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Relaciones internacionales

versión On-line ISSN 2314-2766

Relac. int. vol.26 no.53 La Plata dic. 2017

 

DOSSIER

A dependência de exportação de minérios da África do Sul em seu comércio coma China: caminho para a desindustrialização? 1

La dependencia de la exportación de minerales de Sudáfrica en su comercio con China: ¿camino a la desindustrialización?

South Africa's dependence on mineral exports in its relations with China: the road to de-industrialization?

Marina Gusmão de Mendonça2 y Rafael Almeida Ferreira Abrão3


Resumen: El presente trabajo propone presentar evidencias sobre como las relaciones comer-ciales asimétricas con China y el incremento de las exportaciones de minerales pueden estar conduciendo a una desindustrialización prematura en Sudáfrica. La misma ha ocurrido desde la apertura económica en países de África y América Latina, creando un escenario de reducción de la participación del sector industrial en el Producto Interno Bruto (PIB) y el creciente predomi-nio de los productos primarios en las exportaciones. El análisis de los datos nos permite obser-var la creciente dependencia de Sudáfrica en la exportación de minerales, lo que lleva a consi-derar que la explotación de recursos naturales ha valorado la tasa de cambio de manera que afecta el desarrollo industrial.

Palabras clave: Sudáfrica; China; desindustrialización; enfermedad holandesa; minerales.

Abstract: This paper aims to introduce evidences that asymmetric commercial relations with China and the increasing mineral exports may be leading South Africa to a premature deindus-trialization. Premature deindustrialization has occurred since the economic opening in African and Latin American countries, creating a scenario of reduction of the industrial sector share in the Gross Domestic Product (GDP) and the increasing predominance of primary products on exports. Data analysis show us the growing dependence of South Africa on minerals exporta-tion, which leads us to consider that the natural resources exploitation has appreciated the exchange rate and affected the industrial development.

Keywords: South Africa; China; Deindustrialization; Dutch disease; Minerals.

1 Recibido: 15/08/17. Aceptado: 30/10/17

2 Bacharel em História e em Direito pela Universidade de São Paulo (USP); Mestre e Doutora em História Econômica pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP); possui Pós-Doutorado em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista (UNESP) – Campus de Marília; Professora Adjunta do Curso de Relações Internacionais da Escola Paulista de Política, Economia e Negócios (EPPEN) da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) – Campus de Osasco; Professora Colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Facul-dade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista (UNESP) – Campus de Marília (Endereço eletrônico: marinamendonca@uol.com.br).

3 Bacharel em Relações Internacionais pela Escola Paulista de Política, Economia e Negócios (EPPEN), da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP); Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia e Ciências (FFC) da Universidade Estadual Paulista (UNESP) – Campus de Marília (Endereço eletrônico: ra.abrao@gmail.com).


A industrialização da África do Sul iniciou-se na década de 1920, e foi baseada no modelo substitutivo de importações. Contudo, nos anos de 1970 teve início uma grave crise, e o país enfrentaria, a partir de então, sérias dificuldades econômicas. E, dentre as razões para esses problemas, destacam-se a crise econômica mundial daquele decênio, o colapso dos bantustões4 e a mudança de postura dos países ocidentais em relação ao apartheid e o consequente isolamento internacional do regime. No início da década de1980, houve uma breve reversão daquela situação, pois o governo dos Estados Unidos (EUA) buscou inserir a África do Sul na estratégia global de combate ao comunismo. Mas a partir de meados daquele decênio, a retomada da resistência ao regime racista, o agrava-mento da repressão e o fim da guerra fria levaram o país novamente ao isolamento.

A resposta das elites brancas sul-africanas foi desenvolver uma estratégia que permi-tisse o fim do apartheid com a manutenção de seus privilégios econômicos. Para isso, adotou-se o ideário do Consenso de Washington, com o objetivo de inserir o país na nova divisão internacional do trabalho, como exportador de commodities e importador de ma-nufaturados e tecnologia. E quando o Congresso Nacional Africano (CNA) chegou ao poder com Nelson Mandela, em 1994, manteve a política econômica neoliberal, agravando as condições de vida da população mais pobre.

O estabelecimento de uma parceria econômica com a China foi vista, na época, co-mo alternativa de combate à crise. De fato, esse contato contribuiu para a retomada do crescimento. No entanto, a análise mais acurada dos dados permite perceber a constante e crescente dependência do país em relação à exportação de minérios. E, embora a hipó-tese de desindustrialização sul-africana não seja um caso isolado, uma vez que diversas regiões do mundo, ricas e pobres, estão passando por diferentes processos de desindustri-alização, o caso da África do Sul possui o agravante da ocorrência de uma possível repri-marização da pauta exportadora antes que ocorra uma maior dinamização da economia. Igualmente, não é possível desconsiderar que as trocas com a China vêm prejudicando a indústria trabalho-intensiva sul-africana, o que atinge principalmente a população mais pobre (na maioria negra) e agrava o desemprego, o mais alto entre os países dos BRICS5.

1.  Evolução da economia sul-africana no século XX

Desde a década de 1920, a África do Sul se desenvolveu com base num modelo de substituição de importações, financiado pela exportação de minérios e de produtos agríco-las, e pela adoção de mecanismos voltados para a atração de capitais6. Os primeiros sinais de crise deste modelo surgiram na década de 1970, com queda acentuada no crescimento econômico7. Isto evidenciava uma contradição de fundo da economia sul-africana: a acele-ração da industrialização se dera com base na criação dos bantustões, no final dos anos de 1950, cujo objetivo era garantir mão-de-obra barata para a indústria. Mas o crescimento acentuado da população negra ali confinada levaria à desintegração desses enclaves, pro-vocada principalmente pelo êxodo em direção às áreas urbanas brancas, onde um enorme contingente passou a viver ilegalmente, levando a uma disputa acirrada pelos escassos recursos e ao agravamento dos conflitos políticos. Por outro lado, a própria institucionali-zação do apartheid, em 1948, levou, do ponto de vista internacional, a uma mudança da postura das nações ocidentais em relação à África do Sul, e o país se transformaria num verdadeiro pária internacional.

Assinale-se que, durante a guerra fria, o continente africano não era uma prioridade para a política externa estadunidense. As nações da África tinham importância secundária, uma vez que regiões como Cuba, Vietnã, Coréia e Oriente Médio, bem como a própria União Soviética (URSS), eram os locais onde os estrategistas buscavam concentrar seus esforços. Apesar de, esporadicamente, temas africanos terem exigido atenção, como nos casos da questão do controle do Canal de Suez pelo Egito, das lutas separatistas no Congo, da guerra civil em Angola, da revolução na Etiópia e da independência do Zimbábue, o único país a receber atenção consistente dos tomadores de decisões em Washington foi a África do Sul. A existência de uma sociedade pós-colonial baseada na segregação racial manteve a África do Sul e o regime do apartheid na agenda internacional por 46 anos (THOMSON, 2008).
Diante desse quadro, a resposta do governo sul-africano seria vincular sua ordem in-terna às divisões da guerra fria, apresentando-se como um sustentáculo do combate ao comunismo no continente africano. Essa política foi bem-sucedida em muitos aspectos, colocando o país como aliado dos EUA nos assuntos relativos ao continente e despertando não só interesses políticos, mas também econômicos. Em um contexto de guerra bipolar, a África do Sul tinha importância estratégica, tanto por suas reservas de minérios raros co-mo pela rota marítima do Cabo. De outra parte, o governo estadunidense não podia igno-rar a questão do apartheid, uma vez que o regime de segregação racial e os abusos em relação aos direitos humanos conflitava diretamente com seu discurso baseado em princí-pios de liberdade e democracia, e provocava tensões no que diz respeito a suas questões raciais internas. Dessa forma, as relações entre os dois países foram pautadas por uma oposição ao apartheid, enquanto era preservada uma relação bilateral do ponto de vista estratégico e econômico (THOMSON, 2008).

