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Estudios económicos

versão On-line ISSN 2525-1295

Estud. econ. vol.40 no.81 Bahía Blanca  2023

 

Artículos

TRANSMISSÕES PARENTAIS DA EDUCAÇÃO PARA OS TRABALHADORES E A POBREZA NO BRASIL°

PARENTAL TRANSMISSIONS OF EDUCATION FOR WORKERS AND POVERTY IN BRAZIL

Magno Rogério Gomes1  magnogomes@uel.br

Marina Silva Cunha2  mscunha@uem.br

Solange de Cassia Inforzato de Souza3  soinfor@uel.br

1Universidade Estadual de Londrina, Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-7536-8710. E-mail: magnogomes@uel.br, profmagnogomes@gmail.com.br

2Universidade Estadual de Maringá, Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-9122-3944. E-mail: mscunha@uem.br

3Universidade Estadual de Londrina, Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-9806-2319. E-mail: soinfor@uel.br, solangecassia@uol.com.br

Resumo

Este artigo tem por objetivo analisar empiricamente a transmissão parental da educação para trabalhadores ocupados no mercado de trabalho, segundo a condição socioeconômica no Brasil. Para isso, aplicaram-se os modelos Logit com base nos microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2014. Validou-se a reprodução intergeracional da educação para os trabalhadores brasileiros e a heterogeneidade entre as posições socioeconômicas: entre os pobres há persistência intergeracional da menor escolaridade e baixa mobilidade ascendente educacional entre gerações; entre os não pobres, essa manutenção parental do nível educacional está na alta escolaridade. A ocupação primária dos pais e residir no meio urbano reduzem a chance de reprodução do legado educacional dos pais, e ser mulher, branco e morar nas regiões desenvolvidas aumenta essas chances. Os resultados confirmam que a persistência educacional para trabalhadores de baixa instrução, maior para os pobres, alimenta o ciclo da pobreza, e oferece suporte para a manutenção das desigualdades históricas no país.

Palavras-chave legado educacional; pobreza; transmissão parental

Abstract

This article aimed to analyze empirically the parental transmission of education to workers employed in the labor market according to the socioeconomic status in Brazil. For this, Logit models were applied based on microdata from the 2014 Brazilian Household Sample Survey. The intergenerational reproduction of education for Brazilian workers and the heterogeneity between socioeconomic positions were validated. Among the poor, there is intergenerational persistence of lower education and low educational upward mobility between generations. On the other hand, among the non-poor, this parental maintenance of educational level is in high schooling. The parents’ primary occupation and living in urban areas reduce the chances of reproducing the parents’ educational legacy, while they increase for women, white people and those residing in developed regions. The results confirmed that the educational persistence for low-educated workers, greater for the poor, feeds the cycle of poverty and supports the maintenance of historical inequalities in the country.

Keywords educational legacy; poverty; parental transmission

INTRODUÇÃO

A pobreza e os contrastes econômico-sociais no Brasil têm se constituído elemento fundamental na agenda de pesquisa acadêmica, particularmente sobre o papel da educação e da transmissão educacional entre as gerações como determinantes dos rendimentos e da renda dos indivíduos, e como fatores prováveis de superação da situação da pobreza e das desigualdades estabelecidas historicamente no país. De forma geral, as evidências empíricas da persistência da pobreza envolvem a transmissão da renda, da profissão e/ou da educação dos pais para os filhos.

Estudos prévios sobre a transmissão educacional de pais para filhos na América Latina e Brasil, como os de Daude e Robano (2015); Ferreira e Veloso (2003); Mahlmeinster et al. (2019); Gonçalves e Neto (2013); Longo e Vieira (2017) e Leite e Justo (2020), mostram que há alta e heterogênea persistência educacional entre gerações no país e região, revelada pela menor mobilidade de educação de indivíduos cujos pais são de menor escolaridade, se os indivíduos são negros, mulheres e moradores de regiões menos desenvolvidas. Todavia, no Brasil, há escassez de pesquisa que aborde a relação da mobilidade educacional ou a sua persistência, segundo as condições socioeconômicas dos indivíduos. O legado educacional entre as gerações pode ser benéfico, se os pais têm alta instrução, ou prejudicial, se apresentam baixa escolaridade. Nesse último caso, de alguma forma, os filhos inclinam-se para o mesmo caminho educacional dos pais, em um ciclo vicioso que pode ser mais perverso se os indivíduos se localizarem na classe menos favorecida no país.

Ademais, a literatura econômica encaminha atenção para a relevância da herança educacional como determinante de mobilidade ocupacional e de renda dos trabalhadores. Os estudos de mobilidade socioeconômica usualmente comparam as diferenças de renda entre pais e seus filhos adultos (Guimarães et al., 2020; Ferreira & Veloso, 2003; Antigo, 2010 e Piketty, 2000). Na perspectiva ocupacional, a influência do background familiar é evidenciada no Brasil e em outros países (Laband & Lentz, 1983; Harper, 1997; Sjogren, 2000; Constant & Zimmermann, 2003; Tsukahara, 2007, Shilpi & Emran, 2010, Thijssen & Wolbers, 2016; Bello & Morchio, 2022).

Teoricamente, as escolhas educacionais das pessoas são condicionadas por suas habilidades individuais que são não observáveis, como o talento e a vocação, pela sua orientação para o futuro, pela prospecção de rendimentos futuros, pela idade (Ehrenberg & Smith, 2012), mas, também, pelo background familiar. O aspecto chave é de que há uma persistência intergeracional da educação, e a abordagem padrão para a sua análise baseia-se na mensuração do desempenho educacional dos pais e inferência deste desempenho sobre a performance do filho, como os realizados por Daude & Robano (2015); Ferreira & Veloso (2003); Gonçalves & Neto (2013); Mahlmeister et al. (2019) e outros.

