SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.18Multiplicidad y unidad de la inteligencia en las sentecias de PorfirioRecuperación y ampliación del mito de los labdácidas en Antígona de Sófocles: Su funcionalidad en la dinámica dramática índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Indicadores

  • No hay articulos citadosCitado por SciELO

Links relacionados

  • No hay articulos similaresSimilares en SciELO

Compartir


Synthesis (La Plata)

versión impresa ISSN 0328-1205

Synthesis (La Plata) vol.18  La Plata ene./dic. 2011

 

ARTÍCULOS

Apontamentos sobre a representação de Afrodite em Baquílides

Giuliana Ragusa

Universidade de São Paulo


Resumen
Este artículo se dedica al estudio de Afrodita en los poemas del poeta mélico tardo-arcaico Baquílides, específicamente en el Fr.20 B, el Ditirambo 17 y en el Epinicio 5. Se toma como base la representación de la diosa en la mélica griega arcaica, con excepción de Píndaro, a fin de observar semejanzas y diferencias en su diseño en el poeta de Ceos y en el modo en que el erotismo figura en el pequeño corpus considerado, principalmente en el tercer texto indicado.

Palabras-clave: Mélica arcaica; Afrodita; Erotismo; Baquílides.

Abstract
This article turns to the study of Aphrodite in the three melic poems of the late archaic Greek poet Bacchylides, where she is found: Fr. 20B, 17 th Dythiramb and 5 th Epinician ode. The background for the commentary will be the representation of the goddess especially in archaic Greek melic poetry, except for Pindar, and a comparative perspective will be sustained throughout, so that similarities as well as differences may be observed in the Cean poet's drawing of the goddess and in the way eroticism is present in the corpus defined for this paper - mainly in its third song.

Key-words: Archaic Greek melic; Aphrodite; Eroticism; Bacchylides.


Neste artigo, percorro o Fr. 20B, o Ditirambo 17 e o Epinício 51, de Baquílides, para comentar a representação de Afrodite que neles vislumbramos. Por ora, cabe dizer desde já que não é pouco o que se depreende dessa representação em que se evidencia a faceta de deidade da paixão erótica, da sedução, da beleza, e dos enganos e desgraças que delas advêm. Isso porque a maneira, porém, com que se elabora essa faceta não é sempre a mesma, e suscita ampla e significativa gama de relações não só no âmbito da mélica, mas da poesia grega arcaica e clássica como um todo.
No Fr. 20B, "Encômio a Alexandre, filho de Amintas", temos Afrodite - chamada "Cípris",2 como no Ditirambo 17, denominação baseada no elo da deusa com a ilha de Chipre - numa canção monódica e simposiástica de elogio ao jovem Alexandre, futuro rei da Macedônia (498- 454 a .C.). Na abertura do fragmento, invocada a lira (bárbitos) às suas mãos, o poeta anuncia querer a seu destinatário "enviar ... áurea asa da Musa" (vv.3-4) - asa que é sua própria canção -, "adorno aos banquetes" (v.5),

quando a doce compulsão das taças sucessivas
aquece o delicado peito dos jovens,
e a expectação de Cípris agita seus sensos,
misturada aos dons de Dioniso;3 (vv.6-9)

Antes de Baquílides, só se combina a presença de Afrodite junto a tais deidades e em encômio desse tipo numa canção simposiástica e palaciana de Íbico, o Fr. S 151 Dav. ou "Ode a Polícrates", possivelmente o jovem tirano da ilha de Samos, em cuja corte o poeta xénos de Régio foi recebido, e a quem, dirigindo-se diretamente nos versos finais (vv.47-8), garantiu conferir, com seu fazer poético, kléos áphthiton, numa trama que articula guerra, mito e erotismo. Há, portanto, no Fr. 20B, de Baquílides, um aspecto notavelmente diferenciado que decerto acarreta implicações semânticas relevantes para a representação de Afrodite nele encerrada; essa diferenciação faz-se ainda mais complexa, se atentarmos justamente para a dimensão política do encômio a Alexandre, minuciosamente analisada por Fearn (2007: 27-86), que não apenas envolve a própria mélica tardo-arcaica e seus principais poetas, mas se projeta na linguagem e nos valores dos versos que, por sua vez, lançam o fragmento no enredo intricado das relações Grécia-Pérsia-Macedônia.
O Ditirambo 17, "Os jovens ou Teseu",4 é, na verdade, de classificação genérica debatida, lembra Maehler (2004: 172-5); isso porque a canção foi dada como ditirambo - (sub)gênero cuja especificidade largamente nos escapa - na edição da Biblioteca de Alexandria, mas pode ser um peã - outro (sub)gênero de difícil definição -, considerada sua invocação final a Apolo (vv.130-2), precedida pelo anúncio do canto de um peã (paiánixan, v.129). Essa ode é, como o Fr. 20B, das mais antigas de Baquílides, e seus versos trazem uma narrativa mítica dramaticamente elaborada no diálogo no qual se batem as personagens principais: Minos, o célebre rei cretense, e Teseu, o grande herói ateniense.
Na narrativa, Teseu acompanha a viagem dos jovens - 7 moços e 7 moças - destinados, como "tributo periódico", ressalta Maehler (2004: 175), de Atenas a Creta - pago pela terceira vez -, ao Minotauro que no Labirinto os devorará. O herói, como se sabe, matará a criatura e libertará os jovens atenienses, graças à ajuda de Ariadne, a princesa que, tomada de paixão, lhe dará um novelo com o fio que impedirá que ele se perca ao trilhar os caminhos labirínticos em que concretizará seu feito digno de memória. Pelo desejo da filha de Minos Teseu também será arrebatado.
Esse ingrediente erótico, integrante da narrativa mítica tradicional, verifica-se logo na abertura da ode de Baquílides, pois, anunciada a nave ateniense em curso rumo a Creta, com a ajuda da guerreira Atena "que agita a égide" (v.7) e faz soprar Bóreas a favor da nau, Minos assim entra em cena (vv.8-13):

Agitaram em Minos o coração
os sacros dons de Cípris,
deusa do desejável diadema;
e a mão o rei não mais conteve
longe da virgem, mas tocou
sua branca face;