Porém, essa política de vinculação ao ordenamento da guerra fria sofreria um gran-de golpe com a Revolução dos Cravos, em Portugal, em 1974, que provocou o colapso do ultracolonialismo luso, afetando, em conseqüência, o balanço de poder na África Austral. Diante disso, o governo de Pretória reagiu com a invasão de Angola, em 1975, e a adoção de uma política de intervenção repressiva no subcontinente (DÖPCKE, 1998).
Com o início do governo de Ronald Reagan, em 1981, os EUA intensificaram a ins-trumentalização do regime de apartheid numa estratégia global de combate ao comunis-mo, e as elites brancas da África do Sul passaram a tentar desestabilizar os governos de Angola, Moçambique e Zimbábue. Mas a partir de meados da década de 1980, diversos fatores forçaram o governo a recuar da política regional agressiva, tais como o ressurgi-mento da resistência interna ao regime, que levou à decretação do Estado de Emergência, em 1985, e as transformações internacionais decorrentes do fim da guerra fria, que provo-caram um isolamento ainda maior da África do Sul. E a crise se agravaria em virtude da queda na exportação de minérios e da redução do influxo de capitais8.
A crise interna e a pressão internacional provocaram a renúncia de Pieter Willem Bo-tha e a ascensão de Frederik Willem De Klerk como presidente do PN e da África do Sul, em 1989. Para evitar a guerra civil, De Klerk implantou reformas, anunciando, em 1990, o reconhecimento legal da oposição e a libertação de Nelson Mandela. Contudo, e diante da situação crítica em que se encontrava a África do Sul, a intelligentzia9 do país adotou uma alternativa ideológica para a superação do apartheid: a defesa do livre mercado e a redu-ção do papel do Estado na economia, ideário fundamentado no Consenso de Washington (FAGE, 1995: 561). Daí a incorporação ao jogo político do CNA, maior força de oposição, garantindo-se, porém, a manutenção da desigualdade, por meio da vinculação do novo governo a normas constitucionais voltadas para a proteção dos direitos individuais e o estabelecimento de salvaguardas, durante um período, das posições dos brancos nos empregos públicos (SAUL, 2002).
Depois da vitória eleitoral de 1994, um dos primeiros problemas para o governo do CNA foi o enfrentamento das desigualdades econômicas e sociais oriundas do período colonial e do regime do apartheid10. O modelo econômico adotado - Growth, Employment and Reconstruction (GEAR) -, de 1996, provocaria agravamento no quadro de desemprego,que atingia mais profundamente a mão-de-obra não qualificada, formada essencialmente por negros (CARTER; MAY, 2001: 1993)11. E a própria estrutura do mercado de trabalho sofreria alterações, beneficiando os trabalhadores mais qualificados, pois a queda no em-prego nos setores mineiro e agrícola foi muito acentuada12. Por outro lado, a política de reforma agrária, prevendo a redistribuição de 30% das áreas cultiváveis, além do compro-misso com a conclusão de processos judiciais baseados em pedidos de restituição de terras expropriadas pelos sucessivos governos segregacionistas desde 1913 (THWALA, 2004: 6-7), não deu resultados, uma vez que o programa voltou-se para o atendimento das necessi-dades do mercado, desconsiderando totalmente o perfil demográfico sul-africano, cujo contingente da população rural chegava a mais de 45%13. Outra questão era a dívida pública deixada pelo regime do apartheid, e que chegava, em 1993, a US$ 18,9 bilhões. Com isso, entre 1993 e 1998, a África do Sul transferiu para o mercado financeiro internacional cerca de 6,7% do PIB e 24% do orçamento apenas com o pagamento de juros (CARTER; MAY, 2001: 1993). E a solução propugnada, ou seja, as privatizações realizadas durante a década de 1990, não resultaram em qualquer benefício em termos de redução da dívida ou de modernização da economia (NATTRASS; SEEKINGS, 2000: 27)14.

  • 2.Interesses preponderantes nas relações comerciais entre China e África do Sul

O comércio sino-africano data, no mínimo, de 3000 anos, e foi muito incrementado a partir da década de 1990, quando se iniciou a política chinesa de maior aproximação com o continente africano. Em relação à África do Sul, o estabelecimento de trocas regulares com a República Popular da China (RPC) se deu em 1994, quando as autoridades sul-africanas começaram a fazer contatos com o país, no intuito de contornar a gravíssima crise econômica15. Assim, ainda no início daquele ano, a SAB Miller, maior cervejaria da África do Sul, faria investimentos no país asiático por meio de uma joint-venture com a China Resources Enterprises Group (CRE). O objetivo era criar a China Resources Breweries (CRB) que, em 10 anos, se tornaria a segunda maior cervejaria chinesa (SHELTON, 2005: 14). A seguir, outras empresas se estabeleceram na China, como a Kumba Resources, parte da Anglo-American que, em 1994, investiu US$ 10 milhões na produção de zinco e numterminal de minério no Porto de Qingdao (AFRICAN LABOUR RESEARCH NETWORK, 2009: 36), e a Landpac que, desde 1995, passaria a fornecer tecnologia para construção, manu-tenção e reparação de rodovias.

O intercâmbio comercial cresceria rapidamente: em 1991, as trocas somavam US$ 14 milhões, chegando a US$ 1,5 bilhão em 1997 (SHELTON, 2005: 13-14). Em 1998, a sul-africana MIH passou a trabalhar com a State Academy for Radio, Film and Televison (SARFT) e com a China Central Television (CCTV) para a manutenção de uma plataforma avançada de televisão. Pelo acordo, a MIH forneceria serviços para 15 grandes clientes, como a CCTV, a Macao Cable, a Shangai Cable e a TVB Hong-Kong, e, por meio de joint-ventures, ofereceria programas de entretenimento, interatividade e comércio pela Inter-net. O avanço do intercâmbio permitiu que, em 2005, as empresas sul-africanas estives-sem envolvidas em cerca de 70 projetos de investimentos na China, com recursos de US$ 300 milhões, a maioria nos setores de construção de portos, bebidas, manufaturas, têxteis, e material de construção (SHELTON, 2005: 11-14). Outros grandes investidores são: SAPPI, parte da Anglo-American, para produção de papel; Polifin, fabricante de produtos quími-cos; e ABSA e NEDCOR, do setor financeiro (KAPLINSKY; McCORMICK; MORRIS, 2007: 32).