Apesar das relevantes evidências científicas divulgadas até o momento, esta pesquisa evolui para outras contribuições que realçam a heterogeneidade social e de mercado de trabalho: incorpora os indivíduos trabalhadores inseridos no mercado de trabalho, que representam uma parcela significativa da população em idade ativa e da população economicamente ativa no Brasil. A educação dos trabalhadores é um dos fatores mais relevantes para o entendimento das assimetrias salariais e de inserção no mercado de trabalho desses trabalhadores. Ao mesmo tempo, a inclusão da situação socioeconômica desses trabalhadores esclarece a associação entre a (i)mobilidade da educação entre gerações e a pobreza no país. A baixa mobilidade ascendente da educação, especialmente para os mais pobres, pode reproduzir a desigualdade socioeconômica historicamente enraizada no Brasil; seu esclarecimento abre espaço para promover as transformações necessárias no país.

Este estudo busca analisar os mecanismos de transmissão parental da educação no Brasil para os indivíduos inseridos no mercado de trabalho, segundo as condições socioeconômicas dos indivíduos no Brasil. Para isso foram estimadas as probabilidades do legado educacional para os trabalhadores, a partir dos modelos Logit e da utilização dos microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do ano de 2014, que traz o mais recente suplemento de pesquisa referente à mobilidade sócio-ocupacional e educacional do morador. Este trabalho testa a hipótese geral de que a educação dos pais pode condicionar o nível de instrução dos filhos, e o legado parental educacional proporciona um ciclo vicioso da pobreza se os filhos pertencem à classe econômica dos pobres e um ciclo virtuoso da riqueza, se os herdeiros pertencem à classe dos não pobres. Essas evidências podem contribuir para apontar ações de superação da pobreza no país.

Além desta introdução, este artigo está organizado em 5 seções. A próxima seção exibe a revisão de literatura sobre o legado educacional. A seção 3 trata das bases de dados, PNAD/2014 (suplemento sobre mobilidade sócio-ocupacional) e dos métodos utilizados na pesquisa. Posteriormente, descrevem-se os resultados e a sua interpretação na seção 4. Por fim, expõem-se as conclusões do trabalho.

I. ABORDAGENS TEÓRICAS E EMPÍRICAS SOBRE AS TRANSMISSÕES EDUCACIONAIS ENTRE GERAÇÕES

Teoricamente, a inserção do indivíduo no mercado de trabalho passa por uma rede de fatores individuais e sociais, que pode ser influenciada pela sua formação educacional, pelas características do mercado de trabalho e pela discriminação econômica. Todavia, o background familiar deve ser levado em consideração pelos indivíduos e, nesse sentido, Becker e Tomes (1979) e Almeida e Melo-Silva (2011) assumem a pessoa como parte de uma família cujos membros abrangem várias gerações. A renda dos filhos pode ser aumentada quando recebem mais capital humano e recursos financeiros de seus pais e dependem das conexões familiares. Portanto, o futuro de um indivíduo está ligado aos pais, seja através de investimentos educacionais, seja pelas dotações transmitidas pelos pais e/ou por outros membros da família.

Em atenção aos atributos educacionais adquiridos pelo indivíduo, em um arcabouço teórico denominado de teoria do capital humano, cujos principais expoentes são Mincer (1958); Schultz (1961); Becker (1962); Becker e Chiswick (1966), a escolaridade e a experiência são determinantes da produtividade e dos rendimentos e inserção no mercado de trabalho. Segundo Lima (1980), os salários são determinados por características inatas e adquiridas. Características adquiridas, produtivas, são aquelas sobre as quais os indivíduos têm a capacidade de escolha de adquiri-las ou não, como investimento em capital humano, educação e treinamentos. As características inatas, não produtivas, são aquelas que não podem ser alteradas pelo indivíduo, como raça, sexo, origem geográfica, classe social entre outras.

Dadas as características produtivas dos indivíduos, e, na ausência de salários compensatórios, a persistência dos hiatos salariais e de absorção no mercado de trabalho pode ser atribuída pela discriminação. Para Becker (1966) e Becker e Chiswick (1971) existe discriminação econômica contra membros de um grupo sempre que houver preferências para contratação e/ou que os salários pagos sejam menores já descontadas as diferenças pelas habilidades individuais. Além disso, de acordo com a teoria da segmentação, o posto de trabalho é o causador das desigualdades no mercado de trabalho. Para Doeringer e Piore (1970), os trabalhadores são segmentados em dois tipos de mercado, o primário e o secundário: o mercado primário é caracterizado por empregos estáveis, salários relativamente altos, alta produtividade, progresso técnico. O mercado secundário, por sua vez, é caracterizado por alta rotatividade de mão de obra, salários baixos, más condições de trabalho, baixa produtividade, estagnação tecnológica.Vietorisz e Harrison (1973) escrevem que a segmentação também surge pelas diferenças tecnológicas entre as atividades econômicas, e Lima (1980), à luz dos estudos de vários autores, indica que as desigualdades no mercado de trabalho decorrem de um processo histórico e da existência de diferentes classes sociais, destacando a responsabilidade do sistema educacional na manutenção de uma relativa imobilidade ocupacional e social intergerações.

A problemática da mobilidade intergeracional econômica está ampla e empiricamente divulgada nos meios acadêmicos no Brasil e no mundo e, de forma geral, trata da persistência ou mobilidade intergeracional da renda, das ocupações e da educação. Do ponto de vista da transmissão parental da educação, Daude e Robano (2015) estudaram o grau de mobilidade educacional intergeracional na América Latina, com os dados do Latinobarómetro em 2008. Todas as medidas de mobilidade apontaram uma baixa mobilidade intergeracional para a América Latina e a importância do background educacional dos pais na determinação do sucesso educacional dos filhos. Apesar de não ser suficiente, a educação dos pais é fator importante para entender as diferenças educacionais dos filhos e a persistência da desigualdade econômica através das gerações na região. Alertam que os retornos da educação podem promover a mobilidade, mas eles também podem criar uma situação de meritocracia herdada, por causa das barreiras que os segmentos mais baixos da distribuição de renda enfrentam no acesso à educação (quantidade e qualidade).