A linguagem claramente se centra no universo da paixão, do desejo; destaca-se o substantivo que nomeia os poderes eróticos de Afrodite, dôra ("dons"),5 que por mortais não podem ser rejeitados, alegava já Páris na Ilíada III.64-6, na tentativa de responder à dura e justa censura pública de Heitor, por seu comportamento. E destaca-se igualmente o epíteto - um hápax - que qualifica a deusa no verso 9, himerámpykos, combinação de hímeros - que nomeia o desejo erótico - e de ámpyx - que designa o adorno feminino que o contém. Essa imagem é similar à do himás, o "cinto pespontado (...) polícromo" de Afrodite na Ilíada XIV.214-5, usado por Hera - que dolosamente o obtém da deusa - para seduzir Zeus.
Repare-se ainda na designação insular da deusa, "Cípris", a mais recorrente, além do nome "Afrodite", desde a Ilíada.6 Fica, pois, estabelecida a relação das duas ilhas - Creta e Chipre, ambas intensamente ligadas à navegação e ao comércio - na narrativa mítica do Ditirambo 17.7
Integrante da trama da canção, a dimensão erótica vai se adensando em seu decorrer por uma série de elementos, a começar pela a ação de Minos - que, excitado eroticamente por influência de Afrodite, não mais consegue se controlar, e acaba por tocar o belo rosto virginal da jovem Eriboia, cujo grito por socorro serve de gatilho ao embate entre Teseu e o rei. Note-se a forma verbal de thingáno no verso 12, thígen, para o gesto de Minos, cuja conotação é usualmente erótica na poesia arcaica, lembra Maehler (2004: 178). Mostra-o com intensidade o Fr. 58 Dav., de Álcman, porque coloca esse verbo em relação ao próprio Eros:8

Afrodite não está, mas selvagem Éros que, qual <menino>, brinca,
a descer sobre o topo das flores - não me vás nelas tocar [thígeis] ! -
da galanguinha.

Em sua audaz e pesada fala a Minos (vv.20-46), Teseu nomeia a ação erótica do rei de "atroz ardil" (vv.28-9), na expressão que enfatiza o aspecto terrível e doloso da sedução, este reiteradamente frisado pelos poetas ao tratarem da paixão e de Afrodite, invocada como "tecelã de ardis" (dolóploke, v.2) no Fr. 1 Voigt, de Safo.9 Demais, o herói mede-se com o rei, lembrando ter, como ele que é filho de Zeus e Europa, ascendência divina, pois gerou-o Posêidon, rei dos mares, e Anfitrite, filha do rei de Trezena, Piteu - mulher de status elevado como o de Minos -, a quem as Nereidas "de violáceos cabelos" (v.37) deram um "áureo véu" (vv.36-8).
Esse presente traz outro ingrediente erótico à canção, lançando-a no território do gámos, cuja extensa celebração funcionava, frisa Redfield (1982: 188), como uma espécie de "ornamentação ao ato sexual", ou seja, à consumação do enlace, que devia ser consentida; por isso, tudo conspira para a composição de uma atmosfera favorável à união dos noivos e ao acender do desejo entre eles. No ditirambo, o presente traz à tona tanto o gámos - que designa, em seu sentido primeiro, "o ato sexual em si mesmo", anota Redfield - quanto a deusa que nele prevalece e a quem nos remete o epíteto do véu, na medida em que só Afrodite o recebe na épica homérica.10 A propósito dessa relação entre a deidade e o gámos, vale lembrar a cena em que Zeus, diante de sua chorosa e humilhada filha, expulsa da guerra pelo herói aqueu Diomedes - insuflado pela guerreira Atena -, recorda a Afrodite suas prerrogativas, na Ilíada V.428-3011 :

"Não a ti, minha filha, são dados da luta os trabalhos,
mas, tu, zela pelos adoráveis trabalhos das himenéias [érga gámoio] .
Isso tudo da guerra será para Ares veloz e Atena cuidarem".

No mesmo poema, note-se ainda a referência ao véu com que a deusa presenteou Andrômaca, no dia em que Heitor a levou, sua noiva, do palácio de seu pai (Ilíada XXII.468-72); justamente esse véu - signo da boda e da castidade da noiva, ressalta Redfield (1982: 196) - se desprende de sua cabeça quando desfalece, ao saber da morte de Heitor e do trágico fim de seu casamento - justamente o véu que lhe dera para adorno nupcial a "áurea Afrodite" (470).12
Assim, nos versos 34-8 do discurso de Teseu no ditirambo, reforça-se o erotismo como integrante da narrativa mítica da canção, algo que se verifica nos versos seguintes, que trazem a ideia característica da paixão e de seus deuses como domadores, e retornam ao âmbito do gámos, agora, o de Posêidon e Anfitrite, explicitamente, e o de Teseu e Ariadne, implicitamente sugerido no modo como a mãe veste o herói para seu retorno triunfante das profundezas do mar, seco, envolto em "linho purpúreo" (vv.109-11) e adornado o seu cabelo, em que Anfitrite põe

uma guirlanda irreprochável,
escura de rosas, que na boda
deu-lhe um dia a enganadora Afrodite. (vv.114-6)

Nesse momento final da narrativa, reforça-se a tonalidade erótica da ode, já na qualificação da casa de Anfitrite e na vestimenta de Teseu, cuja cor remonta ao sangue da morte e da vida e ao vinho prazeroso, e faz lembrar o epíteto de Afrodite "purpúrea" no Fr. 357, de Anacreonte,13 e da bola "purpúrea" com que Éros brinca no seu Fr. 358 - ambas essas canções mélicas altamente erotizadas e simposiásticas. Depois, a intensidade da tonalidade aumenta com a imagem da bela guirlanda - símbolo das núpcias e adorno dos jovens que enfeitam o simpósio e sua atmosfera carregada de Afrodite, Eros e Dioniso: ela foi dada como presente a Anfitrite quando de seu casamento com Posêidon - o que de novo traz para a ode esse universo da boda, posto no horizonte da viagem de Teseu a Creta e de seu encontro iminente com Ariadne; e foi dada por Afrodite dólios,14 deusa insuperável na arte do engano,15 qualidade própria da sedução, fortemente marcada na poesia grega e nas imagens da deusa, e já trazida à tona na ode, como vimos, em etapa anterior. Note-se, a propósito, que é um ardil o novelo dado por Ariadne a Teseu, estimulada a princesa pela paixão pelo herói, como bem recorda Maehler (2004: 186).
Sobre a guirlanda nupcial dada por Anfitrite a Teseu, há ainda isto a sublinhar: ela é trançada com as flores diletas de Afrodite; guirlandas desse tipo têm lugar, junto a outras flores e frutas de conotação erótica, nas cerimônias de casamento, como indica o Fr. 187 Dav., de Estesícoro, que narraria a procissão nupcial de Menelau e Helena:16

Muitos marmelos atiraram
ao Príncipe em seu carro,
muitos ramos de mirto
e coroas de rosas,
grinaldas de violetas.