A África do Sul é, atualmente, o único país africano com significativos investimentos externos diretos (IEDs) na China. Contudo, esses investimentos, que chegaram a US$ 106 milhões em 2005, decresceram a partir de então, chegando em 2014 ao mais baixo pata-mar desde o ano 200016. Conforme pode ser observado na tabela 1:

Tabela 1. IEDs da África do Sul na China (2000-2015) - em milhões US$

Quanto aos investimentos chineses na África do Sul, cresceram muito desde 1998, e o país tornou-se o maior destino desses recursos no continente. Os principais setores são energia, eletrônicos, tecnologia, mineração e metalurgia, telecomunicações, têxteis, ban-cos comerciais, transportes, manufaturas, construção civil e automóveis. Na tabela 2, abaixo, podemos ver a evolução dos IEDs da China na África do Sul:

Tabela 2. IEDs da China na África do Sul (2000-2015) – em milhões US$

Nota-se que o ápice desses investimentos ocorreu em 2008, caindo acentuadamente em 2009. Em 2010, voltou ao patamar de 2007, mas em 2011, e pela primeira vez em quase duas décadas, apresentou resultado negativo, mantendo-se assim em 2012 e 2013. Em 2014 retomou o volume de 2006 e, em 2015 teve uma grande elevação. Um dos maio-res investimentos chineses na África do Sul ocorreu no setor financeiro, em 2007, quando o Industrial and Commercial Bank of China (ICBC) adquiriu cerca de 20% das ações do Standard Bank of South Africa, maior grupo financeiro do continente (em volume de depó-sitos). Outros bancos chineses atuam no país. O principal é o China Construction Bank (CCB), com o maior volume de operações e quase US$ 100 milhões em depósitos, que promove o comércio e os investimentos entre a África do Sul, a Southern African Develop-ment Community (SADC) e a China. Tanto o CCB quanto o Bank of China têm grande partedos depósitos em moeda estrangeira. E há ainda o China Everbright Bank, instituição co-mercial com alguns acionistas privados (KAPLINSKY; McCORMICK; MORRIS, 2007: 312).
Relativamente à construção civil, a China National Overseas Engineering Corp. (CO-VEC) recebeu US$ 42 milhões da Trans Caledon Tunnel Authority (TCTA), estatal de forne-cimento de água sul-africana, para o desenvolvimento de um projeto de abastecimento (KAPLINSKY; McCORMICK; MORRIS, 2007: 32). Pouco depois, a empresa venceu uma licita-ção de US$ 61 milhões para a construção do Vaal River Eastern Sub-System Augmentation Project (KAPLINSKY; McCORMICK; MORRIS, 2007: 35). Já a Citic-Acre Construction ganhou,em 2005, uma licitação no valor de US$ 45,5 milhões para demolição e reconstrução da fábrica da Mittal Steel Newcastle, além da ampliação de uma usina de gás. E três empresas chinesas formaram um consórcio com a BEE, vencendo uma licitação de US$ 200 milhões para a construção de docas na Richard Bay. O problema na construção civil é que as em-presas chinesas fazem propostas de preços até 20% menores que os praticados pelas firmas da África do Sul, e vencem muitas concorrências, inclusive em outros mercados do continente. Diante disso, os empresários sul-africanos denunciam práticas desleais, como descumprimento da legislação trabalhista e importação de trabalhadores chineses.
Quanto à produção de manufaturas, muitas empresas de artigos eletrônicos têm en-trado no mercado sul-africano por meio de braços locais de multinacionais. É o caso da Lenovo, maior produtora chinesa de computadores que, em 2004, comprou a fábrica da IBM por US$ 1,8 bilhão, abrindo, em seguida, um escritório na África do Sul. Já a Hi-Sense,entrou no país em 1997 por meio da indústria de produtos eletrônicos Daewoo, passando a exportar para mais de 10 países da região. Por sua vez, a Huawei Technologies fornece suplementos para equipamentos de telecomunicações para o mercado sul-africano por intermédio de parcerias com a Telkom, a MTN, a Vodacom e a Cell-C (KAPLINSKY; McCOR-MICK; MORRIS, 2007: 313-314). Também a SVA e a XOCECO (esta última operando por meio da subsidiária local Sinoprima Investment and Manufacturing South Africa), têm estabelecido montadoras na África do Sul (KAPLINSKY; McCORMICK; MORRIS, 2007: 47).
O setor de bens de consumo leves também tem recebido grandes investimentos chi-neses. Exemplo é a Shangai Industrial Investments Corporation (SIIC), subsidiária da estatal SOE Shangai Industrial, que investiu principalmente na Província de Kwa Zulu-Natal. Nosetor de navegação, a COSCO passou a usar a África do Sul como base para operações regionais. Já na mineração, diversas empresas chinesas atuam no país17.

No que se refere ao comércio varejista, os investimentos da China têm provocado grande emigração para a África do Sul: calcula-se que há no país entre 200 mil e 300 mil chineses envolvidos no setor, tanto nas áreas rurais como urbanas18. O fenômeno tem levado ao surgimento de Chinatowns e shopping centres chineses nas cidades, os quais se tornaram fornecedores para mascates e "sacoleiros" africanos e indianos, oriundos de todas as partes do país, e até mesmo de outras nações, como Botswana, Zimbábue, Ango-la, Nigéria e Gana. Ou seja: a África do Sul se tornou ponto de aquisição de produtos chi-neses no continente, levando ao surgimento de um pólo de atração econômica, o que, indiretamente, promove as indústrias de turismo e de armazenamento19.

Quanto às exportações totais da África do Sul para a China, têm crescido regular e significativamente, como se pode ver da tabela 3, abaixo:

Tabela 3. Exportações totais da África do Sul para a China (2000/2015) – em milhões US$

Observe-se que, desde o princípio do século XXI, houve aumento das exportações sul-africanas para a China, caindo apenas em 2009, exatamente o ano mais grave da crise eco-nômica mundial iniciada em 2007/2008. Todavia, a partir de 2010, o crescimento foi vertigi-noso, chegando, em 2013, a US$ 48.319 milhões. Porém, voltou a cair em 2014, fenômeno que se acentuou bastante em 2015, quando o volume retornou aos níveis de 2011.
E preciso ressaltar que, desde o início, os principais produtos que a África do Sul ex-porta para a China são minérios e metais: entre 2001 e 2005, as vendas corresponderiam a 73% do total, chegando ao valor de US$ 10,1 bilhões em 2012 (AFRICAN LABOUR RESEAR-CH NETWORK, 2009: 188). Ademais, note-se que, com exceção dos diamantes, houve significativa queda dessas exportações entre 2013 e 2014. A tabela 4, abaixo, indica os valores dos principais minérios exportados pela África do Sul para a China em 2013 e 2014:

 

Tabela 4. Exportações de minérios da África do Sul para a China (2013-2014) – em mi-lhões US$


Além dos minérios, são significativas também as exportações de máquinas e equi-pamentos, produtos químicos, papel e celulose, têxteis e vestuário, e animais vivos, além de produtos agrícolas, favorecidos por diferenças sazonais. Contudo, a maior parte das exportações é de produtos brutos, o que acaba levando à criação de empregos no país asiático (AFRICAN LABOUR RESEARCH NETWORK, 2009: 307-308). Quanto aos artigos manufaturados, a tabela 5, abaixo, indica os valores dos principais produtos exportados pela África do Sul para a China, em 2012, bem como o crescimento percentual dessas vendas em relação a 2011:

Tabela 5. Principais produtos manufaturados exportados pela África do Sul para a China (2012) – em milhões US$

