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Revista latinoamericana de filosofía

versión On-line ISSN 1852-7353

Rev. latinoam. filos. vol.39 no.2 Ciudad Autónoma de Buenos Aires dic. 2013

 

ARTÍCULOS ORIGINALES

Michel Foucault: filosofia, linguística e estruturalismo

 

Fabiano Lemos
Universidade do Estado do Rio de Janeiro


RESUMO: O artigo se propõe a esclarecer a hesitante relação de Foucault com a teoria estruturalista da década de 1960 a partir da recondução histórica e política dessa questão ao debate intelectual que procurou, com maior ou menor sucesso, no modelo linguístico de Saussure, uma nova grade de inteligibilidade para as ciências humanas ciências humanas. A descrição das transformações que ocorreram no interior deste debate e o modo como elas levaram Foucault a repensar sua participação nele nos ajudam a esclarecer como a simpatia explícita pelo estruturalismo do início dos anos 1960 cede lugar a uma recusa insistente de filiar-se a ele no final dessa década.

PALAVRAS-CHAVE: Foucault; Estruturalismo; Linguística.

ABSTRACT: This paper intends to elucidate the hesitating relation between Foucault and structuralist theory at the 1960s by recasting it, in a historical and political way, within the intellectual debate that tried to build, more or less successfully, a new grid of comprehensibleness to humanities from the linguistic model of Ferdinand de Saussure. The descritption of transformations that took place within this debate and the way they compelled Foucault to rethink his participation in it could help us to understand how explicit affinities towards structuralism in the beginning of the 1960s gives place to an insistent refusal of affiliation at the end of this decade.

KEYWORDS: Foucault, structuralism, linguistics.


 

La Science, ayant dans le Langage trouvé une confirmation d'elle-même, doit maintenant devenir une CONFIRMATION du Langage.
MALLARMÉ

 

