance of Africa to Japan and vice versa, considering the relevance of the discourse of human security in the maintenance of the relationship between the japanese state and the african continent. In this sense, initially, it is realized a historical review on the linkages between Japan and Africa; later, are observed the characteristics of Japan's foreign policy toward Africa, and, finally it is evaluated the effectiveness of the human security discourse as an element of foreign policy against the imperialists interests. Therefore, the case of South Sudan is used to ratify the Japanese operations in Africa, the importance of the Self-Defense Forces in the region and the discourse of human security, as well as trying to understand the weaknesses in this relationship.

Keywords: Japanese Foreign Policy, Africa, South Sudan, Human Security.

1 Os autores agradecem os comentários de Paulo Roberto Loyolla Kuhlmann (PPGRI/UEPB), os quais contribuíram para a qualidade do artigo. Agradecem também aos comentários dos pareceristas anônimos. Todas as assertivas e posicionamentos presentes no texto são, como de praxe, de responsabilidade dos autores. Por fim, agradecem às agências de fomento à pesquisa CAPES e CNPq.

2 Recibido: 14/07/2016 – Aprobado: 18/04/2017

3 Profesor del Posgrado en Relaciones Internacionales, Universidad Estatal de Paraíba (PPGRI / UEPB) y del Programa de Posgrado en Gestión Pública y Cooperación Internacional de la Universidad Federal de Paraíba - (PGPCI / UFPB). Coordinador del Grupo de Estudios e Investigación en Asia y el Pacífico (GEPAP / UEPB / CNPq) 4 Doctoranda en Relaciones Internacionales de la Universidad de Brasilia (UNB). Master en Relaciones Internacionales - Programa de Estudios de Posgrado en Relaciones Internacionales de la Universidad del Estado de Paraíba - PPGRI / UEPB. 5 Doctoranda en Ciencias Políticas de la Universidad Federal de Pernambuco (UFPE). Master en Relaciones Internacionales - Programa de Estudios de Posgrado en Relaciones Internacionales de la Universidad del Estado de Paraíba - (PPGRI / UEPB).


1. Introdução

O presente estudo busca compreender a dinâmica das relações entre o Japão e a África, considerando as interações históricas e conjunturais atuais entre o referido país e o continente africano, observando-se a política externa japonesa focada na ajuda oficial ao desenvolvimento, ao discurso de segurança humana e, sobretudo, na atuação das Forças de Autodefesa Japonesa enquanto elemento de política externa para a África. Nesse ponto, utilizar-se-á o caso prático do Sudão do Sul como forma de ratificar a tese elencada em torno da atuação japonesa para essa região, no pós-Segunda Guerra Mundial. A fim de ampliar essa análise, discutem-se as conexões entre a política externa japonesa e o continente africano, em termos gerais, sem considerar as especificidades das relações entre cada Estado do continente com o Japão, mas ao mesmo tempo, tentando mostrar alguns elementos principais dessa política externa japonesa para a África e, assim, perceber em que parâmetros essa relação se estabelece e os interesses que as ligam. Nesse sentido, no primeiro momento, será feito um apanhado histórico das imbricações entre o Japão e a África, considerando o período posterior à Segunda Guerra Mundial; em seguida, observar-se-á como a política externa japonesa voltada para o continente supracitado encontra-se dentro de uma linha atual de política exterior pautada na presença mais ativa do Japão no meio internacional, buscando a promoção da paz, a difusão do discurso de segurança humana e a cooperação econômica e política. Por fim, será desenvolvido um debate sobre o discurso de segurança humana, enquanto elemento da política externa japonesa, com objetivo de avaliar o conceito e sua efetividade diante dos interesses imperialistas pelos quais a África foi afetada. Assim, questiona-se no tópico em questão: os interesses japoneses no continente têm pretensões imperialistas e o discurso de segurança humana vem sendo um instrumento para isso, pautado na retórica, a fim de reforçar a ideia pró-desenvolvimento quando, na verdade, o que está em jogo são as relações de poder imersas nesse discurso? Dentro dessa discussão, serão pensados brevemente os interesses europeus, estadunidenses e chineses na África, com fulcro de comparar com a atuação japonesa no respectivo continente. Após esses delineamentos, passar-se-á, no último tópico, a utilizar o Sudão do Sul como um caso prático na análise da relação entre Japão e África, refletindo os pontos depreendidos ao longo do trabalho à luz dessa situação concreta. O Sudão do Sul foi escolhido para essa análise, por ser uma região na qual o Japão vem tendo uma participação ativa para promoção da paz, inclusive, juntamente com a Somália, representando as características da nova atuação na África por parte do Japão, a qual vem ocorrendo não apenas por meio de ajuda financeira, mas também, através do envio de pessoal.