Como se pode perceber, no que diz respeito a produtos de alta tecnologia, em 2012 houve queda de 11% em relação a 2011. Quanto a processadores de dados, a queda foi de 4,8%, e no que se refere a caminhões e containers, o decréscimo atingiu 10,7%. Já o cres-cimento maior se deu em relação a produtos de menor valor agregado, como sapatos (46,8%) e mobília (110%).
No que tange à China, desde o princípio exportou principalmente artigos manufatu-rados, especialmente calçados, têxteis, plásticos, aparelhos elétricos e roupa de mesa. Em suma, o crescimento do comércio China-África do Sul levou as trocas a atingirem, em 2002, US$ 2 bilhões, passando a US$ 6 bilhões em 2004, com um aumento de 52,8% em relação a 2003. Em 2005, o valor chegaria a US$ 7,2 bilhões, montante que subiria para US$ 13 bilhões em 2007, com um crescimento de 45% em relação a 2006 (AFRICAN LA-BOUR RESEARCH NETWORK, 2009: 303). Em 2008, esse fluxo chegaria a US$ 9,23 bilhões, a US$ 14,9 bilhões em 2010, US$ 32,1 bilhões em 2011, e US$ 44,61 bilhões em 2012 (BRICS, 2013: 183). Diante disso, em 2006, a África do Sul reconheceu a China como economia de mercado. A partir de então, o país se tornaria o sexto principal destino das exportações chinesas, e passou a representar 20% do comércio sino-africano20. E preciso salientar que, sendo a maior parte das exportações chinesas para a África do Sul de produtos manufaturados, alguns setores da economia local têm sido duramente atingidos. É o caso da indústria têxtil e de vestuário que, desde 2005, foi fortemente pre-judicada, principalmente com a liquidação da Multifibras. Em 2006, este fato levaria o governo sul-africano a anunciar a adoção, por dois anos, de quotas para 31 categorias de têxteis e artigos de vestuário importados da China, com o objetivo de permitir a reestrutu-ração da indústria local e criar condições de competição com a produção chinesa (AFRICAN LABOUR RESEARCH NETWORK, 2009: 45). Porém, a medida se mostrou ineficaz, pois as importações da China foram substituídas por produtos oriundos de outros países, como Índia, Paquistão, Bangladesh, Vietnã e Zimbábue. No caso deste último, o crescimento das importações foi de 93%, o que, segundo especialistas, explica-se pela maquiagem dos artigos, com a colocação de etiquetas indicando uma origem, quando o produto, de fato, provém da China (AFRICAN LABOUR RESEARCH NETWORK, 2009: 45). Nas tabelas 6, 7, 8 e 9 abaixo, podemos ver alguns dados sobre o comércio entre China e África do Sul:

Tabela 6. Saldo da África do Sul na balança comercial com a China (2000/2015) – em milhões US$

Tabela 7. Comércio entre China e África do Sul em 2013 (artigos selecionados) – em mi-lhões US$.

 

Tabela 8. Comércio entre China e África do Sul em 2014 (10 principais artigos) – em mi-lhões US$

Tabela 9. Comércio entre China e África do Sul em 2015 (artigos selecionados) – em mi-lhões US$

Constata-se que o saldo da balança comercial, que foi desfavorável à África do Sul de 2005 a 2007, passou a ser positivo de 2008 a 2015, com acentuado crescimento em 2012. Mas há outros dados a serem salientados. Com efeito, quando se verificam os principais produtos comercializados em 2013, 2014 e 2015, chama a atenção tanto a queda do valor das exportações da China para a África do Sul como das exportações deste último país para a RPC. Isto explica, em grande medida, o crescimento continuado do saldo da balança comercial em favor da África do Sul. Por outro lado, nota-se que a China exporta para a África do Sul um volume muito maior de produtos industriais, com maior valor agregado. Porém, é preciso ressaltar que, em 2014 e 2015, os principais produtos exporta-dos pela China para a África do Sul referem-se a artigos manufaturados de baixo valor agregado, o que pode indicar uma tendência à destruição gradativa das indústrias traba-lho-intensivas sul-africanas. Isto tem provocado sérios efeitos. Exemplo é a estimativa de que, somente no ramo têxtil sul-africano, cerca de 70 mil empregos foram perdidos em virtude da concorrência chinesa (AFRICAN LABOUR RESEARCH NETWORK, 2009: 48).
Outro setor que tem sofrido é o de produção de bens de consumo duráveis, com perda de empregos industriais. Estes e outros fatos têm levado os empresários sul-africanos a acusarem judicialmente as firmas chinesas de dumping, uma vez que receberi-am fortes subsídios21. Quanto às principais exportações da África do Sul para a China, continuaram a se concentrar em minérios, diamantes e metais. Em resumo, e a despeito de duas décadas de crescimento das trocas entre os dois países, a balança comercial da África do Sul em relação à China continua fortemente dependente de produtos minerais.E nesse sentido, há mais um aspecto a ressaltar, referente ao fato de que o grande incremento das trocas entre os dois países não tem contribuído para reduzir o desempre-go na África do Sul, que permanece altíssimo, como se pode ver nas tabelas abaixo:

Tabela 10. População da África do Sul (em milhões de pessoas)

Tabela 11. África do Sul: população economicamente ativa (em milhões de pessoas)

Tabela 12. África do Sul: proporção da população desempregada (em %)

Como se pode ver dos dados apresentados acima, a população sul-africana tem cres-cido, em média, 1,47% ao ano. Todavia, fica claro que esse aumento se verifica principal-mente pelo incremento da população com mais de 25 anos. Ao mesmo tempo, a popula-ção entre 15 e 24 anos cresceu de 9 milhões, no ano 2000, para 10,5 milhões, em 2014, um aumento de 16,66%. Já o desemprego relativo a esta faixa etária cresceu de 45% em 2000, para 51,3% em 2014, totalizando um acréscimo de 6,3% no mesmo período. Ou seja:

a África do Sul não tem tido sucesso em criar empregos para sua população mais jovem, o que, com certeza, gera enorme desesperança e graves problemas sociais.

3.  O risco de desindustrialização da África do Sul

O modo de vida contemporâneo é resultado da industrialização. A Revolução Indus-trial dividiu o mundo entre ricos (países da Europa e EUA) e pobres. Posteriormente, al-guns poucos países da Ásia conseguiram dar um salto, alcançando o nível tecnológico exigido nas sociedades industriais da atualidade, como são os casos de Japão, Coréia do Sul e Taiwan. Hoje, estas nações têm um padrão de desenvolvimento pós-industrial, regis-trando aumento do desemprego, decréscimo da participação da indústria na geração de empregos e, principalmente, queda da participação da indústria no Produto Interno Bruto (PIB). Assim, o termo desindustrialização é utilizado para descrever transformações estru-turais nas economias avançadas, que registram indícios de declínio de seus setores indus-triais desde a década de 1950 (RODRIK, 2015).
Foi também a partir dos anos de 1950 que um grande número de países pobres ado-tou um modelo substitutivo de importações, possibilitando o surgimento de uma indústria de transformação. Recentemente, em muitas dessas nações, a participação industrial começou a encolher. Dessa forma, as economias subdesenvolvidas da África e da América Latina foram se transformando em economias de serviços, antes de completarem seus respectivos processos de industrialização. Esse efeito foi chamado de desindustrialização precoce (RODRIK, 2015). Rubens Ricupero aborda a diferença entre desindustrializaçãonormal e precoce. Segundo ele,

A desindustrialização precoce é a variante patológica da chamada "desin-dustrialização positiva". Quando a industrialização completa com êxito o processo do desenvolvimento, elevando a renda per capita a um nível al-to e autossustentável, o setor manufatureiro começa a declinar, em ter-mos relativos, como proporção do produto e do emprego. Isso ocorre em um contexto de crescimento rápido e pleno emprego, no momento em que se atinge renda per capita elevada. O fenômeno é patológico quando aparece em economias em que a renda permanece reduzida e em contex-tos de baixo crescimento. Nesse caso, o processo de industrialização a-bortou antes de dar nascimento a uma economia próspera de serviços, capaz de absorver a mão de obra desempregada pela indústria (RICUPE-RO, 2014).