1. Da Literatura à Linguística

Direta ou indiretamente, as pesquisas de Michel Foucault estiveram, desde o início, envolvidas com as tradições dos estudos literários. Seu estudo monográfico sobre a ficção proto-surrealista de Raymond Roussell, em 1963, não constituiu o primeiro esforço neste sentido. Já as presenças de Sade, Nerval, Bataille e Artaud na Histoire de la folie, dois anos antes, são sintomáticas de um procedimento que se estenderia até seus últimos textos: uma interpolação entre filosofia e literatura que, esboroando os limites entre ambas, acaba por colocá-las sob um mesmo estatuto epistemológico na história dos sistemas de pensamento.
Este mecanismo metodológico em geral não era exatamente novo. Do romantismo de Hölderlin ao existencialismo de Sartre, de Diderot a Benjamin, as narrativas ficcionais exigiram para si, em maior ou menor grau, uma dignidade filosófica segundo a qual elas puderam ser pensadas riogorosamente; e isto, no quadro emergente das disciplinas das ciências humanas, queria dizer: não apenas como objeto de fruição sensível, de catarsis clássica ou entretenimento burguês, mas como signo de uma determinação antropológica - ou, em alguns casos, mesmo cosmológica - a ser revelada pela reflexão filosófica. Os desenvolvimentos históricos deste princípio geral de leitura dos textos literários marcam, assim, o caminho que une a origem da estética como disciplina autônoma na passagem do século XVIII para o XIX ao surgimento mesmo da crítica literária dos anos 1940 e 1950.
É nesta paisagem que os trabalhos de Foucault - alinhado aos do grupo de jovens investigadores que se organizavam em torno da paradigmática revista dirigida por Philippe Sollers, a Tel Quel - parecem ter dado um passo além. Para ele, como para os outros integrantes do grupo - Julia Kristeva, Roland Barthes, Jacques Derrida, Denis Roche são alguns deles - não era a filosofia ou a psicanálise ou qualquer outro domínio metodológico autodeclarado como sistemático que seria capaz de fornecer as chaves de decifração do código antropológico.1 Antes, o contrário: a literatura - o romance, a poesia, o teatro, enfim, o texto - se desloca do quadro geral de classificações organizado pela verdade das ciências para o espaço onde passa a funcionar como condição mesmo de toda representação, de todo discurso, de toda reflexão inteligível - inclusive a da ciência. Aquilo que os autores da Tel Quel chamam de écriture, a dimensão estruturalmente mais geral da literatura, passa a organizar um novo quadro de representação - um quadro semiológico.
Do outro lado do Atlântico, e quase uma década depois, os trabalhos de Foucault começavam a ser lidos por alguns grupos de professores dos departamentos de literatura comparada e, mais especificamente, por aqueles que fomentaram a entrada de um modelo de investigação ali conhecido logo depois como French Theory. Sobretudo a partir da publicação, em 1979, da primeira tradução integral em inglês do texto Qu'est-ce qu'un auteur?, conferência pronunciada na França dez anos antes, o nome de Foucault ficou associado, desde estes grupos, aos estudos literários e culturais, e definiu para suas pesquisas um destino bastante particular, vinculado menos à filosofia que à literatura - um destino americano.2 Nesse momento, em Paris, a publicação de Surveiller et punir, assim como do primeiro volume da Histoire de la sexualité, já haviam relativizado suficientemente a compreensão do trabalho de Foucault no âmbito da crítica literária francesa. Seja como for, redefinindo as premissas metodológicas do estruturalismo, em consonância com o grupo da Tel Quel, ou, mais tarde, se tornando o paraninfo intelectual do New Criticism americano, através da estética da escritura ou da análise do discurso, as pesquisas da arqueologia-genealogia acabaram por ser associadas, em um ou outro momento, a pesquisas sobre a linguagem especificamente literária.
A insistência - certamente legítima - neste aspecto das pesquisas de Foucault deixa, no entanto, esquecida, uma outra abordagem do problema da linguagem que pode se mostrar central na compreensão de suas posições metodológicas: o tema da linguística como ciência. Não se trata de afirmar, apressadamente, que seu trabalho poderia ser interpretado nos limites de uma teoria linguística, já que definições como discurso, enunciado, saber, ao menos á primeira vista, parecem romper com a exigência de autonomia estrutural da língua erguida por Ferdinand de Saussure e, mais incisivamente, por Hjelmslev na primeira metade do século XX.3 É fato que uma certa concepção de énoncé, tal como utilizada por muitos linguistas, habita os limites entre linguística e outras disciplinas - psicanálise, filosofia da linguagem - mas, neste caso, o termo é entendido como o resultado dos processos de fala, de enunciação - algo próximo dos problemas erguidos pela teoria dos Speech Acts, que Foucault rejeita pontualmente em L'archéologie du savoir.4 Da mesma forma, o termo sentence, que corresponde, na linguística anglo-saxônica, ao énoncé francês, traduz uma proposição qualquer em uma função lógica, algo completamente estranho aos procedimentos investigativos da arqueologia dos saberes.5 Dificuldades semelhantes poderiam ser apontadas em relação ao termo discours.6
Em uma entrevista publicada em 1967, Foucault é bastante explícito quanto a este ponto: "(...) não estou tanto interessado nas possibilidades formais oferecidas por um sistema como a língua [langue]. Pessoalmente, sou mais obcecado pela existência dos discursos, pelo fato de que palavras ocorreram: estes eventos funcionaram em relação a sua situação original, deixaram traços atrás deles, eles subsistem e exercem, naquela substância mesma no interior da história, certo número de funções manifestas ou secretas".7 É neste sentido que podemos compreender a afirmação de Deleuze quanto à própria tarefa da arqueologia, que seria um esforço de encontrar uma forma de expressão que não se confundisse com nenhuma unidade lingüística (Deleuze, 1986, 57).
No entanto, se, por um lado, é difícil identificar uma dimensão diretamente linguística no trabalho de Foucault, por outro, não se pode afirmar que o interesse que ele dedicou a este campo tenha sido superficial. Podemos dizer que as ciências da linguagem se constituiram como objeto de suas leituras de dois modos, e é possível que eles não sejam totalmente independentes um do outro: em primeiro lugar, como objeto histórico, na problematização da Gramática Geral e da emergência da Linguística moderna em Les mots et les choses e alguns poucos artigos; em segundo lugar, como objeto metodológico, em diversos momentos em que as premissas da linguística geral são analisadas como metodologia de pesquisa das ciências humanas. No primeiro caso, o círculo parece se fechar em torno de autores do século XVII ao XIX - especialmente da Gramática de Port-Royal, de Condillac, dos escritos de Destutt de Tracy, e, em seguida, de Bopp, Schlegel, Jacob Grimm - e pode ser encontrado quase que integralmente desenvolvido já em 1966, em Les mots et les choses (especialmente pp. 92-136 e 292-313). Sua principal tese é a de que o surgimento da linguística no século XVIII - por oposição ao projeto gramatical da época clássica que lhe antecede - insere no horizonte problemático das emergentes ciências humanas a questão da significação e do sistema de signos (1966, 368-369).
No segundo caso, contudo, as observações de Foucault são bem mais dispersas e, ocasionalmente, mesmo elípticas. É observável que a maneira com a qual ele abordou a metodologia linguística se integrou - de modo, evidentemente, muito particular - nos esforços operados por toda a geração de intelectuais franceses das décadas de 1960 e 1970, sobretudo, em reconhecer nas formulações de Ferdinand de Saussure e seus seguidores os instrumentos conceituais capazes de organizar, rigorosamente, um novo caminho para as ciências do homem. Em geral, as reflexões de Foucault em torno destas tradições se detiveram em aspectos bastante específicos, girando em torno daquelas dimensões que foram mais recorrentemente instrumentalizadas por esses intelectuais - um recorte de interesse que o ajudou a compreender o projeto estruturalista que eles vieram a constituir e se posicionar diante dele. Foi ao pensar o método estrutural em função de sua emergência a partir da questão da relação entre linguagem e epistemologia - operação que Lévi-Strauss, Lacan e Barthes já haviam feito - que Foucault pôde delimitar mais nitidamente seu trabalho. Sua conhecida hesitação, durante boa parte da década de 1960, em afastar-se de modo claro do estruturalismo - que deu origem a uma versão estruturalista de Foucault que ele mesmo teve, desde as décadas seguintes, de negar, insistentemente - parece dar lugar a uma posição mais inequívoca ao mesmo tempo em que estas reflexões em torno da linguística são empreendidas. Assim, a hipótese que gostaria de abordar aqui é a de que os interesses e impasses da arqueologia-genealogia com a linguística nos permitem esclarecer seus interesses e impasses com o estruturalismo como fenômeno na paisagem intelectual francesa e circunscrever mais nitidamente as características desta arqueologia-genealogia como projeto filosófico diante de tal fenômeno. Trata-se, para isso, de resgatar o espaço problemático que caracterizou o estruturalismo e de reunir os textos dispersos onde a Linguística se coloca como questão metodológica e epistemológica para Foucault e desenhar o mapa de suas articulações.