No Brasil, Ferreira e Veloso (2003) apresentam evidências sobre a mobilidade intergeracional de educação, com base no suplemento de mobilidade da PNAD de 1996. Notam a existência de não-linearidades na transmissão intergeracional de educação: o grau de mobilidade intergeracional de educação no Brasil é menor que o observado nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, e diverge entre regiões e raças. A mobilidade é menor no Nordeste que no Sudeste do país, entre negros do que entre brancos, e para filhos de pais com pouca escolaridade. Em particular, a probabilidade de o filho de um pai com ensino superior completo também completar seus estudos universitários é cerca de 40% para negro ou pardo, e aproximadamente 62% para brancos. A fração de filhos de pais sem escolaridade que permaneceram na categoria de educação do pai é de cerca de 34%, a fração de filhos de pais que tenham concluído o ensino superior que repetiram o desempenho dos pais é de 60%. Grande parte da persistência observada para filhos de pais sem escolaridade reflete a dificuldade de ascensão educacional de filhos de pais analfabetos. No Nordeste, a probabilidade de o filho de um pai sem escolaridade permanecer na mesma categoria de educação do pai é de cerca de 54%, enquanto no Sudeste é um pouco acima de 21%.

Gonçalves e Neto (2013), utilizando dados primários da pesquisa da Fundação Joaquim Nabuco de 2010, analisaram a mobilidade intergeracional da educação na Região Metropolitana do Recife, utilizando as regressões de persistência, e encontraram que a persistência de educação entre pais e filhos no Brasil é muito alta e heterogênea. Além disso, a persistência educacional nas regiões metropolitanas do Brasil é menor que no resto do país. A persistência de status educacional entre mães e filhos é maior que a persistência de status educacional entre pais e filhos. O papel da mulher no cuidado e criação dos filhos é mais relevante no lar e, portanto, é de se esperar que a persistência educacional entre mães e filhos seja mais alta que aquela entre pais e filhos. No entanto, segundo os autores, a persistência está cada vez menos influenciada por questões de gênero ou raça. Pais mais escolarizados pressionam mais seus filhos para obterem níveis educacionais mais elevados, por serem mais conscientes do valor da educação.

Longo e Vieira (2017) identificaram os fatores relacionados às maiores chances de indivíduos de 16 a 19 anos, filhos de mulheres de baixa escolaridade, concluírem o ensino fundamental, a partir da PNAD de 1996 e 2012. Os resultados indicaram que mulheres, brancos e com menor número de irmãos têm maiores chances de mobilidade ascendente.

Ramalho e Netto Junior (2018), a partir da PNAD 1996, encontraram evidências de maior mobilidade para filhos adultos que ainda moram com os pais comparados aos filhos que conduzem os seus próprios domicílios.

Mahlmeister et al. (2019) estudaram as evidências da mobilidade intergeracional de educação no Brasil como base no suplemento da PNAD de 2014. A partir do cálculo do coeficiente de persistência educacional, exposto em Ferreira e Veloso (2003), os autores mostraram que o grau de persistência educacional reduziu desde os anos 1990, isto é, o coeficiente de persistência educacional passou de aproximadamente 0.7 em 1996 para cerca de 0.5 em 2014. Isso pode ser explicado pelo aumento da escolaridade de filhos dos pais pouco escolarizados e pela estabilização da escolaridade dos filhos de pais mais escolarizados. Entretanto, atestou que a mobilidade era menor para filhos de pais com pouca escolaridade do que para filhos de pais com escolaridade mais elevada. Confirmam a não-linearidade da mobilidade educacional e destacam menor mobilidade entre os negros associada à maior probabilidade de o filho de um pai sem escolaridade permanecer sem escolaridade. Enquanto a probabilidade de um filho negro de um pai sem escolaridade permanecer na mesma categoria de educação do pai é de cerca de 23%, a probabilidade análoga para brancos é de, aproximadamente, 11%. Comparando os dois anos estudados, a probabilidade de o filho de um pai com ensino superior completo também completar seus estudos universitários passou de 40% para cerca de 62%. Se o indivíduo reporta ser negro, é de, aproximadamente, 62%, e se reporta ser branco, de 74%.

Leite e Justo (2020) analisaram a mobilidade intergeracional da educação e renda e seus determinantes para o estado do Ceará, de 1996 a 2009. Os resultados sugerem a persistência educacional para os estratos inferiores da educação, mas um aumento da mobilidade entre as gerações no período estudado. Mostram também que residir nas regiões metropolitanas, urbanas, ser de cor de pele branca, mulher, influenciam positivamente a mobilidade educacional no Ceará.

O estudo da evolução da mobilidade educacional entre as gerações para concluintes do ensino superior na área de ciências sociais aplicadas no Brasil, realizado por Fraga e Bagolin (2021), utilizou os dados do ENADE de 2006-2015. Identificou maior mobilidade educacional dos concluintes mencionados se mulheres, negros, baixa renda, residentes nas regiões Sul e Sudeste e frequentadores da educação superior privada no país.

Do ponto de vista da mobilidade da renda, Becker (1993) e Grawe e Mulligan (2002) escrevem que crianças de famílias bem-sucedidas têm mais probabilidade de ter sucesso econômico em virtude do tempo e recursos adicionais gastos com elas, porque desfrutam de mais capital humano e, consequentemente, terão melhores ocupações e maiores ganhos no futuro. Empiricamente, Becker et al. (2015), com dados dos registros administrativos de 1980 e 1982 dos Estados Unidos, desenvolveram um modelo de transmissão de recursos entre gerações e encontraram que crianças nascidas de pais no quintil superior (inferior) da distribuição de renda têm 36.5% (33.7%) de probabilidade de permanecer em quintil superior (inferior), em comparação com uma probabilidade de 10.9% (7.5%) de fazer a transição para o inferior (superior).