A desindustrialização pode, em casos específicos, ocorrer devido a um efeito conheci-do como doença holandesa, referência à redução de competitividade dos produtos industri-ais holandeses após a exploração de gás natural pelo país na década de 1960 (CORDEN, 1984: 359). Os diversos casos de doença holandesa abriram caminho para a fundamentação da teoria da maldição dos recursos naturais. Em todo caso, foi comprovado que, historica-mente, as economias com abundância de recursos naturais registram taxas de crescimento menores que aqueles países com escassez. No século XVII, a Holanda, pobre em recursos naturais, superou a Espanha, a despeito da disponibilidade de ouro e prata em suas colônias do Novo Mundo. Nos séculos XIX e XX, a Suíça e o Japão, também carentes de recursos natu-rais, ultrapassaram economias que os detinham em grande quantidade, como é o caso da Rússia. Recentemente, Coréia do Sul, Taiwan, Hong Kong e Singapura emergiram no cenário internacional, enquanto países ricos em petróleo, como México, Venezuela e Nigéria falha-ram na superação do subdesenvolvimento. Por outro lado, podemos argumentar que eco-nomias com recursos abundantes, tais como Grã-Bretanha, EUA e Alemanha, estão na van-guarda do desenvolvimento industrial. Entretanto, à medida que mais e mais barateiam os custos de transporte, a proximidade de recursos naturais com a manufatura em uma eco-nomia nacional não constitui mais um fator preponderante: países como Japão e Coréia do Sul se tornaram produtores mundiais de aço, apesar de sua total dependência da importação de minério de ferro (SACHS; WARNER, 1995: 3-4).

Diversas pesquisas indicam que, em diferentes partes do globo, vem ocorrendo um deslocamento da produção de manufaturas para a Ásia, particularmente para a China (SA-LAMA, 2012; RODRIK, 2015). Ao mesmo tempo, o gigante asiático importa cada vez mais matérias primas e tem adotado uma estratégia de aproximação com o continente africano para assegurar o fornecimento de recursos primários necessários para o seu crescimento.
Considerando-se os fatos apresentados acima, e apesar de o saldo do comércio en-tre China e África do Sul ser favorável a este último, é possível indicar algumas razões pelas quais o país africano não tem obtido maiores vantagens com o incremento das trocas com a China. Com efeito, a África do Sul pode constituir um novo caso de doença holandesa, um processo estimulado pela exportação de minérios. Senão, vejamos.
Primeiramente, a entrada de investimentos chineses tem acentuado a valorização do rand, que se verifica desde a liberalização comercial, em 1995, com o consequente aumen-to das importações. No gráfico 1, abaixo, podemos ver o valor do rand em relação ao dó-lar, no período de julho de 1995 a janeiro de 2016:

Gráfico 1. Valor do rand (ZAR) em relação ao dólar (US$) – 3/7/1995 a 4/1/2016 (datas selecionadas)

Verifica-se que o rand se manteve valorizado em quase todo o período. Houve uma significativa desvalorização entre meados de 2001 e o início de 2002, mas, em janeiro de 2003, a moeda sul-africana já havia voltado ao patamar de julho de 2001. Ocorreu nova desvalorização entre meados de 2008 e o início de 2009 (coincidindo, portanto, com a eclo-são da crise econômica internacional), mas em meados de 2009 o rand havia se valorizado novamente. Uma desvalorização mais acentuada da moeda sul-africana só se daria a partir de meados de 2013, seguindo a desaceleração da economia chinesa, iniciada em 2012.

Neste ponto, convém levantar algumas considerações a respeito da questão do de-senvolvimento e da desindustrialização. Segundo Wilson Cano,

Desenvolvimento é o resultado de um longo processo de crescimento e-conômico, com elevado aumento da produtividade média, sem o qual o excedente não cresce o bastante para acelerar a taxa de investimento e diversificar a estrutura produtiva e do emprego. Esse processo intensifica a industrialização e urbanização para transformar de maneira progressista as estruturas sociais e políticas do país. Ademais, também se alterarão e modernizarão hábitos e costumes da sociedade. Quando um país se de-senvolve mostra alguns indicadores econômicos básicos que se aproxi-mam daqueles já obtidos pelos demais desenvolvidos: elevado nível de renda per capita e forte diminuição da participação do setor agrícola no Produto Interno Bruto (PIB) e no emprego. Passa, portanto, a ostentar menos de 10%, por força do aumento mais que proporcional obtido pelos setores de indústria e de serviços. A diminuição é apenas relativa, uma vez que o crescimento dos demais setores e da urbanização obrigam a a-gricultura a crescer, diversificar e modernizar-se, reduzindo a diferença de seus resultados em relação aos dos demais setores, para assim propor-cionar maior homogeneidade estrutural econômica e social. Se a industri-alização não avançar e diversificar-se, a modernização agrícola ficará obs-tada ou dependerá de grandes importações de insumos modernos e de bens de capital. Para que isso ocorra, a industrialização tem de avançar e crescer mais que os outros setores, aumentar a produtividade, alterar sua estrutura – no sentido de implantar os compartimentos de bens de capi-tal e intermediários, contribuindo, assim, para a diversificação da pauta exportadora e, se possível, para a melhoria das contas externas (CANO, 2012: 1-2).

Nesse sentido, é conveniente analisar a evolução do PIB sul-africano e as correspon-dentes participações dos setores primário, secundário e terciário na sua composição:

Tabela 13. África do Sul: dados selecionados das contas nacionais (2000/2015)

Ano Base: 2010 = 100
ZAR 1 = US$ 0,25 em 31/12/2010

Podemos constatar que, em termos nominais, tem ocorrido tanto o crescimento do PIB como a participação dos setores primário, secundário e terciário na sua composição. Porém, ao observar a tabela 14, abaixo, veremos que há um decréscimo lento, porém constante, da participação do setor secundário, ao mesmo tempo em que o setor terciário permanece abrangendo cerca de 60% do PIB. Quanto ao setor primário, houve pequeno aumento da participação entre 2007 e 2013, mas a partir de então, voltou aos patamares do ano 2000.

Tabela 14. África do Sul: dados selecionados das contas nacionais (2000/2015)

Ano Base: 2010 = 100

Por outro lado, analisando-se- as tabelas 15 e 16, abaixo, seria possível argumentar que a produção industrial e a produção de eletricidade têm-se mantido relativamente constantes, o que poderia significar a não existência de um processo de desindustrializa-ção na África do Sul. Senão, vejamos:

Tabela 15. África do Sul: índice de produção industrial (2000/2014) – Ano precedente = 100

Tabela 16. África do Sul: produção de eletricidade (2000/2012) – em bilhões kw/h

Entretanto, a simples análise do setor secundário como um todo talvez não caracte-rize a realidade, porquanto o crescimento da indústria extrativista pode estar ocultando a existência de uma crise da indústria manufatureira. Nesse sentido, analisemos o gráfico 2, a seguir:

Gráfico 2. Indústria de transformação (valor adicionado, % do PIB)

Como se pode verificar no gráfico, a partir da década de 1990, a África do Sul iniciou um processo consistente de redução da indústria de transformação no PIB, que passou de 23,6% em 1990, para 13,2% em 2015. Essa retração representa uma queda da relevância do setor da ordem de 56% em 25 anos. Diante desses dados e da evidência de manutenção de um câmbio valorizado, é importante lembrar a advertência feita por Luiz Carlos Bresser Pereira: O des

países que se desenvolveram no século XX, como o Japão, a Alemanha e a Itália e, mais recentemente, os países asiáticos dinâmicos, contaram sem-pre com taxas de câmbio que viabilizavam o desenvolvimento da indús-tria manufatureira. Estudos econométricos recentes têm confirmado esse fato. Por outro lado, a teoria econômica ensina que os países em desen-volvimento deveriam crescer mais rapidamente do que os ricos, (...) por-que esses países contam com mão de obra mais barata para competir in-ternacionalmente e porque podem imitar e comprar tecnologia a custo relativamente barato. (...) Na maioria dos casos dos países em desenvol-vimento, entretanto, (...) desde 1980 (...) as taxas de crescimento por ha-bitante são inferiores às que prevalecem nos países ricos. Provavelmente, uma das razões mais importantes desse resultado é a doença holandesa (...) (BRESSER PEREIRA, 2010: 117).