2. Da Linguística ao Estruturalismo

A história da linguística do século XX - e isto é mesmo um lugar-comum - como que se confunde facilmente com a história do estruturalismo, incluindo sua pré-história e seu declínio. Não seria possível refazer ou resumir aqui, evidentemente, esses dois intrincados percursos, nem mesmo esgotar seus imbricamentos. No entanto, embora as relações de Foucault com tais trajetórias sejam mais complexas que de pertencimento ou de confronto direto, não podemos dizer que elas tenham sido superficiais, e seria igualmente impossível compreendê-las sem avaliarmos certas linhas gerais de seu desenvolvimento. Menos que suas histórias, é preciso reconstruir, portanto, algumas de suas representações.
Se o século XIX havia sido marcado pela emergência da filologia como disciplina orientadora dos estudos sobre a linguagem, levando-os na direção de um comparativismo historicista (Turner, 1983, 450-476; Lemos, 2008, 150-162) - por vezes hegeliano - os primeiros anos do século seguinte se identificam com o esforço sistemático de superar esta tendência. Seria equivocado e inútil tentar dar conta brevemente dos elementos postos em circulação neste esforço, que, afinal, tiveram destinos muito diferentes na Europa ou nos Estados Unidos, por exemplo. Além disso, uma das principais fontes da linguística moderna, Ferdinand de Saussure, ocupa uma posição lacunar e muitas vezes ambígua: seu Cours de linguistique générale, publicado em 1916, é, apesar do trabalho de seus editores, um pastiche de anotações de alunos que assistiram a seus seminários alguns anos antes e de suas anotações pessoais. Contudo, a insistência na reimplementação do corte saussuriano nas ciências humanas que o estruturalismo parece ter buscado parece ser inversamente proporcional a essa lacunaridade.
Foi aproximadamente na segunda metade da década de 1940 que, na França, as ideias de Ferdinand de Saussure começaram a atravessar o limite estreito dos círculos de linguistas do Velho Mundo e passaram a repercutir na filosofia, na antropologia, na psicanálise e na história. É verdade que isso aconteceu, inicialmente, de forma indireta: o impacto que a exigência de retono á linguística, em função de uma "estreita analogia de método" (Lévi-Strauss, 1958, 37-62) com a sociologia, erguida por Lévi-Strauss já em 1945, visava muito mais os desdobramentos destas ideias elaborados por Nicolai Troubetskoi e Roman Jakobson que o próprio Saussure.8
Seja como for, tal retorno parece ter despertado, também, o interesse de um outro futuro grande leitor de Saussure e Jakobson: Jacques Lacan. Em seu relatório do Congresso de Psicologia ocorrido em Roma, em 1953, Fonction et champ de la parole et du langage, Lacan, citando explicitamente as consequências das pesquisas de Lévi-Strauss sobre as estruturas da linguagem e o parentesco, nos informa até que ponto o retorno à linguística vai ao encontro de seu projeto geral de fazer a psicanálise retornar a Freud:

A linguística pode aqui nos servir de guia, já que está aí o papel que ela tem à frente da antropologia contemporânea, e não saberíamos permanecer indiferentes a ela.
A forma de matematização em que se inscreve a descoberta do fonema como função dos pares de opostos formados pelos menores elementos discrimanantes apreendidos da semântica nos leva aos próprios fundamentos onde a última doutrina de Freud designa, numa conotação vocálica da presença e da ausência, as fontes subjetivas da função simbólica. (Lacan, 1966a, 284-285)

Através de uma disposição teórica confessadamente inspirada pela antropologia de Lévi-Strauss, a forma-função atravessa o campo freudiano dos signos, reorganizando-o. A noção de um inconsciente estruturado como linguagem, que Lacan busca em Freud - que aparece, assim, como um estruturalista avant la lettre - se manifesta mais nitidamente, contudo, através da metodologia da linguística. De Lévi-Strauss, Lacan recua até Jakobson,9 e somente após esta leitura, a Saussure. Seu ensaio de 1957, L'instance de la lettre dans l'inconscient , ou la raison depuis Freud, atesta este estreitamento posterior com a linguística.
É claro que não se trata de fazer da Anthropologie Structurale ou dos seminários lacanianos lugares inequívocas de uma dinastia linguística homogênea qualquer. Antes, o contrário: o esforço do estruturalismo que seus autores passaram a representar - coerente ou incoerentemente - no imaginário intelectual da França do pós-guerra foi, sobretudo, o de uma apropriação. Não importa tanto se Lévi-Strauss procurou, bem mais tarde, minimizar a importância da tradição de Saussure em seu trabalho,10 ou se Lacan interpretou esta tradição muito mais dentro dos quadros teóricos precisos da fonologia de Jakobson (Roudinesco, 1993, 238-239; 275-276). Talvez estes afastamentos estejam alinhados mesmo à própria recusa de Foucault, nos textos a partir de 1967, em ser identificado através das premissas estruturalistas. O fato é que as pesquisas destes intelectuais simbolizaram, para os jovens intelectuais do começo da década de 1960, o elo perdido entre o Cours de linguistique générale e as urgentes críticas ao humanismo e à fenomenologia. Essa crítica foi, no entanto, mais precisa que um simples alistamento inconsequente nas fileiras do estruturalismo. Na verdade, ainda que bastante heterogênea no que diz respeito aos seus interesses e objetos, ela parece ter identificado alguns conjuntos problemáticos, que se sucedem, desenhando o quadro geral e articulado do recorte metodológico que os estruturalistas operaram na linguística. São as questões desenhadas por estes conjuntos que precisamos abordar se desejarmos compreender o sentido histórico-cultural desta apropriação - e qual a posição de Foucault em relação a ela.