No Brasil, Ferreira e Veloso (2006) confirmaram a forte persistência intergeracional de rendimentos. A probabilidade de um filho de um pai no quintil inferior da distribuição salarial mudar para o quintil superior é de apenas 7%, enquanto a probabilidade análoga para um filho de um pai no quintil superior é de 43%. Antigo (2010) realizou um exercício empírico baseado em um pseudopainel dinâmico, com os dados da PNAD, entre 1993 e 2007, e da Pesquisa Mensal de Emprego (PME), entre 1992 e 2009. Os resultados mostram uma maior mobilidade ascendente de rendimentos no período e que a educação tem papel chave para explicar a mobilidade dos mais pobres. Guimarães et al. (2020) encontraram indicativos de que o Brasil tem baixo nível de mobilidade de renda, ou seja, filhos de pais pobres tendem a receber salários mais baixos quando comparados a filhos de pais que tinham maiores rendas, e essa transmissão de status socioeconômico é mais acentuada nos níveis mais elevados de renda.

A mobilidade ocupacional intergeração foi investigada por Laband e Lentz (1983), com dados provenientes do Student-Parent Socialization Study dos Estados Unidos, em 1965, e concluíram que os filhos que seguem as ocupações dos pais têm um diferencial positivo de salários em relação àqueles que não o fazem. O legado era maior para os agricultores que têm uma proximidade da casa com o local de trabalho e, portanto, a acessibilidade do filho à ocupação de seu pai. Sjogren (2000) utilizando o modelo logit multinomial a partir de dados do Swedish Level of Living Survey de 1991, verificou que o histórico familiar influencia as escolhas ocupacionais dos indivíduos determinando, assim, sua perspectiva de ganhos na Suécia. Constant e Zimmermann (2003) estimaram o modelo logit multinomial utilizando os dados do Painel Socioeconômico Alemão (GSOEP) de 2001, e encontraram evidências de que indivíduos herdam seu status social e sua posição na distribuição ocupacional, e que os alemães são mais propensos a escolher ocupações semelhantes à ocupação de seus pais se eles estão na categoria profissional white collar ou professional category.

Tsukahara (2007) utiliza o logit multinomial e dados individuais da Keio Household Panel Survey (KHPS) do ano de 2004 para investigar o efeito da ocupação do pai e de sua escolaridade na escolha ocupacional das crianças no Japão. Os resultados estimados sugerem que as crianças tendem a escolher a mesma ocupação de seus pais, e essa predisposição é mais evidente para os filhos. Shilpi e Emran (2010) utilizam o modelo probit bivariado para o Nepal e Vietnã, com dados da Nepal Living Standard Survey (NLSS) de 1995/96, e Vietnam Living Standard Survey (VLSS) de 1992/93. Os autores destacam que, além da habilidade, todo indivíduo é dotado de um vetor de capital social, composto por capital humano, financeiro, físico e social. Quanto maior o nível desse capital, maior é a probabilidade de sucesso em atividades não-agrícolas. As correlações ocupacionais intergeracionais entre pais e filhos no Nepal seguem a linha de gênero (pai-filho e mãe-filha), mas no Vietnã ambos os pais parecem exercer efeitos significativos na escolha de ocupação dos filhos.

Thijssen e Wolbers (2016) utilizaram o modelo logit multinomial com dados da População Holandesa da Pesquisa Familiar de 2009 e os resultados empíricos indicam que indivíduos (homens) que nasceram em coortes jovens na Holanda têm maior probabilidade de experimentar mobilidade ocupacional descendente do que indivíduos que nasceram em coortes mais velhas, e que pais de classes sociais altas possuem mais recursos econômicos e, portanto, proporcionam às crianças oportunidades de frequentar melhores escolas e, consequentemente, melhores posições ocupacionais. Bello e Morchio (2018) fizeram a decomposição da persistência ocupacional para o Reino Unido, utilizando os dados da British Household Panel Survey (BHPS). Para os autores, a escolha ocupacional está alinhada com as redes parentais em 18% dos casos, e a persistência ocupacional gerada pelas redes parentais e transmissão de preferências pode ser prejudicial aos filhos.

Estudos prévios, todavia, não estabelecem a relação entre a herança educacional parental dos filhos e a sua presença no mercado de trabalho, considerando as posições socioeconômicas dos indivíduos no Brasil. Nesse sentido, esta pesquisa contribui para a evolução da discussão sobre o tema da mobilidade educacional parental para os indivíduos ocupados no mercado de trabalho, de acordo com as condições socioeconômicas no país. A seção seguinte expõe as estratégias para a consecução desse propósito.

II ESTRATÉGIA EMPÍRICA

Os microdados utilizados neste trabalho foram obtidos na PNAD do ano de 2014, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cujas amostras são compostas por entrevistas nos domicílios brasileiros, através de questionários autodeclarados. Essa base de dados é a mais recente publicada no país que traz o suplemento de pesquisa referente à mobilidade sócio-ocupacional e educacional do morador e dos pais, no qual se comparou o nível de instrução atual do filho com o nível de instrução dos pais. A amostra foi composta de 23 207 indivíduos, para uma população estimada de 65.91 milhões de indivíduos ocupados e maiores de 23 anos, que seguiram ou não o legado educacional dos pais, segundo a posição socioeconômica de pobres e não pobres no Brasil, para o ano de 2014.

A análise teve enfoque nos legados parentais da escolaridade para os indivíduos acima de 23 anos ocupados no mercado de trabalho. Considerou-se que o indivíduo seguiu o legado educacional dos pais se ele tem o nível de instrução igual ou superior ao dos pais, no modelo logit binomial; e 1 se tem o nível de instrução abaixo ao dos pais, 2 se igual, e 3 se superior, no modelo logit multinomial.

O estudo foi feito de acordo com as classes socioeconômicas de pobres e não pobres.