2. A política externa japonesa para a África

Depois do momento imperialista japonês e sua derrota na Segunda Guerra Mundial, o Japão passou a ser controlado pelos EUA, inclusive, sendo criada uma Constituição aos moldes democráticos estadunidenses. Nesse sentido, foram incluídas limitações constitucionais segundo as quais o uso da força para qualquer fim que não fosse o da defesa do país seria proibido. Dessa forma, o Japão passou a se focar no desenvolvimento econômico, especialmente após o fim do domínio estadunidense sobre o território japonês, embora o acordo de segurança mútua entre os dois países persista até hoje, assim como bases militares estadunidenses naquela região (LUMUMBA-KASONGO, 2010). Por conseguinte, em 1960, o Japão tornou-se a segunda maior economia do mundo (HENSHALL apud LUMUMBA-KASONGO, 2010: 23). Em 1989, ultrapassou os EUA em termos de ajuda econômica ao desenvolvimento e, desde então, o Estado japonês passou a ter um papel relevante dentro da África. Assim, o crescimento africano acumulado através da ajuda japonesa tornou-se maior que o proporcionado pelo auxílio de nações como os EUA, o Reino Unido, a França, a Alemanha ou outros países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) entre os anos de 1984 e 1998 (LUMUMBA-KASONGO, 2010). A partir de 2008, segundo Lumumba-Kasongo (2010), o Japão virou a maior nação doadora da OCDE e isso se tornou possível mediante a atuação da Agência de Cooperação Internacional Japonesa (JICA) e do Banco Japonês de Cooperação Internacional (JBIC) (LUMUMBA-KASONGO, 2010). Conforme Lumumba-Kasongo (2010: 30), a relação japonesa com a África começou a se fortalecer e se tornar um elemento extremadamente importante após a Conferência de Bandung em 1955 e, especialmente, a partir de 1970, reforçada pelo surgimento de movimentos pacifistas dentro do Japão que levaram a questionar o país e suas atuações.
O primeiro deles participou da mesma como convidado, mas também, por pressão dos EUA, pois não se coadunava com a ideologia do evento, tendo em vista sua necessária conexão com o capitalismo (LUMUMBA-KASONGO, 2010:67). O Japão aceitou participar da referida conferência e discutir uma nova Ásia e África, isso refletiu numa maior atuação do Estado japonês na Ásia, mas na África os efeitos não foram significativos, em virtude de que muitos países estavam sob o domínio dos colonizadores na década de 1950. Nesses termos, observa-se que a relação japonesa com a África começou através da África do Sul, no entanto, a necessidade de trabalhar política e economicamente nas relações internacionais fez o Japão ampliar os laços com a mesma (LUMUMBA-KASONGO, 2010: 67, 72 e 75). Nesse sentido, Lumumba-Kasongo (2010: 30) aponta que a redefinição de poder pelo Japão e a necessidade de desenvolvimento africano interconectam-se, sendo possível uma relação de ganhos mútuos entre ambos por meio da cooperação. No entanto, como expressa o autor supracitado, entre 1960 e 1990, a relação com a África refletia as dinâmicas da luta internacional de poder entre Leste e Oeste, ou seja, a lógica da Guerra Fria. Por outro lado, a partir de 1990, o Japão passou a ter uma orientação política diferente na assistência fornecida à África, buscando diversificar suas relações e se tornar mais visível pelas preocupações com o Estado japonês, mas também com os países africanos e suas populações (LUMUMBA-KASONGO, 2010: 54).
Essa abordagem trazida pelo autor é bastante compreensível quando se pensa que o crescimento do discurso de segurança humana dentro do Japão ocorreu justamente nesse período, ligando ao país asiático às pretensões a ele embutidas de se tornar um poder civil global, ou seja, ter um papel de relevância e liderança no cenário internacional, mantendo o caráter pacifista. Conforme Lumumba- Kasongo (2010: 56), o Japão se tornou desde 1990, o primeiro entre os países industriais a fornecer assistência oficial ao desenvolvimento da África e esse é um dado que questiona as intenções japonesas no continente africano, como será discutido em momento oportuno. Pensando a política externa japonesa atual para a África, observa-se que o Japão vem se preocupando com as necessidades econômicas e sociais daquela, a fim de manter uma relação mais duradoura com a região. Assim, tem pensado nas especificidades econômicas da África, na promoção de qualidade nas condições políticas nacionais e sociais, bem como objetiva um crescimento econômico sem uso do imperialismo. Além disso, a ausência de força militar no Japão também é um elemento que o une à África (LUMUMBA-KASONGO, 2010: 234). Os motivos japoneses para essa nova forma de ver o continente africano podem estar ligados com a percepção do país da necessidade de remodelar as relações com os Estados africanos a fim de melhor se inserir no referido continente e esses interesses serão mais discutidos no decorrer do trabalho. O Japão desde 1980 começou a se perceber como um novo ator com abordagens diferentes nas relações internacionais, nesse sentido, explica-se a aproximação com a África e, a partir de 1990, a preocupação com a diversificação da Assistência Oficial ao Desenvolvimento (ODA).