3. A questão do sistema: autonomia, axiomática e diferencialidade

Afastar a língua do modelo filológico significava para os lingüistas, na passagem do século XIX para o XX, afastá-la de quaisquer determinações externas (históricas, fisiológicas, mitológicas). De fato, a ideia de uma investigação sobre os elementos universais da linguagem em funcionamento no uso mesmo das competências linguísticas - e sua relação com a semântica - já havia sido estudada, bem antes de Saussure, por Wilhelm von Humboldt. A maneira como alguns de seus textos problematizaram estes elementos, denominando-os Sprachbauten (Humboldt, 1830-1835, 44 e 254) ou simplesmente Bauten der Sprach (p. 43) - algo que poderíamos traduzir aproximadamente como arquiteturas lingüísticas - parece se aproximar da noção moderna de estrutura. As complicadas presenças do kantismo e do romantismo, paradoxalmente concomitantes na obra de Humboldt, acabam por forçá-lo nesta direção. Os instrumentos que caracterizam sua teoria da linguagem, portanto, não são capazes de (nem estão interessados em) sustentar uma disciplina autônoma, e o estudo da linguagem integra, assim, necessariamente, a aquisição de conhecimentos de outras disciplinas - é o caso, especialmente, da reconstituição histórica das línguas mortas, que constitui "o mais importante passo na apreensão da trajetória de desenvolvimento da linguagem" (Humboldt, 1827-1829, 123). Ao contrário, a distância tomada por Saussure é, neste sentido, um marco. É verdade que, para ele, "a lingüística tem relações muito estreitas com outras ciências, que ora lhe toma dados emprestados, ora lhes fornece" (Saussure, 1916, 20). Mas não há mais como fazer de seu estudo específico um amálgama de fonologia, retórica e história da cultura dos povos, uma "Geistwissenschaft multi-disciplinar e composta" (Davey, 1991, 91), como a filologia ainda à época, por exemplo, de Nietzsche - cujo Nascimento da tragédia somatiza um pouco este hibridismo. Saussure é muito preciso neste ponto: para que o verdadeiro objeto da linguística se apresente, para que sua diferença seja circunscrita entre outras abordagens da linguagem como fato humano, "é preciso, inicialmente, colocar-se sobre o terreno da língua [langue] e tomá-la como norma de todas as outras manifestações da linguagem". E, logo em seguida, ele acrescenta o deslocamento em sua definição da língua - esta é "um todo em si e um princípio de classificação" (Saussure, 1916, 45).
Tal exigência de autonomia se desenvolveu sob uma forma particularmente relevante para o estruturalismo: na ideia de arbitrariedade do signo linguístico. Para que a positividade da língua pudesse ser determinada intrinsecamente, foi necessário negar um princípio formal de correspondência entre o signo e qualquer referente externo. As coisas referidas não entram como tais no campo linguístico.11 William Dwight Whitney já havia se pronunciado desta forma em 1875, em seu livro The Life and Growth of Language: An Outline of Linguistic Science: "toda palavra transmitida em toda linguagem humana é um signo arbitrário e convencional [every word handed down in every human language is an arbitrary and conventional sign]" (Whitney, 1887, 19). Saussure mesmo reconhece esta dívida, citando-o em seus cursos. Mas sua crítica ali é que Whitney "não foi até o fim"12: ainda excessivamente filólogo, ele reencontra um critério histórico, social, que está em jogo na convenção do signo e o determina.
Mas a maior contribuição da linguística de Saussure para o estruturalismo está relacionada ao nexo heurístico entre autonomia e arbitrariedade radicais e a consequência que se estende daí: a indeterminação positiva do signo. Uma vez que o princípio de arbritrariedade impede não apenas qualquer determinação natural do significado, mas, mais que isso, qualquer detrminação semântica positiva, o próprio signo como objeto, como fato ou caso singular, se torna inabordável. Se definir o conteúdo semântico de um signo seria contornar a arbitrariedade entre significado e significante, então, tomado atomisticamente, o signo passa a ser uma estrutura indeterminada, já que não-referenciável. Talvez a intuição mais fundamental da linguística de Saussure decorra deste ponto: na medida em qua o princípio de arbritrariedade se instaura - e, assim, na medida em que o sentido não pára de deslizar sob o significante, escapando de toda determinação heterônoma - já não é mais possível compreender o signo como um elemento positivo. Mas o que impede, assim, o alastramento desta indeterminação até o ponto em que tornaria qualquer análise sistemática impossível? Justamente aí Saussure opera uma de suas redefinições mais abrangentes: para ele, a linguística não pode partir, em sua análise, dos signos em si mesmos, mas dos signos em relação uns aos outros, ou seja, determinados negativamente. A conhecida máxima do Curso, "na língua não existem senão diferenças" (Saussure, 1916, 166), assume aqui sua importância mais fundamental. Para que a positividade da língua se revele, portanto, é preciso reinseri-la em um sistema de diferenças. Somente dentro de um conjunto de outras estruturas arbitrárias é que o signo pode ser determinado, não mais ontologicamente, mas relacionalmente. É Émile Benveniste quem esclarece este passo:

Cada uma das unidades de um sistema se define, assim, pelo conjunto de relações que ela mantém com as outras unidades, e pelas oposições onde ela entra; é uma entidade relativa e opositiva, diria Saussure. Abandonamos, então, a ideia de que os dados da língua valem por eles mesmos e são 'fatos' objetivos, grandezas absolutas, suscetíveis de serem consideradas isoladamente. Na realidade, as entidades lingüísticas não se deixam determinar senão no interior do sistema que as organiza e as domina, e as une em relação umas às outras.13

Essa redefinição tem, pelo menos, duas consequências importantes e duradouras na corrente estruturalista.
Em primeiro lugar, ela permite romper com duas dinastias filosóficas firmemente enraizadas. A ideia de sistematicidade negativa e relacional em Saussure oferece uma alternativa tanto ao modelo mecanicista clássico, que submete as relações entre signos a uma mathesis universalis (Rockmore, 1993, 14-18; Foucault, 1966, 86-91), quanto ao da Naturphilosophie - e do século XIX, de modo geral - que entendia sistema como o conjunto de elementos cujas diferenças estariam subsumidas à positividade absoluta do Geist.14 Aqui também se instaura um afastamento meticuloso contra o hegelianismo da geração de Humboldt, que é, ao mesmo tempo, a elaboração de uma saída do humanismo romântico em geral. O sistema não se compõe mais de somas ou sínteses de positividades, mas do conjunto de funções ou valores. Se o significado teima em deslizar por sob os signos é porque é apenas na circulação, no espaço entre as unidades linguísticas que se põe em funcionamento o mecanismo de identificação em jogo na semântica. O sistema de Saussure, assim, é um sistema axiomático e não objetivo: "a língua [langue] não pode ser senão um sistema de valores puros" (Saussure, 1916, 155). Ele estabelece uma relação necessária entre diferencialidade sistemática e valor. E, como explica Oswald Ducrot,