A construção de uma medida de pobreza baseia-se na perspectiva multidimensional tratada em Kageyama e Hoffmman (2006). Estabeleceu-se a linha da pobreza como aquela em que a renda domiciliar per capita foi definida como meio salário-mínimo per capita em 2014. A partir disso, foram considerados como pobres os indivíduos que estão abaixo da linha da pobreza e sem nenhum dos três equipamentos básicos: água canalizada em pelo menos um cômodo do domicílio, banheiro ou sanitário e iluminação elétrica; os que estão abaixo da linha da pobreza, com água canalizada, banheiro ou sanitário e iluminação elétrica; e os acima da linha da pobreza, com menos de dois equipamentos dos três citados. Os Não Pobres são indivíduos que estão acima da linha da pobreza e vivem em domicílio com pelo menos dois dos três equipamentos definidos como básicos. O Quadro 1 reúne as variáveis utilizadas tanto para os modelos quanto para as análises descritivas.

Quadro 1. Variáveis utilizadas 

Nota* ocupação primária inclui dirigentes e profissionais das ciências e das artes (PCAs), trabalhadores que lideram, estipulam normas e regras para empresas e interesse público; ocupação secundária refere-se aos técnicos de nível médio e trabalhadores dos serviços e da produção, em que se encontram as profissões técnicas de nível médio, trabalhadores de serviços e serviços administrativos, da produção de bens e serviços industriais e manutenção, vendedores do comércio e agrícolas.

Fonte: elaboração própria a partir das bases de dados.

II.1. Método

Este trabalho estima a probabilidade de um indivíduo seguir ou não o legado educacional de seus responsáveis. Para isso utilizou, inicialmente, o modelo logit binomial condicionado às suas características individuais. De acordo com Corrar et al. (2007), um dos motivos pelos quais o modelo logit é utilizado para realizar previsões é o fato de fazer um pequeno número de suposições. Com esse modelo é possível contornar as restrições de homogeneidade de variância e a normalidade na distribuição dos erros, presentes em outros modelos.

Segundo Greene (2012), o modelo Logit é baseado na função de probabilidade logística acumulada e é especificada como:

(1)

em que e representa a base de logaritmos naturais. Pi é a probabilidade de um indivíduo seguir a educação dos pais, dados seus atributos, Xi . Greene (2012) apresenta os efeitos marginas em seu ponto médio como:

(2)

Na sequência, fez-se o uso da extensão do logit binomial, o logit multinomial, muito utilizado em pesquisas quando os dados da variável dependente apresentam uma distribuição multinomial, ou seja, mais de duas categorias, o que reforça a sua utilização neste trabalho. O modelo logit multinomial pode ser apresentado por:

(3)

Em que “yi” é a variável aleatória que indica a escolha feita; “Pij” é a probabilidade de que o indivíduo “i” escolha a alternativa “j”; “xi” é o vetor de características individuais dos filhos “i” e “β” é o vetor de parâmetros a ser estimado. A categoria omitida (base) é a categoria 1 do legado educacional.

As variáveis utilizadas que podem explicar a transmissão educacional intergeracional foram a idade, gênero, cor de pele, segmento ocupacional dos pais, área urbana, as grandes regiões e o Distrito Federal, nível de instrução dos pais, classe socioeconômica e o legado ocupacional.

Efetuou-se a correção do viés de seleção amostral de Heckman (1979), que pode ocorrer pela autosseleção dos indivíduos e pelas decisões de seleção da amostra pelos pesquisadores. Assim, quando estimados os modelos, deve-se acrescentar como variável explicativa nos modelos, a Razão Inversa de Mills (IMR), equação (3.3). Essa variável é estimada a partir das equações de participação, conforme Heckman (1979).

(3.1)

(3.2)

(3.3)

Em que ɸ representa a função densidade normal padronizada e, a função de distribuição cumulativa normal padrão e Zi é a variável normal padronizada, Z~N(0,σ2) . No caso em que a razão inversa de Mills apresente significância no modelo de probabilidade, esta deve ser inserida como variável regressora nas equações de probabilidade do legado educacional. As variáveis utilizadas na equação de participação estão relacionadas ao nível de instrução, experiência, região urbana, gênero, cor de pele, estrutura familiar, pobreza, se é chefe de família, cônjuge, se os indivíduos têm filhos e as grandes regiões do Brasil e o Distrito Federal.

III. ANÁLISE DESCRITIVA

A Tabela 1 traz os resultados descritivos dos indivíduos ocupados que seguiram ou não o legado educacional por classe socioeconômica no Brasil. A idade média dos trabalhadores que tinham o mesmo nível de instrução dos pais era superior à dos trabalhadores que não seguiram o legado educacional. A maioria dos indivíduos ocupados que tinha o mesmo nível de instrução dos pais revela baixa instrução, em maiores percentuais para os pobres (79%).

Tabela 1. Características dos indivíduos ocupados, legado e não legado educacional, para pobres e não pobres no Brasil 

Nota:valores de 2019. Indivíduos maiores de 23 anos de idade.

Fonte: elaboração própria a partir dos resultados da PNAD/2014.

Para as grandes regiões do país, a maior proporção dos indivíduos que seguiram o legado educacional, no geral e para a classe dos não pobres, está na Região Sudeste, já para a classe dos pobres a predominância é na Região Nordeste do país, de 52%.

Dos ocupados nos setores econômicos, tanto para o geral como para os não pobres, o maior percentual de indivíduos que seguiram o legado educacional está no setor de serviços, já para a classe dos pobres, o setor que se destaca é o setor agrícola. Dos indivíduos que seguiram o legado educacional, no geral, 19% deles tinha uma ocupação primária, e, se eram indivíduos não pobres, esse percentual é de 21%. No caso dos indivíduos pobres, apenas 2% deles estavam em uma ocupação primaria, ou seja, 98% desses trabalhadores estavam desempenhando uma ocupação secundária, que tem baixa remuneração como característica, de acordo com a teoria do mercado dual. E mais, os pobres se destacam por estarem em sua grande maioria no segmento informal do mercado de trabalho.