Na ode de Baquílides, a guirlanda não é só tramada com rosas, mas intensamente entrelaçada com grande quantidade de rosas, chegando mesmo a tornar-se escura, eremnón (v.116). Vale mencionar que esse adjetivo é um dos vários que qualifica o terrível algoz de suas vítimas, o deus Eros, imaginado qual Bóreas, no Fr. 286 Dav., de Íbico, a voar velozmente "da casa de Cípris" (v.10).17 Antes disso, eremnós adjetiva, na Ilíada XII.375 e XX.51, o tufão, algo importante para a visão de Eros qual tempestade invernal na canção de Íbico, e que encarece o aspecto sombrio e perigoso da paixão, do desejo, no Ditirambo 17, de Baquílides, ao mesmo tempo em que acentua o erotismo da canção. Cabe ainda recordar de Safo o Fr. 2 Voigt,18 em que a persona invoca Afrodite a vir a um local tão pleno de rosas que é por elas sombreado (vv.6-7).
Qual é então a imagem de Afrodite no ditirambo? A de deusa da paixão erótica, prerrogativa que paira sobre toda a movimentação da narrativa, associada ao engano e à esfera do gámos ao qual o sexo é fundamental. O cenário ecoa em claros tons os ingredientes costurados no episódio da Diòs apáte, da Ilíada XIV.161-354, inclusive porque a deusa nele usa, entre os seios, um adorno feminino que reúne seus poderes máximos; não há, antes de Baquílides, outro poeta que se valha dessa ideia que salta aos olhos de quem principia a leitura do Ditirambo 17.
Agora, o Epinício 5 ("Para Hierão de Siracusa, vitorioso, corrida de carros, Jogos Olímpicos, 476 a .C."), em que o erotismo se constrói de modo sutil e contínuo no relato mítico ao fim do qual Afrodite é nomeada, à diferença do que se passa no Ditirambo 17, no qual não só a deusa surge logo no início, mas seu universo, como se viu nesta breve abordagem, vai se arquitetando em característicos léxico - a referência enfática ao gámos, o epíteto dado a Afrodite, a guirlanda de Teseu, entre outros elementos - e ações - a tentativa de violação da virgem por Minos, gatilho da narrativa, e o envolvimento amoroso de Teseu e Ariadne, por ela projetada.
Abre-se o epinício19 com a invocação de Hierão e a autoapresentação do poeta qual xénos que ao tirano envia (v.12), porque deseja fazê-lo (v.14), uma canção de elogio que define como "adorno de doce dádiva / das Musas coroadas de violetas" (vv.3-4). A esse proêmio (vv.1-16) se articula, anota Maehler (2004: 113), o "belo símile da águia" (vv.16-30), que, entre o tema anterior da vontade de louvar e, posterior, da facilidade dessa ação (vv.31-6), intensifica as "grandes expectativas quanto ao modo com que o poeta cumprirá sua promessa de louvar Hierão", e projeta a autoconfiança em sua habilidade poética. Em seguida (vv.37-49), a ode se concentra na notável descrição da corrida de carros vencida pelo corcel do tirano, Ferenico - o "porta-vitória", diz literalmente seu nome -, de tal sorte que Hierão philoxénos (v.49) volta a ser elogiado explicitamente através de seu cavalo vencedor. Chega-se então à transição para a narrativa mítica (vv.56-175), que se realiza, como é típico na canção coral, por uma gnome (vv.50-5) ilustrada pelo mito e suas duas personagens centrais, Héracles e Meleagro, que travam longo diálogo no Hades. Finda a narrativa de construção fortemente dramática, a ode se encerra com a invocação a Calíope (vv.176-200), em que Siracusa e Hierão voltam a ser louvados. Ao final da narrativa mítica, do último dos cinco discursos alternados entre os heróis que a estruturam, Afrodite é mencionada (vv.172-5) em ambientação erótica paulatina e sutilmente preparada por elementos entremeados à trama do epinício desde a primeira fala, de Héracles a Meleagro. Eis o centro deste comentário.
Louvada a boa fortuna de Hierão, a gnóme, observa Cairns (2010: 226), encerra a etapa concentrada na "grandiosidade da vitória" do famoso tirano, pontuando-a com "lembretes do papel dos desígnios divinos em todo sucesso humano".20 Cito-a (vv.50-5):

Feliz é aquele a quem o deus
concedeu o quinhão de coisas belas,
passando uma vida opulenta
com sorte invejada.
Pois nenhum dos mortais
é feliz em tudo.

Segue-se a essa máxima o mito com o máximo herói grego, não nomeado, mas referido como "arrombador de portões" (v.56), o guerreiro, "invencível filho de Zeus" (vv.57-9). Trata-se de Héracles e de sua descida ao Hades, cujo objetivo é, no mito tradicional, levar consigo Cérbero, cão terrível, da "mansão de Perséfone de delgados tornozelos" (vv.59). Note-se nessa formulação o epíteto da esposa de Hades, indicativo de sua beleza jovem, com o qual ganha nuance erotizada a imagem da filha de Deméter, abduzida quando, menina, brincava em prados vernais. Mas, uma vez no Hades, a ode narra Héracles a aprender sobre, a perceber (edáe, v.64) as numerosas "almas dos desgraçados / mortais" (vv.63-4), perto do rio das lamentações, o Cocito, descritas pelo símile que as compara às folhas agitadas pelo vento, no monte Ida, na Trôade (vv.65-7). Expressa-se, assim, não só a grande quantidade de psykhaí, mas sua triste realidade. Héracles percebe, conhece de perto, portanto, a fragilidade e limitação da miserável condição mortal.
Impactado, arma-se para a luta, depois de ter visto sobressair-se o eídolon (vv.68-9), o " fantasma, simulacro", "do neto de Portáon" (vv.69-70), "audaz lanceiro" (v.69) - ou seja, o eídolon de um guerreiro como ele, e que, significativamente, recebe no epinício um epíteto (thrasymémnonos) dado na Ilíada V.639 e XI.267 apenas a Héracles, ressalta Cairns (2010: 229). Trata-se de Meleagro (v.77) que, como Héracles, é identificado por qualificativos quando primeiro entra em cena, e, destemido, enfrenta-o para pedir-lhe, em fala reportada com vivacidade em discurso direto, que se contenha e se acalme, valendo-se de imperativos negativos e afirmativos, cuja validade se explica pelo dito gnômico que, "com a experiência da sabedoria" (v.78), profere a Héracles (vv.81-4):

"não dispares em vão
das tuas mãos uma seta veloz
contra as almas dos mortos.
Nada tens a temer".