Ao dizer que um objeto, uma moeda, por exemplo, é um valor, afirmase, com efeito, (a) que ele pode ser trocado por um objeto de natureza diferente (uma mercadoria) e, sobretudo, (b) que seu poder de troca está condicionado por relações fixas existentes entre ele e os objetos de mesma natureza (a taxa de câmbio entre as moedas e outras moedas do mesmo país e dos países estrangeiros). Ocorre o mesmo com o elemento linguístico. Para Saussure, este elemento é o signo (...). (Ducrot, 1972, 32)

Em segundo lugar, o limite negativo imposto pela arbitrariedade do signo abre espaço para a compreensão do sistema diferencial de relações que o investe de sentido. Sendo, portanto, um sistema que independe das determinações positivas de seus objetos, sua introdução em outros sistemas de unidades - não mais linguísticas, mas sociais, históricas, psicológicas, antropológicas etc. - torna- -se particularmente fácil. A diferencialidade da análise de Saussure, deste modo, resulta em sua tendência à transitividade. A geração estruturalista, portanto, pôde reconhecer aí um modelo analítico extremamente elástico. É verdade que, desde bem antes do termo estruturalismo ressoar nos artigos de jornal e nos programas de televisão, se reconheceu a eficácia do corte saussuriano sobre as outras áreas das ciências humanas. A passagem que permitiu essa transitividade, no entanto, parece não ter ficado clara. O mestre de Barthes, Algirdas-Julien Greimas, já em 1956, reconhecia na dicotomia formalista entre significante e significado a razão de tal eficácia (Greimas, 1956, 371-383). Barthes, por sua vez, procurou enxergar na questão da oposição entre Langue e Parole e na relação de simulacro (portanto, de significação mimética e não referencial) o ponto em que se apoiou a inflexão que permitiria a ampliação da Linguística em Semiologia, passando a habitar as análises de Merleau-Ponty, Lévi-Strauss e Lacan.15 De fato, todas estas posições apresentam pontos que, como vimos, foram extremamente significativos para a elaboração da análise estruturalista. Mas, como também já foi demonstrado, estes pontos, tomados isoladamente, já haviam sido formulados por outros autores. A presença de Saussure entre os estruturalistas é garantida, assim, não por um dos pontos até aqui citados, mas pelo fato de que eles estão articulados diferencialmente, ou seja, sem referência a um objeto, mas, ao mesmo tempo, dentro de um sistema.
Este tratamento diferencial é o que permitirá a análise das estruturas, e que terá um longo destino, de Barthes a Derrida, de Lacan a Deleuze. No que se refere mais especificamente a Foucault, ele funcionou como uma das premissas mais importantes da arqueologia, ao menos no período anterior à publicação de A arqueologia do saber. Já bem antes do movimento estruturalista se configurar, em 1963, o prefácio de O nascimento da clínica apontava nesta direção. Em suas páginas, embora o nome de Saussure não seja mencionado, a análise proposta é insistentemente remetida à heteromorfia entre significado e significante, de cuja conseqüência deriva um dos princípios metodológicos do livro:

Seria preciso tratar os fatos do discurso não como núcleos autônomos de significações múltiplas, mas como eventos e segmentos funcionais, formando um sistema, de proximidade em proximidade. O sentido de um enunciado não seria definido pelo tesouro de intenções que conteria, revelando-o e reservando-o ao mesmo tempo, mas pela diferença que o articula sobre outros enunciados reais e possíveis, que lhe são contemporâneos ou aos quais ele se opõe na série linear do tempo. Assim apareceria a história sistemática dos discursos. (Foucault, 1963, XIII)

Foucault reconheceu esta análise diferencial tanto nas pesquisas de Saussure, quanto, mais recuadamente, na tradição da gramática de Port-Royal.16 Não é difícil enxergar em muitas passagens de seus textos que discutem questões de método; e, mesmo na Arqueologia do saber, a diferencialidade parece manter uma função operatõria importante - é por ela que se efetua justamente a descrição dos discursos:

Nada, em todas essas descrições, se apóia na designação de influências, de trocas, de informações transmitidas, de comunicações. Não que se trate de negá-las ou contestar que jamais possam ser objeto de uma descrição. Mas, antes, de tomar em relação a elas, um recuo medido, de deslocar o nível de ataque da análise, de revelar o que as tornou possíveis; de demarcar os pontos em que se pôde efetuar a projeção de um conceito sobre outro, de fixar o isomorfismo que permitiu uma transferência de métodos ou de técnicas, de mostrar as vizinhanças, as simetrias ou as analogias que permitiram as generalizações; em suma, de descrever o campo de vetores e de receptividade diferencial (de permeabilidade e de impermeabilidade) que, para o jogo das trocas, foi uma condição de possibilidade histórica. (Foucault, 1969, 211)