No que se refere à renda domiciliar per capita, os indivíduos pobres que seguiram o legado educacional dos pais tinham renda domiciliar equivalente a apenas 15.38% da renda domiciliar de um indivíduo não pobre. No geral, os rendimentos mensais dos indivíduos que seguiram o nível de educação dos pais são menores comparados aos que não os seguiram, assim como o total de horas trabalhadas na semana. Todavia, o salário hora dos trabalhadores que seguiram o legado educacional dos pais foi superior aos salários dos indivíduos que não tinham o mesmo ou superior nível de instrução dos pais. As informações para os grupos socioeconômicos são díspares: o indivíduo pobre que seguiu o legado educacional dos pais observou um salário hora inferior aos que não tinham o mesmo nível de instrução dos pais, e o não pobre manteve salário superior aos dos pais.

Com o objetivo de analisar em maiores detalhes a distribuição educacional dos filhos que estão no mercado de trabalho, condicionada à educação dos pais, apresenta-se a matriz de transição da educação parental, que fornece a fração educacional de filhos dada a categoria de educação dos pais (Tabela 2). Os dados mostram que, se os pais têm uma baixa instrução, a tendência é que os filhos também apresentem uma baixa instrução, e se os pais têm alta instrução, no geral, seus filhos reproduzirão essa herança de alta instrução, confirmando as evidências publicadas por Ferreira e Veloso (2003) e Leite e Justo (2020). No entanto, é intensa a diferença entre as classes: do total dos pais com baixa instrução, mais de 83% dos filhos também tinham uma instrução mais baixa, para os pobres; para os não pobres, esse percentual foi de 51.44%, o que valida a transmissão intergeracional da educação no país e a heterogeneidade entre as posições socioeconômicas.

A persistência educacional entre gerações é mais elevada para os indivíduos pobres, cuja renda domiciliar per capita é baixa e o acesso aos bens básicos é restritivo. Outro destaque está na baixa mobilidade ascendente na educação de pais para filhos entre os pobres, pois, nessa posição socioeconômica, apenas 0.61% dos filhos cujos pais têm baixa instrução conseguem obter um alto nível escolar. Para as pessoas não pobres, a mobilidade ascendente é de 13.66%. A mobilidade educacional é aqui entendida como a diferença entre o status educacional dos filhos e o referido status de seus pais; mobilidade ascendente (descendente) ocorre se os filhos de pais de baixa escolaridade tiverem alta (baixa) escolaridade.

Tabela 2. Matriz de transição educacional dos pobres e não pobres (%) no Brasil, 2014 

Fonte: elaboração própria a partir dos resultados das PNAD/2014.

Quando observados os indivíduos não pobres, 62% dos filhos de alta instrução estavam relacionados aos pais com o mesmo nível de instrução, e apenas 7.26% dos filhos que têm baixa instrução têm seus pais com alto nível de instrução. Esses resultados corroboram a importância do background familiar na acumulação do capital humano e reafirma a alta persistência educacional entre pais e filhos, mas nesse caso, de alta instrução.

Os dados comprovam que a baixa mobilidade educacional ocorre de forma contrastante, segundo as diferentes condições socioeconômicas dos brasileiros. Se entre os pobres há persistência intergeracional da menor escolaridade e baixa mobilidade ascendente educacional entre gerações, entre os não pobres, essa manutenção parental do nível educacional está na alta escolaridade. Fato que o legado educacional pode promover o ciclo da pobreza e da riqueza no país, suportando as desigualdades históricas do país.

A abordagem da matriz de transição educacional identifica também que, conforme se eleva o nível de educação dos pais, reduz-se a reprodução escolar nos seus filhos, para as classes menos favorecidas. O contrário se revela para as pessoas não pobres, em que o movimento de elevação na instrução dos pais resulta em maior reprodução educacional de seus filhos.

A influência do background educacional é tratada na literatura econômica e, de forma geral, revela uma correlação positiva entre o nível educacional dos filhos e o de seus pais. Filhos de pais bem-educados têm maior probabilidade de crescer em ambientes que atuam como complementos dos investimentos dos pais, segundo Becker et al. (2015). Por sua vez, Daude e Robano (2015); Ferreira e Veloso (2003); Gonçalves e Neto (2013); Mahlmeinster et al. (2019) e outros estudiosos, adiantaram parcialmente esses resultados, mas não o fizeram do ponto de vista dos trabalhadores absorvidos pelo mercado de trabalho e a condição de pobreza no Brasil. Na próxima seção, adicionam-se mais subsídios para essa investigação, como o gênero, a cor da pele e as regiões do país.

IV. TRANSMISSÃO INTERGERACIONAL DA EDUCAÇÃO PARA INDIVÍDUOS OCUPADOS NO BRASIL

A Tabela 3 apresenta as probabilidades marginais da reprodução educacional entre gerações derivadas dos resultados do modelo logit binomial. Os resultados sugerem que quanto maior o nível de instrução da mãe e do pai, menor a probabilidade de o filho seguir o legado educacional, comparado aos de baixa instrução, ou seja, filhos de pais de baixa instrução tendem a seguir o legado educacional de baixo nível de escolaridade. O mesmo comportamento foi observado para as classes de pobres e não pobres, mas os efeitos são mais expressivos para os indivíduos pobres. Isso mostra que o capital humano (educação) não é apenas importante para o indivíduo, mas também para as gerações, e indica que a persistência educacional ocorre para os indivíduos de baixa instrução e maior para os pobres, o que alimenta o ciclo da pobreza no Brasil.

É importante mencionar as políticas de inclusão social e educacional, particularmente a partir dos anos 2000, como o Programa Bolsa Família que condiciona o recebimento de recursos financeiros para as famílias desfavorecidas à frequência das crianças na escola. Programas de acesso às instituições de ensino superior público e privado tem igualmente ampliado a participação de indivíduos brasileiros na educação superior. Essas ações podem potencializar a superação educacional entre gerações e a pobreza. O estudo de Fraga e Bagolin (2021), por exemplo, afirma que estudantes concluintes do ensino superior em instituições privadas têm maiores chances de mobilidade geracional ascendente.