Espanto tremendo diante do eídolon audaz do herói Meleagro: eis a reação de Héracles; maravilhado, diz a forma verbal thámbesen (v.84), sua ação é então indagar-lhe (vv.86-8):

"Que deus ou mortal criou
tal vergôntea? E em que terra?"

A nuance do erotismo tinge os contornos fugidios, ora plenamente discerníveis, do eídolon . Revelam-na a ideia da nutrição especial e a metáfora que do guerreiro morto faz vivo e vicejante érnos ("vergôntea, rebento, broto"), em movimento que nitidamente faz emergir a beleza de Meleagro. Isso merece atenção, tanto mais porque a beleza do corpo volta à cena na fala final de Héracles, em nova indagação, como adiante veremos (vv.165-75).
A imagem do érnos -Meleagro recorda vários passos da poesia arcaica em que o elogio à bela forma de um(a) jovem se constrói nesse tipo de metáfora vegetal. Na Odisseia VI.149-87, no elogio de Odisseu a Nausícaa, ele a compara ao "rebento [érnos] viçoso de palmeira" (v.163)21, para ressaltar-lhe a beleza e a juventude.22 Eustácio (Comentário à Odisseia 1558, 17) destaca essa comparação elogiosa, citando outra similar, no Fr. 288 Dav., de Íbico, provindo de um paidikón (canção de elogio de um adulto a um paîs kalós que deseja seduzir):23

... ó Euríalo, broto das glaucas Cárites, das [Horas?]
de belos cabelos o mimo, a ti Cípris
e ela, a de meigos olhos, Pei-
tó, entre botões de rosas nutriram ...

Sustentam a similaridade entre ambos tanto o elogio à beleza de jovens endereçados na fala de um homem adulto, quanto a metáfora vegetal. Acrescente-se que na Odisseia XIV.175-7, também Telêmaco é chamado de érnos - como Nausícaa -, mas em contexto elogioso não erotizado, ao contrário do que se passa com a princesa feácea, pois que visa a descrever a beleza jovem e aristocrática do filho adolescente de Odisseu e Penélope.24
De volta a Íbico, a qualificação de Euríalo como thálos ("rebento, broto") das Cárites lança mão de um termo próprio ao crescimento ou renovação vegetal, que instaura significativa ambivalência vocabular, pois vale também para o corpo humano.25 A caracterização estabelecida em thálos - equivalente à firmada em érnos na Odisseia, para realçar a juventude florescente de Nausícaa e Telêmaco -, revela que o objeto do olhar da persona é um menino agraciado por deusas que se ligam à alegria, à graça física e ao vicejar das plantas. Ressalto que Euríalo é provavelmente o "mimo" das Horas "de belos cabelos", deidades, como as Cárites, atuantes na esfera vegetal; isso segundo o suplemento sugerido pela similaridade do fragmento com os versos 73-5 de Os trabalhos e os dias, de Hesíodo, parte da narrativa da criação de Pandora. Como seria o caso em Íbico, as Horas ("Estações") são em Hesíodo kallíkomoi e se juntam às Cárites e a Peitó, todas atendentes de Afrodite, na iconografia, na poesia, nos cultos, favorecendo a beleza de seus favoritos.
Antes de Íbico, destaca-se também na mélica de Safo a linguagem metafórica que extrai seus elementos da natureza, no contexto do elogio da beleza. Veja-se o Fr. 115, um epitalâmio ou canção de casamento:26

Ao que de belo te comparo, ó caro noivo?
A um ramo [órpaki] esguio mais te comparo ...

No elogio que lhe é cantado, o noivo figura qual ramo jovem ou broto, qualificado como bradínoi, adjetivo que, na outra única ocorrência sáfica em que temos o referente, qualifica Afrodite, domadora que rege o desejo erótico (Fr. 102 Voig27).
Posteriormente, Baquílides usa um termo vegetal para metaforicamente cantar a beleza de Meleagro, em tom elogioso com que Héracles interpela o eídolon que lhe contará sua desafortunada história, e anunciará a desdita daquele que, vivo, lhe fala no Hades, desdita esta que tem como uma de suas molas a paixão erótica - prerrogativa central de Afrodite - e que, como a de Meleagro, se projeta na gnóme (vv.50-5) da ode.
Considerado o cenário aqui brevemente desenhado para a metáfora vegetal da ode, torna-se impossível fechar os olhos à sua carga erótica; isso se reforça ainda pela cogitação, por parte do maravilhado Héracles, da possibilidade da nutrição divina de Meleagro. É justamente no Fr. 288 Dav., de Íbico, que se acham retratadas como nutrizes do menino invocado, Peitó aganoblépharos - de lânguido olhar -, deusa da Persuasão, e "Cípris" - designação aqui particularmente significativa, dadas as relações cultuais da deusa com a esfera vegetal em Chipre bem mais marcadas do que em outras localidades.28 E nutrizes que alimentam o divino thálos com beleza e poder de sedução inelutável, em espaço altamente eloquente: "entre botões de rosas", flores diletas de Afrodite desde a Ilíada XXIII.186-7, em que a deusa, para preservar a beleza do cadáver do herói Heitor dos ultrajes incessantes de Aquiles, "de essência / de rosas e óleo ambróseo o unge".29 Em Íbico, detalhe final, há rosas em botão (rhodéoisin en ánthesi, v.4), precisamente: tal qual o Euríalo-broto, as rosas em meio às quais as deusas o nutrem estão por desabrochar. O perigo potencial das belezas do menino e da rosa ainda lhes é subjacente, mas ali está.
Resta comentar o uso de formas de trépho em Íbico, para a ação de Cípris e Peitó sobre Euríalo, e em Baquílides, no verso (v.88) em que Héracles indaga sobre a nutrição de Meleagro. Já o vemos na Odisseia XIV.175, em que trépho aparece em verso que diz de Telêmaco: "os deuses o nutriram [thrépsan], qual ramo [érneï] fino e viçoso", na tradução literal da descrição da nobre beleza e notável estatura do jovem. Os poetas, é claro, falam de nutrição metafórica: a beleza aristocrática, em Homero; e erótica, que suscita o desejo em quem a contempla, em Íbico e Baquílides, em que os olhos, como é recorrente nas cenas erótico-amorosas, são as portas de entrada de éros.
Retorno ao Epinício 5. Na longa resposta (vv.93-154) que profere, em lágrimas, a Héracles, Meleagro narra a tragédia que o levou à morte, precedendo-a de uma gnóme da qual é ilustrativa: "é difícil / alterar a vontade dos deuses / para os homens mortais." (vv.94-6). Ele se refere ao erro terrível de Eneu, seu pai, que, ao negligenciar Ártemis nos sacrifícios de gratidão pela colheita, dela obteve "ira invencível" (vv.103-4) - diz o epíteto aníkaton, que qualifica Héracles no início da narrativa mítica (v.57). A punição da deusa veio duas vezes, na segunda, atiçando uma guerra contra os Curetes, na qual Meleagro matou dois irmãos de sua mãe, Altaia, tragédia que o herói assim explica (vv.130-5):