De acordo com o autor, a doença holandesa ou maldição dos recursos naturais ca-racteriza-se como

(...) uma falha de mercado decorrente da existência de recursos naturais baratos e abundantes usados para produzir commodities (e da possível elevação dos preços destas) que são compatíveis com uma taxa de câm-bio mais apreciada do que aquela necessária para tornar competitivos os demais bens comercializáveis. Ao utilizarem recursos baratos, as respecti-vas commodities causam a apreciação da taxa de câmbio porque podem ser rentáveis a uma taxa mais apreciada do que a necessária pelos outros bens comercializáveis produzidos com a melhor tecnologia disponível no mundo. Os recursos são "baratos" porque dão origem a rendas ricardia-nas para o país, ou, em outras palavras, são baratos porque seus custos e correspondentes preços são menores do que aqueles existentes no mer-cado internacional (BRESSER PEREIRA, 2010: 121).

Contudo, Bresser Pereira ressalta que a doença holandesa não constitui o único ele-mento que leva à apreciação da taxa de câmbio nos países subdesenvolvidos. Para ele, há uma série de fatores que contribuem para o fenômeno, tais como

(...) a maior rentabilidade dos investimentos nos países em desenvolvi-mento que atrai capitais externos e pressiona a taxa de câmbio para bai-xo; a proposta de "aprofundamento financeiro", ou seja, de aumento das taxas de juros nos países em desenvolvimento para atrair capitais exter-nos; o populismo cambial praticado por políticos irresponsáveis que está baseado em taxa de câmbio apreciada; a tentação sempre presente de usar a apreciação do câmbio para controlar a inflação; e a política de crescimento com poupança externa proposta pelos países ricos (...) que implica em déficits em conta corrente (BRESSER PEREIRA, 2010: 121-122).

Em face desses comentários, observe-se o gráfico 3, abaixo:

Gráfico 3. Taxa de Juros Real (%), África do Sul

Podemos observar que a taxa de juros real na África do Sul, ou seja, o valor da taxa de juros nominal menos a taxa de inflação, tem-se mantido elevada nos últimos vinte anos. Dessa forma, o investimento produtivo se torna menos atraente que investimentos especulativos no mercado financeiro. E, conforme apontado por Bresser Pereira, a taxa de juros real elevada atrai capitais estrangeiros e valoriza a moeda local. Logo, muitos países subdesenvolvidos que conheceram processos importantes de industrialização, como é o caso da África do Sul, estão enfrentando uma ameaça de desindustrialização precoce, provocada pela convergência de juros elevados, baixo crescimento, câmbio sobrevalorizado e abertura comercial, o que dificulta a adoção de políticas industriais e fragiliza essas economias. A seguir, apresentamos dados relativos ao valor de venda de produtos selecionados, no período de 2000 a 2013:

Tabela 17. África do Sul: valor das vendas por produto (2000/2013) – em milhões ZAR (US$ 1 = ZAR 11,851 em 18/5/2015

Como se pode verificar, entre 2000 e 2015, o PIB da África do Sul cresceu constan-temente, mas a participação da indústria como componente do PIB reduziu-se de 22,34% em 2000, para 18,44% em 2015, uma diferença negativa de 3,90% (Ver tabela 14). Ao mesmo tempo, tanto o índice de produção industrial como o de fornecimento de eletrici-dade têm se mantido razoavelmente estáveis. Quanto ao valor das vendas por produto, nota-se que apenas o setor têxtil apresenta queda, ao passo que o setor calçadista tem crescido muito pouco.

Finalmente, há alguns outros elementos que precisam ser levados em conta no que diz respeito à evolução recente da economia sul-africana. De fato, a renda per capita da população era de US$ 6.483 em 2014 (BRICS, 2016: 14), o segundo índice mais baixo entre os países dos BRICS. Ao mesmo tempo, o coeficiente de Gini de 2011 era de 0,65 (BRICS, 2016: 14), o mais alto do grupo, indicando que a África do Sul continua sendo um país extremamente desigual e que o crescimento da economia não tem contribuído para mu-dar significativamente essa situação.

Conforme as análises e os dados apontados acima, podemos levantar a hipótese de que a África do Sul corre sério risco de desindustrialização. Primeiramente, devemos con-siderar a cotação do rand, que só apresentou significativa desvalorização a partir de mea-dos de 2013. Em segundo lugar, destaque-se uma relativa crise na indústria local, que no período entre 2000 e 2015 reduziu sua participação no PIB em quase 4%. Do mesmo mo-do, não tem apresentado crescimento em seu índice de produção. Acrescente-se que a participação do setor secundário tem se mantido mais estável do que os números relativos apenas à indústria de transformação, podendo indicar que a indústria extrativista esteja em crescimento. Por outro lado, não se verifica aumento da participação do setor primário como proporção do PIB, enquanto a participação do setor terciário mantém-se muito elevada. Por fim, há que se levar em conta o altíssimo índice de desemprego, que não permite o aumento da renda da população.

Finalmente, é possível perceber os efeitos do aumento da competição em relação à produção da indústria trabalho-intensiva chinesa, pois somente nos setores de calçados, roupas e tecidos, os produtos oriundos da China respondem por mais de 50% das importa-ções sul-africanas, gerando também grande impacto no crescimento econômico e no em-prego, especialmente entre os grupos de baixa renda que, na verdade, constituem a maio-ria da população (AFRICAN LABOUR RESEARCH NETWORK, 2009: 308-309).

4.  Considerações finais

O processo de industrialização substitutiva de importações, iniciado na África do Sul na década de 1920, entrou em crise nos anos de 1970. Vários fatores contribuíram para isso: a crise econômica mundial daquele decênio, o colapso dos bantustões e a mudança de postura das nações ocidentais em relação ao regime de apartheid, que provocou o isolamento crescente do país. No início da década de 1980, houve uma breve reversão

desse isolamento, pois o governo de Ronald Reagan, nos EUA, buscou inserir a África do Sul em sua estratégia global de enfrentamento do comunismo, e o país passou a combater os movimentos guerrilheiros e os regimes de esquerda no subcontinente. Mas a partir de meados daquele decênio, a retomada da resistência ao regime racista, o consequente agravamento da repressão e o fim da guerra fria levaram novamente ao completo isola-mento da África do Sul.

Podemos considerar que a resposta das elites brancas sul-africanas, de desenvolver uma estratégia que permitisse o fim do apartheid com a manutenção de seus privilégios econômicos, gerou novos e graves problemas para a África do Sul, acentuando os antigos. A adoção do ideário neoliberal, preconizado no Consenso de Washington, levou à aceita-ção da posição do país na nova divisão internacional do trabalho como fornecedor de produtos primários (especialmente minérios) para o mercado mundial, e importador de artigos industrializados e tecnologia.
Quando o CNA chegou ao poder, em 1994, com a eleição de Nelson Mandela, a Áfri-ca do Sul encontrava-se em gravíssima crise econômica. O partido, contudo, manteve em grande medida a política econômica neoliberal, o que agravou sobremaneira as condições de vida da população mais pobre.