Essa afirmação, claro, tem seus limites. Afinal, não se pode deixar de lado o modo como a Arqueologia do saber marca, em 1969, o esforço mais sistemático, até então, por parte de Foucault, de afastamento das metodologias históricas que lhe serviam de limite - história das ideias e mentalidades, história nova, de longa duração - incluindo aí a análise estruturalista. Em seu contexto, a ideia de estrutura, viabilizada pelo princípio diferencial da linguística de Saussure, é frontalmente rejeitada em função de seu caráter excessivamente abstrato e generalizável, algo que o léxico e os procedimentos analíticos de O Nascimento da clínica ainda pareciam se não admitir, ao menos tolerar. Mas um traço que persiste na arqueologia e que pode ser remontado até as premissas mais fundamentais do Curso é justamente essa insistência na exterioridade. É notório que, também sob este aspecto, as figuras solicitadas por Foucault são outras: mais frequentemente, Nietzsche Mallarmé, Artaud, Blanchot. O que, entretanto, parece inegável é o quanto a geração estruturalista também chegou a estes autores através da premissa de exterioridade erguida por Saussure. Simon Bouquet assinala a exterioridade como a principal contribuição filosófica do Curso para esta geração (Bouquet, 1989, 115). Evidentemente, não se pode fazer de Foucault um saussuriano. E, talvez, seja esse um dos motivos pelos quais não se pode fazer dele, igualmente, um estruturalista, como veremos adiante. Ainda assim, é o próprio Foucault que aproxima Saussure das questões levantadas desde a literatura: "fiquei impressionado pelo fato de que a problemática da linguagem - considerada independentemente de seus significados e do ponto de vista exclusivo de suas estruturas internas - tenha aparecido em Saussure no fim do século XIX quase no mesmo momento em que Mallarmé fundava uma literatura da linguagem pura, que domina ainda nossa época".17 O pensamento do fora, que fascinava Foucault em 1966, em um texto sobre Maurice Blanchot e a linguagem,18 encontra no princípio de exterioridade, assim, um dispositivo de análise central para a arqueologia.