"(...): pois Ares de duro coração
não faz distinção entre amigos na guerra;
os projécteis voam-nos cegos das mãos
contra as vidas dos inimigos e levam
a morte àqueles que a divindade entende."

Mas conta ainda Meleagro que disso não quis tomar conhecimento sua mãe, tão cega quanto os mísseis de Ares, tão sedenta da vingança quanto antes Ártemis. Por isso, ela queima a "acha de rápido destino" (vv.141-2) do filho, que mantinha cerrada numa arca. Diz o herói: "o destino determinou então / que isso fosse o fim da minha vida" (vv.142-4). A acha é queimada, reconta-nos Meleagro, quando matava Clímeno, "valente e perfeito de corpo" (vv.146-7) - corajoso e belo, na combinação ética e física própria aos heróis. Súbito esvaiu-se a vida de Meleagro, que assim descreve sua própria morte (vv.151-4):

"Gastou-se-me a doçura de estar vivo:
percebi que me restava pouca força,
ai de mim! Com o último sopro
chorei, desgraçado, por deixar
a glória da minha juventude".

A imagem do érnos é recuperada no verso final, em que o herói lamenta abandonar sua esplendorosa juventude - do tempo da guerra, do tempo de éros . Canta a ode que, tendo ouvido a pungente narrativa, Héracles chorou pela primeira e única vez (vv.155-60), e disse esta gnóme : "Para os mortais / o melhor seria nunca terem visto / a luz do sol" (vv.160-2). E, ao afirmar ser vão chorar, Héracles sugere agir, desposar uma irmã de Meleagro (vv.165-9):

"Será que, no palácio
de Eneu, há
uma donzela solteira
que se pareça contigo
de corpo?
Dela farei minha esposa brilhante".

A ação que anuncia envolve o gámos, o casamento, universo de Hera, do ponto de vista institucional, e de Afrodite, do ponto de vista de sua essencial dimensão do sexo. Na linguagem da ode, é esta dimensão, e não aquela, que se destaca, primeiramente, pelo adjetivo admeta ("indomada, solteira, virgem", v.167), usado no Hino homérico V, a Afrodite, em que, ironia das ironias, a deusa do sexo se apresenta ao pastor Anquises, a quem quer levar ao leito, disfarçada de mortal "virgem virginal" (parthénoi admétei, v.82), numa combinação rara na poesia arcaica, em que os sentidos se retomam e reforçam, em repetição poética eloquente para se pensar o caráter ardiloso de Afrodite e da sedução erótica;30 repare-se que a ironia se repete adiante, pela boca da própria deusa, em sua fala ao troiano, pois se diz "virgem (...) e inexperiente no amor" (adméten ... apeiréten, v.133).
E, depois, no epinício, destaca-se o erotismo que envolve o gámos pela sequência do verso 168, em que Héracles mostra desejar uma virgem tão bela quanto Meleagro, em passagem que comprova a dimensão erótica da metáfora do érnos (vv.86-8) na primeira fala de Héracles ao eídolon do herói. Maehler (2004: 127) reconhece nos versos 165-9 o que não anota nos versos 86-8, o "elogio discretamente erótico a Meleagro" . E, diga-se, deste à sua irmã, nesta fala a Héracles (vv.172-5):

"Deixei em casa Dejanira
com o colo no viço da juventude,
ainda inexperiente de Cípris dourada,
que enfeitiça os mortais".

O herói descreve Dejanira com ênfase em sua pele vicejante e, portanto, juvenil - lembre-se de Meleagro, a prantear (v.154) sua juventude extinta -, conferindo à irmã um epíteto que retoma o verdecer vicejante de érnos, como o chamou Héracles, khloraúkhena. A tradução desse epíteto - que em Simônides qualifica rouxinóis (Fr. 586 P), em imagem cromática de difícil compreensão31 - é muito discutida; Smyth (1963: 411) observa que khlorós32 "é frequentemente usado para a beleza juvenil, o frescor e a delicadeza", valores positivos - e o aspecto elogioso de khloraúkhena para Dejanira é, como bem anota Irwin (1974: 73), indiscutível. Isso inviabiliza, prossegue a helenista, sua associação à palidez doentia, válida para o Fr. 31 Voigt, de Safo, por exemplo; logo, são inadequadas, conclui Irwin, traduções do tipo "de pálido pescoço",33 inclusive porque, ressalta ela, o termo que adjetiva positivamente a beleza da palidez é leukós, e não khlorós .
Considerando, pois, o caso de Simônides, em que Irwin (1974: 73) sugere entendermos o epíteto khloraúkhen como descritivo dos pescoços pulsantes dos rouxinóis ao cantarem, a estudiosa julga que Baquílides, ao empregá-lo para Dejanira, está "chamando a atenção para a qualidade musical de sua voz", ou para o fato de que, à diferença de Meleagro que dela fala, a moça está viva e, portanto, sonoramente se move seu pescoço ao emitir sua voz. A leitura sustenta-se, de fato, bastante bem, mas parece ter se mantido a atenção ao verdor referido em khlorós, o qual, metaforicamente, leva à ideia do frescor, que embasa várias traduções,34 como a que aqui cito sempre para o Epinício 5, de Baquílides. Cairns e Howie (2010: 167, 242-3), porém, preferem "de pescoço verde", cuja vantagem, penso, é de perceber Meleagro a falar de Dejanira em metáfora vegetal com que antes foi por Héracles descrito, enfocando sua aparência física e condição de jovem virgem, em resposta aos pontos salientados pelo filho de Zeus, em sua indagação.
Atente-se, ainda, quanto a Dejanira, no modo como sua condição de virgem é anunciada, modo este que recorda um passo d' Os trabalhos e os dias (vv.519-21), de Hesíodo, em que de Bóreas diz o narrador que