Em busca de alternativas para superar a crise, o CNA procurou estabelecer uma par-ceria econômica com a China. De fato, esse contato contribuiu para a retomada do cresci-mento econômico. E quando se verificam os resultados até o momento obtidos neste comércio, a primeira impressão é de que ele somente traz benefícios à África do Sul. En-tretanto, a análise mais acurada dos dados nos permite perceber a constante e crescente dependência do país em relação à exportação de minérios, levando-nos a considerar que a exploração de recursos naturais tem apreciado o rand de tal forma que o desenvolvimento industrial tem sido afetado, a ponto de a indústria de transformação ter perdido 56% de sua relevância na economia sul-africana.
A nosso ver, e de acordo com os dados apresentados, o risco de uma desindustriali-zação precoce na África do Sul não pode ser descartado. Ainda que este processo se verifi-que em diversas regiões do globo, pobres e ricas, no caso sul-africano o agravante é a ocorrência de uma desindustrialização antes que haja aumento geral da renda e da dina-mização da economia. Lembremos que, na História Econômica, não há registro de país que tenha se desenvolvido sem se beneficiar dos ganhos que o processo de industrialização proporciona. Ademais, as regiões que conheceram processos de desindustrialização tam-bém vivem, em decorrência, um problema crônico de desemprego. Assim, e analisando os números do desemprego na África do Sul, podemos observar que estes índices são dema-siadamente altos, e sua elevação pode conduzir o país a um colapso econômico e social, impedindo que o país supere as mazelas do subdesenvolvimento, entre as quais se desta-cam os altos índices de pobreza.

Referencias

4 Em 1948, com a vitória eleitoral do Partido Nacional (PN), o apartheid passou a se configurar como um projeto de Estado, caracterizado por uma política baseada no princípio de dividir para dominar: o objetivo era permitir a sobrevivência da hegemonia branca por meio do estabelecimento de classificações para a população não branca, com fundamento em linhas raciais e étnicas. Essa estratégia, além de provocar a divisão da maioria em inúmeros grupos minoritários, criou também categorias intermediárias marginaliza-das – os chamados coloured e os indianos – com a finalidade de impedir a emergência de um movimento de resistência unificado. Dessa forma, já em 1950, foi aprovada a Lei de Áreas de Grupo, que estabelecia a segregação em zonas residenciais e de negócios, bem como o controle das ações inter-raciais relativas à propriedade. No ano seguinte, entraram em vigor duas normas: a Lei de Autoridades Banto, que reconhecia a existência de autoridades tribais, regionais e territoriais, e a Lei de Prevenção à Usurpação, que permitia ao governo estabelecer campos de reassentamento para os excedentes populacionais despejados das fazendas brancas. Em 1954, a Lei de Reassentamento Negro autorizava o Estado a remover africanos de qualquer área do distrito de Johanesburgo e adjacências, e em 1959, a Lei de Promoção de Auto-Governo Banto criou reservas que passaram a ser consideradas como terra natal dos negros sul-africanos, os chama-dos bantustões.

5 O acrônimo BRIC surgiu pela primeira vez em um estudo elaborado pelo Banco Goldman Sachs em 2003, no qual se previa uma nova divisão internacional do trabalho, em que Brasil e Rússia exerceriam as funções de produtores de alimentos, petróleo e matérias primas. Em função da concentração de tecnologia e mão-

de-obra barata e abundante, a Índia ficaria encarregada do fornecimento de serviços, e à China caberia o papel de produtora de manufaturas. A África do Sul foi incorporada ao grupo em dezembro de 2010, e a partir de então a sigla referente à união desses cinco países passou a ser conhecida como BRICS.

6 A estratégia sul-africana de substituição de importações provocaria uma concentração de renda ainda maior que aquela verificada na América Latina, porquanto o crescimento econômico era baseado no corte racial (MENDONÇA, 2008).

7 Entre 1946/1974, o crescimento médio do PIB foi de 4,9%. Na década de 1970, essa taxa seria reduzida para uma média de 1,9%, e na década de 1980 para 1,5% (CATCHPOWLE; COOPER, 1999).

8 Isso acabou por gerar pressões pelo aumento da exportação de manufaturas. Porém, esta solução era muito difícil, tendo em vista o isolamento internacional crescente, que dificultava qualquer negociação pela redução de tarifas. Dessa forma, o baixo crescimento econômico da década de 1980 pode ser creditado à necessidade de o PN manter o controle do desenvolvimento econômico para acomodar o sistema de apar-theid por meio da tentativa de perpetuar a aliança entre o setor agrícola, controlado por brancos, e ostrabalhadores urbanos brancos, com vistas a fortalecer uma burguesia urbana afrikaner. Assim, a falta de uma política de exportação e de investimentos do Estado nos setores estratégicos da indústria, a falta de educação e de qualificação adequadas e o precário funcionamento do mercado de trabalho levariam à estagnação.

9 Durante o período colonial, surgiu uma elite de formação ideológica ocidental, que pretendia ser uma ligação entre o poder colonial e as massas. Na África, como em muitas regiões do mundo, o nível de educa-ção define, em grande medida, a posição do indivíduo na sociedade. Os colonialistas pretendiam, com a formação de uma pequena elite intelectual dependente, formar quadros que assegurassem sua dominação. Essa pequena minoria ocupa, portanto, lugares-chave na vida política e econômica dos países africanos (NKRUMAH, 2016).

10 Para se ter idéia do tamanho da empreitada, é preciso considerar que em 1995 a população sul-africana era de aproximadamente 42 milhões de habitantes. Destes, cerca de 31 milhões eram negros (76%), e os brancos constituíam um contingente de apenas 13%. Ainda, do total da população em 1995, 48% viviam em áreas rurais. Isto significa uma enorme pressão, não apenas sobre a terra, mas também sobre as zonas urbanas, porquanto a densidade populacional passou de 19 para 34 habitantes/km² entre 1970 e 1995. Assinale-se que essa taxa não é uniforme, verificando-se grande variedade entre as diversas províncias. Ademais, é preciso levar em conta que, segundo dados do Banco Mundial – Banco Internacional para Re-construção e Desenvolvimento (BIRD), em 1995, cerca de 95% dos pobres eram negros. O problema se torna ainda mais grave se considerarmos a questão do desemprego. De fato, se em 1995 o índice de deso-cupação era de 5,5% entre os brancos, chegava a 37% entre os negros (THWALA, 2004).

11 Entre 1996 e 1999, a expansão do setor informal chegava a 84% dos cerca de 1,1 milhão de empregos criados, sendo que a força de trabalho havia sofrido um acréscimo, no mesmo período, de aproximadamen-te 3,1 milhões (HOOGEVEEN; ÖZLER, 2005: 4).

12 Sobre a questão do desemprego e da disparidade de renda entre negros e brancos, tomem-se os dados de 1995 relativos à renda mensal média por domicílio. No caso da população negra, a renda era de US$ 28,1, enquanto, entre os brancos, atingia US$ 505. Quanto ao consumo mensal médio por domicílio, 53% da população (os 40% mais pobres) eram responsáveis por menos de 10%, ao passo que os 10% mais ricos atingiam 40% do consumo (THWALA, 2004: 3-5). A implantação do GEAR agravaria muito essa situação, pois em 2000 mais de 2/3 dos sul-africanos negros viviam na pobreza, sendo que 40% dispunham de menos de US$ 1/dia. Por outro lado, a pobreza aumentou, tanto nas áreas rurais como nas zonas urbanas. No campo, se aqueles que viviam com menos de US$ 1/dia constituíam menos de 45% da população, em 1995, este índice corresponderia à metade da população rural em 2000. Quanto às zonas urbanas, a pobreza aumen-tou de 36% para 40% no mesmo período (HOOGEVEEN; ÖZLER, 2005: 9-10). Ademais, pesquisas indicam que, apenas entre 1999 e 2002, 4 milhões de sul-africanos tornaram-se pobres (ROBERTS, 2004: 8). Esses dados se refletem diretamente na questão da subnutrição infantil: durante a década de 1990, o número de crianças abaixo do peso subiu de 9,3% para 10,3%, e o retardamento mental na faixa de 1 a 6 anos aumen-tou de 22,9%, em 1994, para 23,3%, em 1999 (ROBERTS, 2004: 13).