Além disso, o surgimento dos fóruns nipo-africanos (Conferência Internacional de Tóquio sobre Desenvolvimento Africano - TICAD), visando a novas interpretações das relações internacionais vem sendo relevantes na construção da relação de amizade entre Japão e África. Nesses termos, fala-se em uma interpretação do capitalismo mais flexível, competitiva e horizontal por parte do Japão, refletindo nos seguintes princípios norteadores da relação entre os dois: autoajuda, autoconfiança, cooperação, parceria e propriedades (LUMUMBA-KASONGO, 2010). Diante do exposto, por meio de uma congregação de ideias de diversos autores, Raposo e Potter (2010) reforçam a discussão já desenvolvida e apresentam cinco fases da ajuda japonesa:  1954-1972: ajuda restritiva para a África até 1960, pois o foco se encontrava voltado para a Ásia. No entanto, a Conferência de Bandung fez o Japão despertar para a importância da relação afro-asiática;  1973-1980: com a crise do petróleo de 1973, o Japão visualizou a necessidade de expandir suas relações para além da Ásia, com fulcro de evitar uma dependência;  1981-1988: Japão desenvolveu uma diplomacia dual, por meio da qual deu suporte aos países africanos em crise econômica com o objetivo de reciclar os laços comerciais com a África;  1989-2000: com o fim da Guerra Fria, aprimoram-se as relações com a África por meio das conferências para a região e se percebeu uma tentativa de harmonizar as políticas direcionadas à África;  2001-2010: o Japão buscou a promoção da paz, o desenvolvimento e a segurança humana para a África, renovando e reformulando suas políticas na região, a fim de estabelecer laços mais duradouros. Desse modo, apesar da distância cultural existente entre o Japão e os países africanos (LUMUMBA-KASONGO, 2010), as relações entre esses Estados vêm sendo aprimoradas e fortalecidas. Como se pode depreender dos panoramas da política externa japonesa publicados pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros do Japão em 2009 e 2010, os quais apontam o papel do Japão enquanto relevante dentro da comunidade internacional, no sentido de ajudar a África a superar problemas financeiros, sociais e políticos graves.
Ademais, no relatório de 2010 foram citadas as atuações do Japão no que tange à Somália e ao Sudão, visando à manutenção da paz e à possibilidade de ampliação da assistência oficial ao desenvolvimento. A interligação entre o Japão e a África também pode ser observada através do papel das Conferências sobre Desenvolvimento (TICAD), das visitas dos representantes do Estado japonês à África e da importância desta última para o mundo. Como aponta Jorge Ferrão (2008), de conferência em conferência a Ásia vem se aproximando da África. Segundo o autor, a China foi pioneira dentro da lógica atual de relação com a África, tendo desenvolvido a Declaração de Pequim, contudo, o autor retrata os casos de exploração chineses no continente africano, através das madeireiras, destruição de espécies marinhas, dentre outros. O Japão, por outro lado, vem fornecendo ajuda à esta última de forma mais igualitária, porém, ela vem sendo centrada especificamente para o Egito e a África do Sul e a relação com os demais países está focada no mercado direto de tecnologia. Pode-se perceber que a inserção japonesa na África leva em consideração a competição existente com a China. A África, sem muitas alternativas para barganhar relações com o mundo, em virtude de suas prementes necessidades, utiliza-se das conexões com esses países na busca de seu desenvolvimento (FERRÃO, 2008).
Jorge Ferrão (2008), afirma, que o Japão objetiva minimizar os efeitos das ambições hegemônicas da China e estabelecer parcerias mutuamente vantajosas, estáveis e com parceiros credíveis. É justamente nesse sentido que se desenvolveu a Declaração de Yokohama, tendendo à cooperação duradoura, sem uma visão imperialista de exploração de recursos naturais, pois a instabilidade dos pobres não é boa para os ricos. Logo, percebem-se boas intenções japonesas na África, porém, como aponta o próprio autor supramencionado, na realidade atual não se pode pensar em cooperação apenas pelo olhar altruísta do país doador. É interessante também pensar que a política externa japonesa desenvolvida para a África leva em consideração uma linha norteadora geral pautada no discurso de segurança humana, na assistência oficial ao desenvolvimento, nas preocupações econômicas e políticas, na cooperação, por exemplo, por meio da Agência de Cooperação Internacional Japonesa e, atualmente, na atuação em operações de manutenção de paz. Nesse sentido, passa-se a discutir como o discurso de segurança humana pode ser um elemento relevante para a manutenção das relações com a África e quais as possíveis implicações desse discurso.