Não atinge, porém, a pele delicada da donzela
que permanece no interior da casa junto da mãe querida,
sem ainda conhecer as artes da dourada Afrodite.
35

Tanto acima, quanto no verso 174 do epinício de Baquílides, a falta de conhecimento de Afrodite e de sua esfera é marcada por termos relacionados a oîda ("conheço"); e em ambos os trechos, Afrodite recebe o epíteto que lhe é singular na tradição épico-homérica, "áurea",36 e recorrentemente empregado, com variações ou não, na poesia grega arcaica, a realçar a beleza insuperável da deusa, irresistível. Mas algo mais se sobressai do Epinício 5: Afrodite é também thelximbrótou, diz o epíteto que instaura, ao fim do diálogo, o binômio éros -magia.37 Este produz três evocações. Uma, do filtro encantado que a terrivelmente enciumada Dejanira despeja - ignorante de seus efeitos - sobre a túnica com que presenteia Héracles, tentando seduzi-lo a voltar para ela - filtro este recebido do centauro Nesso, com seu próprio sangue, quando morria pelas mãos do herói que do monstro salvava a irmã de Meleagro. Outra, da desgraça do filho de Zeus, devorado vivo pela túnica que, em vez de reacender seu desejo por Dejanira - objetivo por ela pretendido -, mata-o. E outra, enfim, da faceta feiticeira de Afrodite e da paixão erótica.
A ligação éros -magia pontua a poesia grega desde a Ilíada XIV.161-354,38 no episódio da sedução de Zeus por uma irresistível Hera, com o auxílio involuntário de Afrodite e de seu cinto, em que estão (vv.216-7)

(...) o amor e o impulso de eros; o enlace de núpcias
e o enlevo sedutor, que mesmo aos sábios faz perder o juízo. (...)

Estes são os thelkteria pánta de Afrodite - "todos os seus encantos" (v.215), diz a expressão que usa um substantivo derivado de thélgo ("encanto, enfeitiço"), verbo comum em contextos mágicos.39 Bem atestada na poesia, essa relação éros -magia também nos remete a um dos mais célebres objetos arcaicos, a "taça de Nestor" (c. 740- 725 a .C.), cuja inscrição declara: 40

"De Nestor s[ou] a taç[a], deliciosa.
Aquele que desta delíci[a] beber - de pronto o
tomará o desejo de Afrodite de bela co[ro]a".

Faraone (2001: 18-9) afirma ser este "o mais antigo exemplo no mundo grego" de um feitiço para a potência sexual, centrado, como é apropriado, na deusa do sexo, cujo nome, não por acaso, circula nos encantamentos eróticos, literários ou não.41
Na mélica, o único fragmento que combina paixão erótica e magia é o 287, de Íbico.42 Nele, a expressão kelémasi pantodapoîs, que nomeia no verso 3 um dos instrumentos com que Éros atira o amador à rede de Afrodite, denuncia a dimensão da magia como componente de outras (guerra, caça, competição atlética) que se imiscuem na imagem sombria da paixão erótica, de sua vítima e de seus algozes. Conforme Parry (1992: 24), kelémasi deriva de um dos verbos que "aparecem tanto nas formas mais arcaicas de mágica, quanto nas mais tardias", keléo, no verbete de Chantraine (1999), "encantar, seduzir, fascinar, enfeitiçar", "em princípio, com palavras ou cantos" . Depois de Íbico, o binômio verifica-se em Baquílides, no epinício ora em pauta, e em Píndaro, com destaque para a Ode Pítica 4 - em que Afrodite aparece para ensinar a Jasão um feitiço (îynx43) para conquistar Medeia -, e nos poetas trágicos. Interessa-me particularmente, por conta do mito narrado no Epinício 5, a tragédia Traquínias,44 de Sófocles, com a qual em breve retorno ao poeta mélico.
Na peça, tomada de ciúmes pelo desejo erótico que arrebata Héracles por Íole, Dejanira envia ao marido ausente, que tarda no regresso à casa, um presente, uma túnica majestosa, embebida, como ela mesma descreve (vv.578-87), no sangue de Nesso, que a ela o dera (com instruções de uso) antes de morrer pela mão de Héracles. Com tal arma, ela diz ao coro querer vencer a rival "com filtros e encantamentos" (phíltrois ... thélktroisi, vv.584-545). Adiante, quando Héracles, irado e torturado por dores lancinantes - já que sua carne é consumida vorazmente pela túnica que dela não desgruda -, indaga ao filho Hilo qual "sortilégio" (pharmakeús, v.1140) o vitima, conhece o que fizera sua esposa.
Essa ideia do phíltron mágico como artifício que sela a desgraça de Héracles na tragédia - e de Dejanira, que se mata ao conhecer seu erro - subjaz ao Ditirambo 16, de Baquílides, ao "cuidadoso ardil multilacrimoso" (vv.24-5), tecido pelo "inelutável nume" (v.23) para Dejanira - um tecer de trama erótica, com os fios do ciúme e da paixão, evocado diversas vezes na poesia antiga desde Homero, como já frisei. Fruto do "ciúme violento" (v.31), o ardil a Dejanira e a Héracles destruiu, assim que ela de Nesso recebeu o "divo portento" (v.35), "no róseo Licorma" (v.34) - rio de margens cheias de rosas, as flores favoritas de Afrodite, carregadas de erotismo, disse-o antes.
Nesta primeira abordagem, portanto, qual é, em síntese, a imagem de Afrodite no Epinício 5, de Baquílides? Inserida em sua esfera primordial, da paixão erótica, Afrodite é thelximbrótou, feiticeira que enreda em seus enganos os mortais a quem encanta - na narrativa mítica em pauta, a Héracles, que se encantará com a virginal e bela irmã do belo Meleagro, como ele próprio o materializa em seu discurso a Dejanira que, experiente de Cípris, contam-nos a tragédia de Sófocles e o ditirambo do poeta mélico, tentará enfeitiçar Héracles para torná-lo novamente dela desejoso, valendo-se, de modo tragicamente imprudente, cega pela paixão, de um feitiço que, em verdade, não conhece. Preparada por elementos eróticos cuidadosamente dispostos na ode, com grande sutileza, a entrada final de Afrodite em cena combina, como é frequente em suas representações, prazer e dor, vida e morte, beleza e destruição, pois que anuncia, ao final do Epinício 5, que canta a tragédia de Meleagro, a tragédia de Héracles, que, como qualquer outro mortal, lembra a gnóme, não é eudaímon ("feliz, afortunado") em todas as coisas, porque - mostram as historias desses heróis e mesmo de Dejanira - ninguém tem pleno domínio, pleno conhecimento - é notável na ode a força do tema do (des)conhecimento - do alcance de todas as suas ações.