13 Ao final de 2001, menos de 2% das terras haviam sido transferidas para a população negra, e das 68.878 petições apresentadas com o propósito de reivindicar restituição, apenas 12.678 haviam sido julgadas, significando benefício para menos de 40.000 domicílios predominantemente urbanos, dos quais cerca de 40% receberam compensação monetária e não terras (THWALA, 2004: 8-9). Outros dados que ilustram a ineficiência da proposta de reforma agrária referem-se ao fato de que, embora o GEAR previsse a distribui-ção de 25,5 milhões ha, até 1999 apenas 480.400 ha haviam sido entregues a 45.454 famílias. Diante de tal fracasso, em agosto de 2001 o governo lançou o Programa de Redistribuição de Terras para o Desenvolvi-mento Agrícola. Porém, mais uma vez a proposta estava voltada para o mercado, porquanto o público-alvo era eminentemente composto de fazendeiros de tempo integral. Isto se comprova facilmente pelo fato de que o programa previa a exigência de uma contribuição mínima por parte dos beneficiários de cerca de US$ 500, o que, evidentemente, excluía em definitivo a maioria dos pobres do campo. Ademais, dentro da previsão orçamentária, somente 0,33% eram destinados ao Departamento de Assuntos Agrários. Diante

disso, estudos apontaram para a perspectiva de que seriam necessários 150 anos para completar o proces-so de restituição de terras, e de 125 anos para que a redistribuição chegasse ao fim. Nesse quadro, o que se verifica é a manutenção da extrema desigualdade na distribuição da renda rural, conseqüência direta dos padrões de posse da terra. O setor agrícola permanece sob o domínio de cerca de 60 mil grandes fazendei-ros, sendo que a maioria deles é branca. Ao mesmo tempo, o acesso aos recursos naturais é negado a mais de 13 milhões de pessoas que vivem em áreas marginais, e a 7 milhões de trabalhadores daquelas fazendas (THWALA, 2004: 9-10).

14 Como se vê, a opção do governo do CNA pela estratégia preconizada pelo Consenso de Washington agravou a pobreza e a miséria da grande maioria da população sul-africana. E embora muitos autores afirmem que a pobreza deixou de ser determinada por fatores raciais, baseando-se, depois de 1994, na posição social, a questão nos parece bizantina, tendo em vista que, na África do Sul, ser negro e ser pobre são, em grande medida, a mesma coisa (SEEKINGS, 2005).

15 Ao analisar as relações comerciais entre China e África do Sul, é preciso dividi-las em duas fases. A primeira delas, a partir da década de 1960, marcada por trocas oficiais com Taiwan, ao mesmo tempo em que a RPC fornecia ajuda para os grupos que lutavam contra o apartheid, especialmente o CNA. A segunda fase teve início na década de 1990, quando ocorreu a democratização da África do Sul e a ascensão de Nelson Mandela à presidência do país. Na primeira fase, as relações diplomáticas entre Taiwan e África do Sul foram estabeleci-das oficialmente em 1962, e as respectivas representações receberam status de embaixadas em 1976. Era um contato baseado, fundamentalmente, no anticomunismo e no compartilhamento de uma situação internacio-nal de Estados-párias, e Taipei ignorava sumariamente as sanções impostas ao governo sul-africano. No tocan-te às relações comerciais, as empresas de Taiwan investiam principalmente no setor têxtil e no comércio varejista e, entre as décadas de 1960 e 1990, estima-se que cerca de 10 mil taiwaneses emigraram para a África do Sul. Já a segunda fase, teve início em 1989, quando o governo sul-africano enviou mensagem a Pe-quim com vistas a estabelecer relações diplomáticas formais. A resposta chinesa foi impor, como pré-condições, o fim do apartheid e o cancelamento dos contatos com Taiwan. Assim, quando o regime racista enfim se desmantelou, em 1991, as negociações foram retomadas. Finalmente, em novembro de 1997, a África do Sul aderiu ao princípio de uma só China, rompendo relações diplomáticas com Taiwan. O reconhecimento da RPC se daria em janeiro de 1998 (SEEKINGS, 2005: 301-302).

16 Destaque-se também que muitas das empresas sul-africanas com presença na China estão registradas em outros países ou em Hong Kong, de onde controlam suas operações, uma vez que essas firmas temem o problema do reconhecimento da propriedade intelectual. Em relação a essa questão, o exemplo mais significativo é o da SASOL, que desenvolveu tecnologia para extração de petróleo do carvão. Evidentemen-te, com suas enormes reservas desse minério, o governo chinês logo manifestou interesse por um acordo, firmado em junho de 2006, com o estabelecimento de uma sociedade com empresas nativas em duas usinas no nordeste do país (KAPLINSKY; McCORMICK; MORRIS, 2007: 32).

17 Os principais exemplos são: 1) Zijin Mining, que adquiriu 20% da Ridge Mining, mineradora de platina; 2) Sinosteel, que comprou a mina de cromo da Tweefontein e 50% de uma fundição da Samancor Chrome's Tatse, além de participar de uma joint-venture com a Limpopo Economic Development Enterprise (LIMDEV) para a criação da ASA Metals; 3) Jisco, siderúrgica que adquiriu 29,1% da International Ferro Metals; e 4) China Min-metals Development Company, braço da estatal Shangai Minmetals Group, que entrou em entendimentos coma Mission Point e a Versatex of South Africa para a aquisição dos direitos de exploração de um depósito de ferrocromo no valor de US$ 4,5 milhões (KAPLINSKY; McCORMICK; MORRIS, 2007: 314-315).

18 Somente em Johanesburgo, calcula-se que vivem 160 mil chineses (KAPLINSKY; McCORMICK; MORRIS,2007: 47).

19 Essa imigração tem gerado tensões com a comunidade de chineses nascidos na África do Sul, os quais, durante o regime de apartheid, eram classificados como coloured e, portanto, sujeitos à discriminação. Assim, e tendo em vista as políticas afirmativas adotadas a partir da democratização, a Suprema Corte sul-africana determinou, em 2008, que os indivíduos de origem chinesa que obtiveram a cidadania antes de 1994 fossem incluídos na categoria de negros, o que lhes permite obter vantagens de acordo com as leis de empoderamento (KAPLINSKY; McCORMICK; MORRIS, 2007: 315-316).

20 Isso se explica não só por ser o país mais desenvolvido do continente, como também por ser riquíssimo em minérios. De fato, a África do Sul é o maior produtor mundial de ouro (14% da produção global e 40,1% das reservas conhecidas), além de possuir 87,7% do estoque de platina, 80% de manganês, 72,4% de cromo e 27% de vanadium (LAFARGUE, 2005: 2; e DALY, 2008: 2).

21 Exemplo marcante é o caso do fornecimento de pias de cozinha de aço inoxidável, pois os produtos chineses seriam vendidos abaixo do preço da própria matéria-prima local. Diante do crescimento das im-portações, de 0% para 60%, em apenas três anos, a Franke Kitchen Systems, subsidiária do grupo suíço Franke, denunciou o fato de que as pias chinesas receberiam subsídios da ordem de 47,7% do valor doproduto, além de diversos incentivos, como prêmios por desempenho nas exportações, e empréstimos, tarifas e câmbios preferenciais, o que vinha ameaçando 500 empregos na África do Sul. Contudo, pressões chinesas sobre a matriz suíça levaram à retirada do processo (AFRICAN LABOUR RESEARCH NETWORK, 2009: 310-311). A competitividade dos artigos chineses, que afeta a produção sul-africana, manifesta-se também no mercado internacional. É o caso, por exemplo, dos móveis para jardim: em 2005, uma mobília produzida na África do Sul era negociada por 60 libras, enquanto os produtos oriundos do Vietnã e da China podiam ser obtidos por 38 e 30 libras, respectivamente (AFRICAN LABOUR RESEARCH NETWORK, 2009: 47).

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