3. Japão e o discurso de segurança humana: novo imperialismo na África?

Para pensar a cooperação japonesa com a África é necessário rememorar as relações estabelecidas pela Europa e EUA com o continente africano, bem como suas ambições imperialistas e comparar com a relação japonesa com a África para problematizar o uso do discurso de segurança humana japonês como elemento de política externa. Segundo Lumumba-Kasongo (2010:120), muitos acreditam que as causas da instabilidade política, da pobreza e da dependência pelas quais a África passa atualmente podem ser explicadas pela natureza exploradora dos laços estabelecidos por EUA e Europa e pelas instituições que surgiram fora dessas relações. Contudo, o autor afirma que isso realmente pode ser cientificamente difícil ser provado, mas, deixa claro que a relação entre a África e esses poderes externos sempre esteve ligada ao estabelecimento do capitalismo (LUMUMBA-KASONGO, 2010: 123) em seu molde selvagem. Dessa maneira, a economia francesa cresceu com o trabalho africano e os materiais baratos importados da África, além do urânio. A Inglaterra tornou o continente africano completamente endividado.
A Alemanha, por sua vez, preocupou-se com desenvolvimento de negócios privados sólidos e, os EUA, a seu turno, utilizaram-se dos africanos como escravos por séculos, sempre pensando o africano como um indivíduo diferente por ser negro (LUMUMBA-KASONGO, 2010). Frente a esse cenário é que se começa a pensar a cooperação japonesa com a África. Estaria o discurso de segurança humana sendo utilizado para a promoção de um movimento intervencionista nesse continente nos moldes dos europeus e estadunidenses? É possível uma cooperação pautada numa horizontalidade, ou seja, uma verdadeira parceria entre os dois? Diante desses questionamentos, passa-se a pensar o que simboliza o discurso de segurança humana para a África. Para isso, é pertinente ressaltar que o Estado japonês compreende a segurança humana de maneira ampla, ou seja, como a violência direta ou indireta causada ao indivíduo, refletindo não apenas a violência física, mas também a estrutural, ressaltando problemáticas como a fome, as preocupações com o meio ambiente, doenças, direitos humanos, dignidade, drogas, refugiados, dentre outras (PARIS, 2001:90). Nesses termos, o conceito de segurança humana abrangente adotado pelo Estado japonês, parece coincidir com os interesses e problemáticas existentes na África, pois os politiza, tornando-os relevantes (BEEBE e KALDOR, 2010:196-197). Assim, o uso do discurso de segurança humana japonês6 pode, enquanto elemento de política externa, contribuir para a promoção de laços com o continente africano. Ademais, o discurso de segurança humana pode servir como elemento amenizador de qualquer tipo de interesse imperialista ou ameaçador que o Japão possa causar à África.
Pode ter também a função de um instrumento de legitimação da cooperação, da ajuda econômica para o desenvolvimento, das preocupações com resolução de conflitos e inserção das Forças de Autodefesa japonesas no continente africano e no ambiente internacional como um todo. Contudo, apesar desse olhar crítico, para além do puro altruísmo japonês com o discurso de segurança humana, é relevante declinar que as relações entre Japão e África estão pautando-se por uma parceria e uma tentativa de manter os laços de maneira horizontal, conforme constatado em declarações, fóruns, nos documentos de diplomacia japoneses e até mesmo na literatura sobre o tema. Ocorre que, como delibera Jorge Ferrão (2008), a África tem seus interesses, suas necessidades e ausência de alternativas ou de uma voz mais ativa que possa dar as diretrizes das cooperações estabelecidas. Obviamente que os países africanos, de uma maneira geral, vêm tomando uma postura mais coordenada e mais fortalecida, como pode ser constatado com a atuação da União Africana em alguns casos emblemáticos. É o que pode ser percebido, por exemplo, no caso do Sudão em que, inicialmente, houve a implementação da Missão da União Africana (African Union Mission in Sudan - AMIS), que posteriormente, foi substituída pela Missão das Nações Unidas e União Africana em Darfur (United Nations African Union Mission in Darfur – UNAMID), assinalando um esforço positivo na tentativa de comprovar a atuação de liderança da União Africana na resolução dos conflitos nessa região (SANTOS, 2001:85-87). Outro aspecto relevante no que concerne à elevação do status africano no cenário internacional, conforme ressalta Saraiva (2008: 89), remete ao crescimento econômico interno. Embora considerado por alguns analistas como um percentual modesto de desenvolvimento, "a África vem sendo escolhida como parte das prioridades para novas áreas e carteiras de empréstimos do Banco Mundial".
Esses fatores de elevação são resultantes da significativa redução dos conflitos armados internos no continente, os quais, por sua vez, fomentavam a pobreza, a miséria e a deterioração dos recursos econômicos, que eram desviados para sustentar esses conflitos (SARAIVA, 2008: 89). O grande temor ainda persistente para os africanos consiste no risco de eles perderem a liberdade, ou seja, a possibilidade de serem dominados novamente por potências hegemônicas como ocorreu no passado. Por isso, a aproximação com os países desenvolvidos ou emergentes é sempre vista como necessária, mas também preocupante. Portanto, a cooperação entre a África e o Japão não poderia fugir desse quadro emblemático, gerando o debate sobre os possíveis interesses do Estado japonês na região. No entanto, Lumumba-Kasongo (2010) afirma que está convencido de que a cooperação para o desenvolvimento pode ter um papel positivo na África, no sentido de promover o progresso social, desde que esse processo ocorra associado a um projeto nacional bem definido. O Japão, por sua vez, vê ao continente africano como um ambiente interessante em termos econômicos, em virtude de seu crescimento, além de pensar em laços políticos, já que são vários países que podem ter voz, por exemplo, numa Assembleia Geral da ONU. Ademais, ele possui um contingente populacional bastante significativo.
Apesar desses interesses estatais japoneses, Lumumba-Kasongo (2010) declara que, desde 1990, o Japão vem fornecendo uma assistência econômica à África com uma abordagem mais humanitária e diferenciada da ajuda oferecida pelos países ocidentais, o que reforça seus laços com o referido continente, restando problematizar o futuro dessa relação, a competição com a China, o uso do discurso da segurança humana e a presença das Forças de Autodefesa na região. Não obstante a relação entre o Japão e os países africanos ser essencialmente vertical, pela natureza dos países envolvidos no jogo, tratando-se de um Estado desenvolvido em meio a Estados "fracos", subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, há a necessidade hodierna de buscar meios de horizontalizar as relações, até mesmo fazendo-se uso de terceiros países a fim de tornar as cooperações triangulares e mais igualitárias. Assim, é possível pensar no discurso de segurança humana como um elemento imperialista utilizado pelo Japão com as mais diversas finalidades de poder, mas que ao mesmo tempo, encaixa-se nessa iniciativa de horizontalização das relações, por se mostrar dotado de um conceito e de uma dinâmica positiva. Percebe-se, dessa forma, que o país asiático, embora não se aproxime totalmente das políticas imperialistas europeias e estadunidenses para a África, carrega consigo interesses tão semelhantes quanto, porém se apresenta nesse contexto com outras nuances, até mesmo mais amenas, considerando a mudança de ares no continente africano e a concorrência em termos de espaço que se desenvolve na África com a China e/ou com o Brasil.