Notas

1 Edição: Maehler (2004).

2 Ver Pirenne-Delforge (1994: 309-70) e Ragusa (2005: 103-20), para a ligação Afrodite-Chipre na poesia, na história, na religião.

3 Traduções minhas.

4 Traduções minhas.

5 Equivale a este o substantivo érga ("trabalhos, feitos, obras"), muito usado desde a Ilíada V.429.

6 Ver Ragusa (2005: 103-20) para tal designação e a equivalente Ciprogênia, com discussão de fontes primárias e bibliografia crítica pertinentes.

7 Baseio os comentários sobre essa relação em Ragusa (2005: 127-38).

8 Para estudo e tradução, Ragusa (2010, pp. 439-65), em capítulo sobre Afrodite-Eros.

9 Ver estudo detido do epíteto e da relação entre Afrodite e o ardil em Ragusa (2005: 162-72), com comentário de bibliografia pertinente.

10 Ver Ragusa (2005: 179-85, 339-340), para o epíteto e para o elo ouro-Afrodite, com discussão de bibliografia e fontes primárias.

11 Traduções: Campos (2001).

12 Ver a propósito de Heitor e Andrômaca na Ilíada e em Safo (Fr. 44 Voigt) o estudo de Ragusa (2006: 36-63), com discussão de bibliografia pertinente.

13 Ver estudo e tradução do fragmento, com discussão de bibliografia pertinente, em Ragusa (2010: 518-56).

14 Esse epíteto é-lhe conferido novamente na Helena (v.238), de Eurípides.

15 Diz Garrison (2000: 40): "Os gregos entendiam todos os seus deuses como enganadores - mas nenhum mais do que Afrodite".

16 Tradução: Ramos (1964: 50). O fragmento pertence ao poema Helena.

17 Ver estudo e tradução do fragmento, com discussão de bibliografia pertinente, em Ragusa (2010: 394-418).

18 Ver estudo e tradução do fragmento, com discussão de bibliografia pertinente, em Ragusa (2005: 193-232).

19 Fonte: Papiro do Museu Britânico (A: século II d.C.).

20 Texto grego para Baquílides: Maehler (2004). Tradução do epinício: Lourenço (2006: 83-90). A máxima lembra de perto a dos versos 36-9 do Partênio de Álcman, que, como no epinício, liga-se a um mito sombrio que contrasta com o presente luminoso da canção. Para o Partênio : Ragusa (2010: 101-207).

21 Tradução: Nunes (1962). Ver comentário à imagem da palmeira, apenas quando jovem esbelta e alta: Hainsworth, in Heubeck et alii (1990: 304), e Milanezi, in Bérard (2002a: 233). Para comentário ao elogio de Odisseu: Gross (1985: 36-40).

22 Petropoulos (2003: 61-2), assinalando nas fontes gregas e também em outras culturas a persistência de comparações entre jovens a plantas, nela reconhece um sinal da "alta probabilidade de que essa idéia sobretudo estética provenha do imaginário popular".

23 Tradução e estudo, base dos comentários aqui feitos: Ragusa (2010: 321-61).

24 Ver estudo de Belmont (1967: 1-9) sobre a juventude a partir de Telêmaco e Nausícaa.

25 Ver Aubriot (2001: 53-7).

26 Tradução: Ragusa (2011: 118).

27 Na Teogonia (v.195), de Hesíodo, o adjetivo qualifica os pés de Afrodite, ao fim da narrativa de sua geração no mar e ascensão ao Olimpo.

28 Para mais sobre as afinidades de Afrodite com o mundo vegetal, ver Pirenne-Delforge (1994: 368-9, 410-4), Garrison (2000: 72), Ragusa (2005: 199-232).

29 Tradução: Campos (2002).

30 Ver Faulkner (2008:163-4) para comentário e texto grego; tradução minha.

31 Para o problema da terminologia e percepção de cores dos gregos, ver Irwin (1974, pp. 3-30).

32 Para esse termo, ver Irwin (1974: 31-78).

33 Ver Irigoin (2002: 133), Maehler (2004: 127).

34 Ver Jebb (1905: 20-1), Lattimore (1960: 75), Gerber (1970: 357), Romero (1988: 104), Campbell (1992: 151), Fowler (1992: 234), Mulroy (1995: 155), Miller (1996: 210), Fagles (1998: 18), Slavitt (1998: 31).

35 Tradução de Ferreira (2005).

36 Ver, sobre o epíteto e a ligação de Afrodite com o ouro: Ragusa (2005: 179-85).

37 Todo o comentário sobre esse binômio baseia-se em Ragusa (2004: 18-32; 2010: 480-507).

38 Ver Bonner (1949: 1-6), Faraone (2001: 97-110), Janko (2003: 184-5).

39 Ver Murgatroyd (1983: 68-70).

40 Descoberta em 1954. Texto grego: S. West (1994: 9), Faraone (1996: 78). Tradução: Ragusa (2004: 19). Os poucos suplementos são quase que consensualmente aceitos: ver Faraone (1996: 78). Para a fala da taça em 1ª pessoa do singular, ver Svenbro (1993: 26-43).

41 Para exemplos, ver Faraone (1996: 93-4, 105-6) e Winkler (1997: 214-43).

42 Para estudo do fragmento e discussão de sua fortuna crítica, Ragusa (2010: 408-507).

43 Trata-se de um "pássaro de pescoço torcido atrelado a uma pequena roda", diz Race (1997: 287); essa roda "é então girada de modo a arrastar um amante em direção a um lugar determinado", completam Bing e Cohen (1993: 150). Ver ainda Faraone (2001: 60-8, 176).