As evidências são as de que as mulheres têm maior probabilidade de seguir o legado educacional dos pais em relação ao homem, assim como os indivíduos de cor de pele branca em relação aos não brancos. Esses dados são relevantes, pois as pesquisas anteriormente realizadas indicaram a necessidade de estudo da transmissão educacional entre gerações para diferentes grupos demográficos.

Os estudos prévios não são consensuais em relação ao gênero e cor da pele, como constam em Longo e Vieira (2017); Leite e Justo (2020); Fraga e Bagolin (2021). Nesta investigação, a persistência educacional parental das mulheres sinaliza que as mulheres que estão no mercado de trabalho, objeto deste estudo, de forma geral também responsáveis pela família e pelos filhos, necessitam da dedicação ao trabalho e menos aos estudos. Por outro lado, os trabalhadores brancos podem realizar a persistência educacional entre gerações porque já atingiram um patamar de escolaridade mais elevado; a maior escolaridade dos brancos em detrimento dos negros é fato historicamente comprovado e amplamente divulgado no Brasil.

A análise do tema segundo a posição socioeconômica adiciona outro aspecto. No caso das mulheres, as informações da persistência educacional são menos evidentes para os indivíduos pobres; no caso dos negros, os dados não são significativos para os pobres. Isso significa que as diferenças de gênero e cor da pele são menos manifestadas para os pobres nesse tema.

Tabela 3. Efeitos marginais do legado educacional, 2014 

***p<0.01

**p<0.05

*p<0.1.

Fonte: elaboração própria a partir dos resultados dos efeitos marginais.

Ainda de acordo com a Tabela 3, a pobreza contribui com a evolução do ciclo vicioso da pobreza, visto que, de acordo com os resultados já levantados, os pais desses indivíduos apresentam um baixo nível de instrução, e, segundo a teoria do capital humano, quanto maior o nível de instrução, maior o salário. Segundo Micklewright et al. (1989), certamente há uma correlação entre maior renda e permanência na escola. O autor destaca em seu estudo que cerca de oito a nove por cento dos filhos pensaram em abandonar a escola aos 16 anos, tendo como motivo contribuir financeiramente com a família. Esse último resultado pode estar vinculado com as políticas em prol da educação e do aumento das novas modalidades de ensino.

A ocupação primária dos pais influenciou negativamente no legado educacional, possivelmente pelo fato dessas ocupações terem maior remuneração, assim os jovens podem ser financiados e continuar sua formação sem ter que se deparar com o trade-off de estudar ou trabalhar para contribuir com a renda familiar. Os dados não foram significativos para os pobres, mas o foram para os não pobres. Ademais, o fato de o indivíduo exercer a mesma ou similar ocupação dos pais também apresentou uma maior probabilidade de os indivíduos terem o mesmo nível de instrução dos pais, isso mostra que o núcleo familiar exerce dupla influência nas escolhas dos jovens, tanto na ocupação profissional quanto no nível educacional.

Residir no meio urbano reduz a chance de o indivíduo seguir o legado educacional dos pais em relação aos do meio rural, o que pode estar correlacionado ao fato de que no meio urbano há mais oportunidade de continuar com os estudos e, assim, aumentar o nível de escolaridade, mas os dados não são significativos para os pobres. No que tange às macrorregiões brasileiras, as probabilidades foram distintas para as regiões destacadas: positivamente para o Sul, Sudeste e Distrito Federal em comparação com o Nordeste (base), também não estatisticamente significativos para os pobres (exceto Sudeste). Isso indica que, de forma geral, nas regiões mais desenvolvidas, há menor mobilidade educacional entre gerações, comparadas à Região Nordeste, ou seja, os filhos seguem mais a educação dos pais, especialmente os que não são pobres. Os resultados não permitem afirmações para as pessoas pobres do país, mas podem realçar os benefícios decorrentes das políticas sociais fortemente absorvidos no Nordeste brasileiro. Gonçalves & Neto (2013) haviam encontrado que há maior mobilidade intergeração da educação nas regiões metropolitanas do país, mas não ofereceram informações sobre as macrorregiões do Brasil.

A Tabela 4 traz as probabilidades médias dos indivíduos seguirem ou não o legado educacional condicionado à classe socioeconômica do indivíduo e nível de instrução dos pais. Em média, indivíduos pobres têm maior probabilidade de seguir o legado educacional. Quando os pais são pobres e têm baixa instrução a probabilidade de o herdeiro também ter um nível de instrução baixo é de 98%, e, quando os pais têm alta instrução, a probabilidade de o filho seguir no mesmo nível de capital humano (escolaridade) é de 30.71%.

Se os indivíduos pertencem à classe socioeconômica mais favorecida e os pais tiverem alta instrução, o filho tem 48.13% de probabilidade de ter o mesmo nível de instrução dos pais. Já quando os pais têm baixa instrução, a probabilidade de o filho seguir a educação dos pais é de 98%. Ou seja, os filhos reproduzem a baixa educação dos pais para pobres e não pobres. Mas os filhos de classes pobres repetem menos a alta instrução dos pais.

Tabela 4. Legado educacional nos pontos médios condicionado ao nível de instrução dos pais, 2014 

B(baixa)

M(média)

A(alta)

Nota21 e 0 são binarias onde 1 indica a condição da escolaridade dos pais.

***p<0.01

**p<0.05

*p<0.1

Fonte: elaboração própria a partir dos resultados dos efeitos marginais

As informações reunidas na Tabela 5 incorporam aspectos importantes, pois o não legado educacional pode ser fator positivo ou negativo, uma vez que o indivíduo pode ter um nível de instrução inferior ou superior ao de seus pais, ampliando os dados apresentados até o momento. A Tabela 5, portanto, mostra as probabilidades de o indivíduo ocupado no mercado de trabalho seguir o legado educacional, ter o nível de instrução inferior ao dos pais ou ter uma escolaridade superior no país. O indivíduo pobre tem uma maior probabilidade de seguir o legado educacional, como já verificado nos resultados anteriormente apresentados.