4. A relação nipo-africana no âmbito das operações de paz e o caso do Sudão do Sul

A fim de compreender melhor a presença japonesa na África, insere-se nessa análise o caso do Sudão do Sul para ilustrar a lógica dos interesses mútuos na cooperação nipo-africana. Ainda que de forma pormenorizada, faz-se necessário, inicialmente, realizar uma explanação acerca do conflito envolvendo o Estado sul sudanês e, posteriormente, da necessidade dessas intervenções de operações para a manutenção da paz, no caso, a atuação da UNMISS (United Nations Mission in Republic of South Sudan) na reconstrução do país, associada à ação de Estados parceiros. A participação humanitária do Japão no continente africano começou na década de 1950, combinando elementos idealistas (direitos humanos, segurança humana e os valores relacionados à paz) e realistas, baseados no interesse nacional. Em 1993, o Japão participou de sua primeira missão africana de manutenção da paz, promovida pela ONU, em Moçambique, com a finalidade de se tornar um protagonista mundial na garantia e estabilidade da paz. Gradativamente, o status japonês cresceu como "líder intelectual" no campo da ajuda econômica africana, concedendo-lhe dividendos políticos, ou seja, essa atribuição contribuiu para elevar o status político japonês no cenário internacional (MARCK C.; 2016: 13-14). A utilização das contribuições de ajuda como instrumento econômico culminaram na Carta de Ajuda Oficial ao Desenvolvimento (AOD – sigla em inglês) em 1992, que vinculava explicitamente a ajuda à ordem hegemônica neoliberal do ocidente e do Japão. Em outros termos, essa Carta submete os países receptores às disciplinas neoliberais, a partir de quatro precondições (MARCK C.; 2016: 14), a saber:  Os beneficiários devem se comprometer com a adoção de economias de mercado livre.  Os beneficiários devem promover a democratização e os direitos humanos.  Os beneficiários devem considerar a conservação do desenvolvimento ambiental.
 Os beneficiários devem restringir as despesas militares e não as utilizar para os devidos fins. Essa Carta significou uma mudança na abordagem do Japão em relação à África na interrupção de ajuda ao Sudão, à Nigéria e a Gâmbia, por violarem os compromissos acordados nela. O envolvimento japonês em projetos estruturais, a exemplo do Porto de Mombasa no Quênia e a geração de energia, concederam-lhe o status de "lender of first resort", afastando assim, a percepção negativa de imperialismo de um país desenvolvido no continente africano. Entre os países beneficiários dessa ajuda econômica nipo-africana se encontra Moçambique - com uma das maiores reservas de gás natural do mundo e o maior campo de carvão no continente – por meio de suas exportações de recursos naturais, além dos investimentos para o desenvolvimento da região na construção do Corredor de Nacala, na ordem de 670 milhões de dólares (MARCK C.; 2016: 16-17). Em relação à segurança e a manutenção da paz no continente africano, as duas missões atuais das Forças de Autodefesa do Japão (JSDF – sigla em inglês) na África – a missão antipirataria no Golfo de Aden e a missão de paz no Sudão do Sul – fornecem dados para determinar se as atividades da JSDF na África contribuem ou não para promover uma agenda de normalização de segurança na região (MARCK C.; 2016: 49). Marck C. assinalou que a missão do Japão no Sudão do Sul tem representado um caminho para a normalização da paz no Estado sul sudanês, no entanto, dado o caráter limitado da missão, impossibilitou uma maior expansão do papel da JSDF. O Japão utilizou as missões de paz da ONU para incluir ás Forças de Autodefesa em papeis não associados a operações militares. Entre 1993 e 1995, o governo japonês enviou cerca de 150 funcionários para Moçambique na Operação das Nações Unidas nesse país (ONUMOZ). No Zaire (hoje, República Democrática do Congo - RDC) a missão forneceu serviços médicos, construção de estradas e especialização em logística, como a primeira operação de ajuda humanitária para refugiados que fugiam do genocídio de Ruanda. Em 2006, a missão retornou a RDC para as eleições legislativas, momento no qual contribuiu com treze observadores eleitorais. Contribuição semelhante ocorreu, tempos mais tarde, no Burundi e na Tanzânia, que acumularam um total de quatorze missões nesse período – sendo cinco de ajuda humanitária e nove de observação eleitoral - nas quais o Japão esteve diretamente envolvido em sete no continente africano (MARCK C.; 2016: 49-50). Com o tempo, as missões de paz japonesas aumentaram gradativamente, em complexidade e abrangência territorial, incluindo lugares onde o conflito cessou ou está em curso, como é o caso do Sudão do Sul. Esses eventos, evidenciam uma tendência geral nas missões de paz da ONU em todo o mundo, que evoluíram do patamar tradicional e neutral no campo da supervisão, cessar fogo e retirada das tropas, para missões mais intrusivas, a exemplo do desarmamento, desmobilização e reintegração, reforma do setor de segurança, construção da nação e proteção de civis em áreas de conflito (MARCK C.; 2016: 53), conforme observado na Tabela 1, a seguir:

Tabela 1: Operações de Manutenção da Paz do Japão-ONU na África, pós LICP7

O envolvimento do Japão no conflito do Sudão do Sul se iniciou em 2011, simultaneamente à independência do referido país e a criação da UNMISS, momento no qual a JSDF realizou visitas no campo para avaliar a situação de segurança e estabelecer as bases para uma maior presença da mesma na região. Nesse ano, houve um referendo consultivo no sul do Sudão, objetivando representar a preferência legal do povo sudanês pela partilha ou unidade do país, assim como, seria definido os pontos relativos ao "estabelecimento de uma nova fronteira internacional, a distribuição das receitas do petróleo, a nacionalidade dos árabes residentes no sul e a partilha da enorme dívida estrangeira no Sudão" (IGLESIAS, 2011: 03-04). Tal como foi aprovado no supracitado referendo, o Sudão do Sul tornou-se um país independente em 9 de julho de 2011, em sua nova capital, a cidade de Juba. No entanto, algumas questões fundamentais continuaram pendentes na agenda dos dois Estados sudaneses, como os campos de petróleo localizados nas zonas fronteiriças, os conflitos étnicos e a província de Abyei. O compromisso ratificado entre as partes beligerantes em 2005, conferiu supostamente uma partilha igualitária dos lucros entre as duas nações sudanesas. Entretanto, o ponto de divergência concernente à produção de petróleo nessa região salienta que, sendo o Sudão do Sul o país detentor da maior parte dessa matéria prima, reivindicaria para si 75% dessa riqueza. Por outro lado, toda a infraestrutura para a saída dessa reserva petrolífera permaneceu na República do Sudão. Essa situação de disputas contribuiu drasticamente para sérios confrontos e o comprometimento econômico dos dois países (SÁNCHEZ, 2011: 03). O principal ponto de divergência administrativa entre os dois países sudaneses é, sem dúvida, a disputa pela província de Abyei, conforme mapa abaixo. A problemática central desse caso tange ao fato de que essa província foi incluída como parte do território do Sudão do Sul no projeto da futura constituição do país, mas o governo do Sudão não reconhece tal determinação, o que por sua vez constituiu-se numa ameaça à paz entre os dois países sudaneses (IGLESIAS, 2011: 03).

Figura 1: O Sudão do Sul e os conflitos territoriais

Fonte: adaptado da National Geographic, 2012. Disponível em: <http://www.viagemdoconhecimento.com.br/VC_Plano_de_Aula_02_2012_2.pdf> Acesso em: 25 set. 2013.

 

Outras áreas do Sudão também enfrentam um clima semelhante de violência acentuada em virtude dessas disputas fronteiriças, especialmente os Estados do Nilo Azul (uma região dotada de significativos depósitos de petróleo e minerais, além de abundantes terras férteis) e o próprio Kordofan do Sul (que contém o campo Heglig, rico em petróleo). A missão UNMISS tem por objetivo consolidar a paz e a segurança na região. Para tanto, busca estabelecer as condições básicas para o desenvolvimento do Sudão do Sul. Além desses fatores, procura reforçar a capacidade para uma governança eficaz no país. Assim, o governo do Sudão do Sul autoriza-a executar algumas tarefas, entre as quais destacam-se: o apoio na consolidação da paz e na construção do Estado; prestar bons serviços, incluindo-se a formulação de políticas nacionais; a promoção da participação popular nos processos políticos, inclusive na realização de eleições, entre outros (CSNU/RS/1996-2011).

Figura 2: Atividades da Missão das Nações Unidas na República do Sudão do Sul (PKO do Sul do Sudão)

Major duties of the Headquartes staff .  Logistics officer: UNMISS internal coordination relating to de general logistics demands of the military force in the UNIMSS Military Headquarters  Information officer: managemento of the database ar the UNMISS Joint Information Analusis Centre (JMAC)  Engineering officer: planning and coordination relating to facilities in the UNMISS mission support Center
..Development to the unit dispactch, etc... July 8, 2011 Thhe Republic of South Sudan gained independence July 9, 2011 UNMISS was stablished November 15, 2011 Cabinet decision on the inplementation plan (headquarters staff) November 28, 2011 The firstdisparch of staff officer (logistics officer and engineering officer) December 20, 2011 Cabiner decision on thje change of impementation plan (dispatch of engineering unit, etc.) January 2012 The first engineering unit, etc. to be dispatcher in series
Fonte: Elaboración propia. Adaptado do Japan Defense Focus (2012: 7) sobre la base del disponible em: http://www.ginkgomaps.com/es/rl3c_ss_sudan-del-sur_mapa_adm0_ja_mres.jpg
Até 2012, havia 5.500 soldados empregados na missão UNMISS para complementar o sucesso e a eficácia da mediação das Nações Unidas no conflito sudanês, enfatizando nesse processo a proteção da população civil (MARTÍNEZ, 2012, p. 05). Decidiu-se ainda que a UNMISS agiria em conformidade com os termos do Capítulo VII, permitindo que a missão tomasse todas as medidas necessárias para a proteção dos civis, bem como de seu próprio pessoal e dos trabalhadores humanitários, incluindo nesse processo até o uso da força (HEMMER, 2013: 2).