44 Tradução: Oliveira (2009).

45 Note-se a semelhança da linguagem com a tragédia Hipólito (vv.509-10), de Eurípides.

Bibliografía

1. Aubriot, D. (2001) "L'homme-végétal", en Delruelle, É.; Pirenne-Delforge, V. (eds.)., Kêpoi, Liège: 51-62.         [ Links ]

2. Belmont, D. E. (1967) "'Telemachus and Nausicaa: a study of youth", CJ 63: 1-9.         [ Links ]

3. Bérard, V. et al. (2002a) Homère, Odyssée, chants I à VII, Paris.         [ Links ]

4. Bérard, V. et al. (2002a) Homère, Odyssée, chants VIII à XV, Paris.         [ Links ]

5. Bing, P.; Cohen, R. (1993) Games of Venus, New York.         [ Links ]

6. Bonner, C. (1949) " KESTOS IMAS and the saltire of Aphrodite ", AJPh 70: 1-6.         [ Links ]

7. Cairns, D. L.; Howie, J. G. (2010) Bacchylides: Five Epinician Odes (3, 5, 9, 11, 13), Cambridge.         [ Links ]

8. Campbell, D. A. (1992) Greek Lyric IV, Cambridge.         [ Links ]

9. Campos, H. de. (2001) Ilíada de Homero, volume I, São Paulo.         [ Links ]

10. Campos, H. de. (2002) Ilíada de Homero, volume II, São Paulo.         [ Links ]

11. Chantraine, P. (1999) Dictionnaire étymologique de la langue grecque, Paris.         [ Links ]

12. Davies, M. (1990) Sophocles; Trachiniae, Oxford.         [ Links ]

13. Davies, M. (1991) Poetarum Melicorum Graecorum Fragmenta I, Oxford.         [ Links ]

14. Fagles, R. (1998) Bacchylides, New Haven. [1a ed.: 1961]         [ Links ]

15. Faraone, C. (1996) "Taking the 'Nestor's cup inscription' seriously", ClAnt 15: 77-112.         [ Links ]

16. Faraone, C. (2001) Ancient Greek Love Magic, Cambridge.         [ Links ]

17. Faulkner, A. (2008) The Homeric Hymn to Aphrodite, Oxford.         [ Links ]

18. Fearn, D. (2007) Bacchylides: Politics, Performance, Poetic Tradition, Oxford.         [ Links ]

19. Ferreira, J. R. et al. (2005) Hesíodo, Teogonia, Trabalhos e dias, Lisboa.         [ Links ]

20. Fowler, B. H. (1992) Archaic Greek Poetry, Madison.         [ Links ]

21. Gerber, D. E. Euterpe . Amsterdam: Adolf M. Hakkert, 1970.         [ Links ]

22. Gross, N. P. (1985) Amatory Persuasion in Antiquity, Newark.         [ Links ]

23. Heubeck, A. et al. (1990) A Commentary on Homer's Odyssey, volume I, Oxford.         [ Links ]

24. Irigoin, J. (ed.) et al. (2002) Bacchylide, Paris.         [ Links ]

25. Irwin, E. (1974) Colour Terms in Greek poetry, Toronto.         [ Links ]

26. Janko, R. (2003) The Iliad: a Commentary, volume IV, Cambridge.         [ Links ]

27. Jebb, R. C. (1905) Bacchylides, Cambridge.         [ Links ]

28. Lattimore, R. (1960) Greek Lyrics, Chicago. [1 a ed.: 1949]         [ Links ]

29. Lourenço, F. (2006) Poesia grega de Álcman a Teócrito, Lisboa.         [ Links ]

30. Maehler, H. (2004) Bacchylides, Cambridge.         [ Links ]

31. Mazon, P. et al. (2002a) Homère, Iliade, chants I à VIII, Paris.         [ Links ]

32. Mazon, P.; Monsacré, H. (2002b) Homère, Iliade, chants XVII à XXIV, Paris.         [ Links ]

33. Miller, A. M. (1996) Greek Lyric, Indianapolis.         [ Links ]

34. Mulroy, D. (1992) Early Greek Lyric Poetry, Ann Arbor.         [ Links ]

35. Murgatroyd, P. (1983) "Magic imagery applied to love", EMC 27: 68-77.         [ Links ]

36. Nunes, C. A. (1962) Homero, Odisséia, São Paulo.         [ Links ]

37. Oliveira, F. R. (2009) Sófocles, Traquínias, Campinas.         [ Links ]

38. Page, D. L. (1962) Poetae Melici Graeci, Oxford.         [ Links ]

39. Parry, H. (1992) Thelxis, Lanham.         [ Links ]

40. Petropoulos, J. C. B. (2003) Eroticism in ancient and medieval Greek Poetry . London: Duckworth, 2003.         [ Links ]

41. Pirenne-Delforge, V. (1994) L'Aphrodite grecque, Athènes, Liège.         [ Links ]

42. Ragusa, G. (2004) "Afrodite, éros e feitiçaria no Idílio 2, As Magas, de Teócrito", Calíope 12: 18-32.         [ Links ]

43. Ragusa, G. (2005) Fragmentos de uma deusa: representação de Afrodite na lírica de Safo, Campinas.         [ Links ]

44. Ragusa, G. (2006) "Heitor e Andrômaca, da festa de bodas à celebração fúnebre: imagens épicas e líricas do casal na Ilíada e em Safo (Fr. 44 Voigt)", Calíope 15: 36-63.         [ Links ]

45. Ragusa, G. (2010) Lira, mito e erotismo: Afrodite na poesia mélica grega arcaica, Campinas.         [ Links ]

46. Ramos, P. E. da S. (1964) Poesia grega e latina, São Paulo.         [ Links ]

47. Redfield, J. (1982) "Notes on the Greek wedding", Arethusa 15: 181-201.         [ Links ]

48. Romero, F. G. (1988) Baquílides, Odas y Fragmentos, Madrid.         [ Links ]

49. Slavitt, D. R. (1998) Epinician Odes and Dithyrambs of Bacchylides, Philadelphia.         [ Links ]

50. Smyth, H. W. (1963) Greek Melic Poets, New York. [1 a ed.: 1900].         [ Links ]

51. Svenbro, J. (1993) Phrasiklea, Ithaca.         [ Links ]

52. West, M. L. (1982) Hesiod; Works and Days, Oxford.         [ Links ]

53. West, M. L. (ed.) (1998) Iambi et Elegi Graeci, Oxford. [1 a ed.: 1971].         [ Links ]

54. West, S. (1994) "Nestor's bewitching cup", ZPE 101: 9-15.         [ Links ]

55. Winkler, J. J. (1997) "The constraints of Eros", en Faraone, C. A.; Obbink, D. (eds.) Magika hiera, Oxford: 214-43.         [ Links ]

Creative Commons License Todo el contenido de esta revista, excepto dónde está identificado, está bajo una Licencia Creative Commons