Destaca-se que, dos indivíduos que não seguiram o legado educacional, esses tinham 3.11% de probabilidade de adquirir um nível de instrução inferior ao dos pais e 15.5% de probabilidade de superar o nível de escolaridade dos pais, em 2014. No que tange aos não pobres, esses apresentaram uma maior probabilidade de ter um nível de instrução superior ao de seus pais em comparação com os pobres. Isso reforça a importância da renda familiar na vida escolar dos filhos, confirmando o exposto por Micklewright (1989) e Becker et al. (2015).

Esse fato é relevante em um contexto intergeracional, em que as habilidades e os recursos das famílias de alta renda geram maior investimento de capital humano em seus filhos. Segundo Heckman (2008), crianças que residem em domicílios cujos recursos cognitivos e financeiros são de maior magnitude, têm reduzidos os seus custos de aquisição de capital humano. Isso inclui também pais mais qualificados e de maiores recursos financeiros, escolas superiores e interações com colegas com vantagens comparáveis. Todos esses fatores facilitam o investimento em capital humano dos filhos.

Tabela 5. Probabilidade do legado educacional a partir dos efeitos marginais do logit multinomial, Brasil, 2014 

***p<0.01

**p<0.05

*p<0.1

Fonte: elaboração própria a partir dos resultados dos efeitos marginais do logit multinomial.

Em relação aos indivíduos que assumiram a ocupação dos pais, afirma-se que há uma maior probabilidade de seguir o legado educacional (77.28%), uma probabilidade de 2.85% de ter uma escolaridade inferior à de seus pais e mais de 19.88% de aderir a um nível mais elevado. Para os indivíduos que não seguiram o legado ocupacional, há maior probabilidade de aderirem a um nível de instrução superior à de seus pais quando comparado aos indivíduos do legado ocupacional.

Assim, os resultados confirmam a hipótese levantada de que os indivíduos pobres tendem a acompanhar o nível de instrução dos pais, principalmente quando os pais apresentam baixa instrução. Esse fato pode ocasionar um ciclo vicioso de agravamento da ignorância que condiciona os indivíduos a uma armadilha para permanecer na pobreza, pois os jovens economicamente menos favorecidos tendem a seguir os passos dos pais, e muitas vezes devem auxiliar nas atividades do lar e contribuir com o rendimento familiar. Forçados a optar por trabalho ou estudo, interrompem precocemente sua formação se inserindo de forma prematura no mercado de trabalho, desempenhando ocupações secundárias, com trabalhos penosos e de baixa remuneração.

CONCLUSÃO

O objetivo deste artigo foi reconhecer e analisar a transmissão parental da educação para os indivíduos inseridos no mercado de trabalho brasileiro, considerando a posição socioeconômica. O perfil dos trabalhadores que reproduzem a educação parental é, de forma geral, homens, não brancos, mais velhos, de baixa instrução e residentes na Região Sudeste do Brasil. Atuam no setor de serviços, são formalizados, desempenham ocupações secundárias, têm baixos salários e rendimento domiciliar per capita. Os pobres mantêm essas características, com exceção da maior atuação na agricultura, a informalização e a prevalência na Região Nordeste do Brasil.

Esta pesquisa valida a reprodução intergeracional da educação para os trabalhadores brasileiros, mas mostra a heterogeneidade entre as posições socioeconômicas. Entre os pobres há persistência intergeracional da menor escolaridade e baixa mobilidade ascendente educacional entre gerações; entre os não pobres, essa manutenção parental do nível educacional está na alta escolaridade. Outro fato é o de que, conforme se eleva o nível de educação dos pais, reduz-se a reprodução escolar nos seus filhos, para as classes menos favorecidas. O contrário se revela para as pessoas não pobres.

As medidas das probabilidades do legado educacional, controladas as características das pessoas ocupadas, confirmam as primeiras análises. A ocupação primária dos pais e a residência no meio urbano reduzem a chance de o indivíduo seguir o legado educacional dos pais, e morar nas regiões desenvolvidas aumenta essas chances. Mulheres e brancos têm menor mobilidade educacional, o que afirma a necessidade de estudos da transmissão educacional entre gerações para diferentes grupos demográficos. Ademais, reafirma-se que os indivíduos pobres mostram maior chance de não superar o nível de escolaridade dos pais, e os que seguem o legado ocupacional têm menor probabilidade de aderirem a um nível de instrução superior ao de seus pais.

Apesar da influência do background educacional ser tratada na literatura econômica, a incorporação de indivíduos trabalhadores e a associação da mobilidade ou persistência educacional e a condição de pobreza, nesta pesquisa, realçam a heterogeneidade social e de mercado de trabalho no Brasil, cujos esclarecimentos podem proporcionar as mudanças imperiosas no país.

Os resultados confirmam a hipótese levantada de que a persistência educacional ocorre para os indivíduos de baixa instrução e maior para os pobres, o que alimenta o ciclo da pobreza, e oferece suporte para a manutenção das desigualdades históricas no país. A promoção do ensino continuado, com o acesso a cursos de graduação nas redes pública e privada, além de cursos técnicos e profissionalizantes para a classe econômica menos favorecida, bem como o incentivo ao primeiro emprego, deveria ser fomentado por políticas de mercado de trabalho, promovendo mais opções aos jovens para escapar do legado educacional indesejado e a superação da pobreza no Brasil.

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Notas

1Para a projeção da população, o peso amostral foi empregado conforme disponibilizado pela PNAD/2014.

°Gomes, M. R., Cunha, M. S. da & Souza, S. de C. I. de. (2023). Transmissões parentais da educação para os trabalhadores e a pobreza no Brasil. Estudios económicos, 40(81), pp. 163-190, https://doi.org/10.52292/j.estudecon.2023.2870.

Recebido: 15 de Setembro de 2021; Aceito: 27 de Dezembro de 2021

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