Além disso, ela instigou ao governo a incentivar às comunidades envolvidas no ciclo de violência intercomunitária a resolverem suas diferenças por meio do diálogo. Juntamente com o governo do Sudão do Sul, tem coordenado o desenvolvimento de forças adicionais nas áreas onde as tensões ainda permanecem elevadas. Desse modo, por meio de uma "abordagem multifacetada" liderada pelo Conselho de Igrejas do Sudão, essa missão tem facilitado a reconciliação entre os litigantes, destacando-se a implementação do SPLA no Estado de Jonglei com instruções severas para proteger os civis, vítimas do conflito nessa região (KI-MOON, 2011: 18). Nessa conjuntura o Japão vem atuando na região com uma unidade das Forças de Autodefesa, composta por 500 membros, dividida em dois contingentes. De acordo com os dados das Nações Unidas (2012), a atuação japonesa ajudará a fortalecer o setor de infraestrutura do Sudão do Sul através das especialidades logísticas desse país asiático. Considerando a histórica eficiência japonesa em engenharia horizontal, a cooperação com esse Estado alavancará inúmeros benefícios para o país sulista, a começar pela construção de estradas e pontes na região, haja vista que apenas 50 km dos 619 km² do território nacional são pavimentados. Nesses termos, o Japão atua no Sudão do Sul associado à UNMISS nos setores de logística, inteligência e engenharia. A participação do país na referida missão é vista como fundamental para o desenvolvimento da defesa dinâmica do Estado, em conformidade com as novas diretrizes do programa de defesa japonês e, ainda, como forma de demonstrar a alta capacidade de atuação das Forças de Autodefesa Japonesas (WHITE PAPER, 2012: 310-311).

A mais, as necessidades sul sudanesas se conformam com a concepção de segurança humana do Japão, tendo em vista as preocupações da região relacionadas com os direitos humanos e a violência contra os indivíduos. Isso é notório com o crescente número de "refugiados" no país, o qual, segundo estimativas da Organização dos Médicos Sem Fronteiras, diariamente fica entre setecentas e mil pessoas, tornando a situação ainda mais emergencial (JORNAL VERDADE, 2012). A atuação japonesa no Sudão do Sul está em consonância com o que o então Primeiro Ministro Noda Yoshihiko chamou de novos compromissos japoneses em discurso na Assembleia Geral da ONU em 2011, o que se pode compreender como novo ativismo japonês. Ainda, Noda ressaltou a importância de se observar os interesses locais, as necessidades de segurança das pessoas e a reconstrução da nação, além de declarar a importância da atuação das Forças de Autodefesa e da Assistência Oficial ao Desenvolvimento japonesa fornecida à região (TOSHIYA, 2011-2012). Assim, apesar das intenções japonesas no Sudão do Sul, em termos econômicos e até mesmo no sentido de contrariar a crescente presença chinesa na região, o fato é que o seu envolvimento na UNMISS colaborou para destacar as contínuas contribuições do Japão para essa comunidade, elevando, dessa forma, o país asiático ao status de parceiro confiável da ONU. Isso significou uma expansão de sua capacidade de exercer autodefesa coletiva na referida missão e em outras futuras.
Além disso representou uma das missões mais perigosas em que o Japão já participou (MARCK C.; 2016: 60). Com o tempo, observar-se-á até que ponto o discurso de segurança humana japonesa se configura como uma simples retórica ou realmente se pautará em uma ação voltada para a proteção do indivíduo, mesmo que existam interesses estatais por trás do ato da fala. A participação das Forças de Autodefesa Japonesa no meio internacional vem promovendo uma boa reputação para a instituição, o que ainda se questiona é justamente até onde essa atuação poderá chegar (TOSHIYA, 2011-2012). No que se refere à assistência japonesa aos países da África Subsaariana em 2011 e 2012, vê-se que a posição do Sudão como receptor se manteve quase a mesma, caindo do 4º lugar (96,72 milhões de dólares) para o 5º (94,60 milhões de dólares). Já o Sudão do Sul saiu da 21ª posição (25,56 milhões de dólares) em 2011 para a 8ª em 2012 (75,03 milhões de dólares). Essa ajuda inclui tanto assistência por meio de instituições multilaterais quanto cooperação técnica japonesa (ODA WHITE PAPER, 2012 e 2013). Nesse sentido, percebe-se não só a necessidade desses Estados, mas a importância que possuem para o Estado japonês para justificar uma ajuda com montante tão elevado. Quanto à fragilidade nessa relação entre o Japão e a África, pensando a própria atuação do Japão no Sudão do Sul, pode-se ressaltar o distanciamento cultural entre os povos e as incertezas sobre o futuro da cooperação entre os dois, embora o discurso de segurança humana seja um forte elemento amenizador desses problemas. Além do mais, vale lembrar da própria dificuldade em intervir em um país para promover a paz, mesmo que este se encontre com suas instituições falidas ou em processo de reconstrução. De acordo com o relatório Brookings, o Sudão do Sul é um grande receptor de doações financeiras da comunidade internacional, porém a falta de coordenação e pessoal qualificado dificulta a visibilidade dessa ajuda. Nesse sentido, alguns países parceiros fornecem instrutores para a capacitação da administração pública do país (JORNAL VERDADE, 2012).
Apesar da atuação japonesa nesse Estado estar direcionada ao trabalho de engenharia, ressalta-se que sua participação vem promovendo o fortalecimento de seus setores estruturais. Em 2008 na terceira Conferência de Consórcio do Sudão realizada em Oslo, o Japão anunciou uma assistência financeira adicional de aproximadamente 200 milhões de dólares para ajudar no equilíbrio imediato entre o Sudão e o Sudão do Sul. Isso incluiu subsídios em termos de recuperação humanitária e reconstrução do desenvolvimento dessas regiões. Nesse contexto, o Japão colabora com organizações internacionais e não governamentais japonesas na assistência alimentar e no apoio ao repatriamento e reintegração dos refugiados, além do suporte logístico no campo das necessidades básicas da população sudanesa e na melhoria de sua infraestrutura (OFFICIAL DEVELOPMENT ASSISTANCE, 2012: 137). Por fim, é relevante ressaltar a importância da manutenção da estabilidade do Sudão do Sul para o continente africano, tendo em vista que o recente país localiza-se na África Central (WHITE PAPER, 2012: 311). Isso reforça o papel da missão da ONU e da repercussão que uma participação bem-sucedida do Japão pode trazer para a sua inserção dentro da região e para a valorização de suas Forças de Autodefesa.

5. Considerações Finais

Este trabalho buscou analisar as interações entre a política externa japonesa e o continente africano, utilizando-se do caso emblemático do Sudão do Sul para entender o nível e os parâmetros dessa relação. Nesse sentido, percebeu-se que com a política externa japonesa voltada para a ajuda econômica de países em via de desenvolvimento, o continente africano alcançou um crescimento considerável, além de proporcionar um papel mais relevante do Estado asiático na África.
A despeito do passado de intervenções imperialistas das potências europeias e da atuação dos EUA no continente africano, a cooperação com o Japão é interpretada como uma relação de ganhos mútuos. Essa concepção parte da premissa de que o país asiático buscou diversificar suas relações através do fortalecimento do discurso de segurança humana, preocupando-se com as necessidades econômicas e sociais africanas. Não obstante, é válido ponderar que os interesses em termos de influência por parte do Japão não podem ser desconsiderados e o próprio discurso de segurança humana é uma ferramenta de poder bastante eficaz por mostrar uma vertente altruísta do Estado japonês e permitir a maior inserção do país por meio da ajuda oficial ao desenvolvimento e das Forças de Autodefesa. Apesar do olhar crítico apontado, nota-se o desenvolver de relações frutíferas do Japão com o continente africano. Desde a década de 1990, por exemplo, a vinculação nipo-africana vem se intensificando e se fortalecendo por meio de fóruns e cooperações voltados para o desenvolvimento da África. Nesse sentido, a atuação japonesa visa a estabelecer relações mais horizontais com a África, sobretudo, se compararmos atualmente às vinculações constituídas pela China com o continente africano, as quais são permeadas por explorações visíveis. Quanto à presença japonesa no Sudão do Sul, os indicadores sulistas proporcionaram um maior estreitamento nessa relação. A conjuntura histórica de conflitos envolvendo o Norte e o Sul levou a um saldo calamitoso de vítimas humanitárias no território sudanês. Nesse sentido, a cooperação com o Japão reflete-se numa maior possibilidade de estabelecimento da paz na região, além da oportunidade de promoção das condições mínimas necessárias para o desenvolvimento desse novo Estado. Portanto, ressalta-se que a integração das Forças de Autodefesa do Japão às necessidades prementes da República do Sudão do Sul, amparada no pilar da infraestrutura, é uma alternativa considerável para a superação dos inúmeros problemas desse jovem Estado. Conclui-se, com a percepção de que o Japão está sabendo conduzir, até o presente momento, da melhor maneira suas relações com o continente africano, fazendo uso de instrumentos notadamente considerados positivos. Exemplos disso são a ajuda oficial ao desenvolvimento, o auxílio das Forças de Autodefesa Japonesas e a propagação do discurso de segurança humana abrangente. Ao mesmo tempo, não deixa de carregar consigo interesses pautados em relações de poder e de garantia de espaço dentro de um ambiente que tem muitos frutos para oferecer no futuro.

Referencias:

6 É importante diferenciar a teoria de segurança humana do discurso de segurança humana japonês. A primeira consiste em um arcabouço teórico voltado para a proteção do indivíduo dos mais diversos tipos de violência, sejam diretos ou indiretos; em virtude disso, é criticada pela abrangência de sua análise. O discurso de segurança humana é aqui colocado como a apropriação do significado que a segurança humana possui enquanto perspectiva teórica para sua difusão pelo Estado japonês no sentido de reforçar seus interesses de política externa pelo mundo. Nesse sentido, esta discussão não pretende afastar a importância teórica da segurança humana, mas mostrar que ela não é a única saída da África para seus problemas, até mesmo porque são considerados os interesses por trás do uso do discurso de segurança humana, como se discute no caso japonês.

7 Lei Internacional de Cooperação para a Paz

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