4. A questão da descritividade do sistema: sincronicidade e história

Da exterioridade e da diferencialidade que se encontram no eixo central do corte saussuriano vemos como deriva a dimensão performativa do estruturalismo: a descritividade. Se o Curso de linguística geral já definia a abordagem de seu objeto como descritiva, era justamente porque sua diferencialidade impedia qualquer detrminação que não fosse a descrição de uma posição entre unidades. A linguística de Saussure se aproxima, assim, muito mais de uma topografia do que de uma geologia: ela não define a natureza dos estratos, mas os implica em uma posição a ser descrita. Assim, a operação visada por ela não é a explicação das mudanças ou dos devires da linguagem, que permanecem no domínio da parole, mas a descrição dos quadros relacionais, horizontais, entre as unidades linguísticas, que se constituem como campo da langue: "Deste modo, a linguagem só pode ser analisada como estrutura na medida em que é considerada como um estado, com seus elementos permanecendo na ordem temporal da simultaneidade" (Sahlins, 1995, 4). Chegamos, assim, ao ponto da análise de Saussure onde se articula uma das dicotomias mais duradouras de seu pensamento no campo das ciências humanas que o seguiram - a que distingue diacronia e sincronia.
É importante notar, de partida, que a distinção proposta deve ser operada, segundo o Curso, para interesse das ciências, nos "eixos sobre os quais estão situadas as coisas de que elas se ocupam" (p. 115; grifo meu). Ou seja, ela se dá no nível dos objetos. Ou, mais fundamentalmente: no modo como cada ciência compreende o que é um objeto para si. É por ter reformulado, através da arbitrariedade e da diferencialidade referenciais, a categoria de objeto em sua análise que Saussure deverá opor à causalidade temporal do eixo diacrônico - o eixo das sucessões - as regularidades descritíveis do eixo sincrônico - o eixo das simultaneidades. Promover tal dicotomia é, portanto, uma "necessidade interior" (p. 115) do tipo de sistema que se propõe. As passagens que se seguem a esta dicotomização parecem ter constado do cânone de toda a geração de intelectuais das décadas de 1950 a 1970 pela profundidade das consequências que ela deriva.
A primeira delas é a afirmação do privilégio analítico da descrição, em detrimento da explicação. Em um cenário epistemológico onde a análise se detém nas funções axiomáticas dentro de um sistema de signos arbitrários, não é difícil perceber que a interpretação que ela propõe, enquanto interpretação descritiva, se opõe, ponto a ponto, a uma narrativa explicativa que submetesse um fato a outro anterior (na ordem do tempo ou das razões, tanto faz aqui), ao qual se articularia por uma relação causal. O exemplo do jogo de xadrez é aí esclarecedor (Saussure, 1916, 126-127). Enquanto a perspectiva sincrônica se ocupa em descrever um estado do jogo, a diacrônica teria por tarefa explicar cada estado, articulando-os entre si, através dos movimentos das peças que o antecedem e o seguem. A lei sincrônica, que é, antes, uma "regularidade" - e não uma "lei imperativa", apenas "constata um estado de coisas" (p. 131) e descreve as relações que os organiza. E, embora Saussure insista, um tanto ambigua, se não paradoxalmente, no que chama de interdependência e concomitante autonomia dos dois eixos, também deixa claro que "o aspecto sincrônico prima sobre o outro" (p. 128). A singularidade positiva imposta pelo modelo dinâmico explicativo da diacronia está totalmente fora da definição de sistema construída no Curso - a tal ponto que se pode afirmar, aí, que "na perspectiva diacrônica trata-se de fenômenos que não têm nenhuma relação com os sistemas" (p. 122).
À primeira vista, a linguística de Saussure, ao excluir do horizonte da análise a dimensão causal temporal, parece se tornar totalmente incompatível com a história. O fato de que tenha havido uma história estruturalista, alimentada pelas ideias desta linguística, no entanto, desafia esta lógica. Mais ainda; seria possível afirmar que o estruturalismo só se deu como o fenômeno tão abrangente que foi na medida em que pôde integrar a disciplina que faltava na pléiade da identitidade intelectual francesa: Barthes já havia cuidado das belas letras; Lacan, da psicanálise, Lévi-Strauss, da antropologia - era a vez da história. A crítica do modelo causal - que, politicamente, parecia se comprometer com um positivismo totalitário - e a consequente adoção de um modelo descritivo, fundamentado na diferença, parecem, assim, funcionar não apenas como um dos pontos de partida mais importantes da renovação estrutural, mas como um dos eixos que aproximaram Foucault deste movimento.
Ora, o que a história estruturalista via no procedimento descritivo e não-referencial era a possibilidade de abandonar o modelo da articulação causa-efeito, que subssumia a particularidade do acontecimento sob um todo externo que lhes daria sentido. Da perspectiva deste modelo, portanto, o sistema de objetos deriva da existência deste nível meta-histórico, talvez filosófico, que persistiu sob a forma romântica, positivista ou cientificista, do século XVIII ao XX. Foi da exigência de autonomia heurística de Saussure que a história estruturalista fez, assim, seu duplo.
É claro que, para isso, ela teve de reinterpretar as passagens do Curso que mais rigidamente distanciavam sua análise da história, e precisou relativizar, de diversas formas, a dicotomia sincrônico-diacrônico. Ou seja, foi necessário reinserir legitimamente a diacronia, a singularidade do evento histórico, sem lançar mão de categorias explicativas e sem determinar positivamente tal evento. A narrativa histórica deixou de ser a conquista de um todo diacrônico para se tornar uma sucessão de sincronias, estados ou estratos, cujos nexos de continuidade haviam se rompido. É extremamente significativo, contudo, que tenham sido os próprios linguistas a problematizar este aspecto. Já Nicolai Troubetskoi e Roman Jakobson, na década de 1930, ocupados em delimitar o campo de uma fonologia histórica, que tratasse das mudanças no interior da língua, tornaram mais complexas e menos definidas as fronteiras entre langue e parole e entre sincronia e diacronia. Esta interpretação fonológica de Saussure insistia que "a mutação pode ser objeto de investigação sincrônica do mesmo modo que os elementos linguísticos invariáveis", sendo, portanto, um "erro grave" tomar a sincronia como sinônimo de imobilidade (Jakobson, 1931, 218). Levando adiante esta posição, Émile Benveniste retomou o problema em um texto originalmente publicado em 1954, Transformations de la linguistique, onde afirma:

A novidade do ponto de vista saussuriano, um dos que agiram mais profundamente, foi a de tomar conciência de que a linguagem em si mesma não comporta nenhuma dimensão histórica, que ela é sincronia e estrutura, e que não funciona senão em virtude de sua natureza simbólica. Não é tanto a consideração histórica que é condenada desse modo, mas uma maneira de 'atomizar' a língua e mecanizar a história. O tempo não é o fator da evolução, ele não é senão seu quadro. A razão da mudança que afeta tal elemento da língua está, de um lado, na natureza dos elementos que o compõem em um momento dado, de outro, nas relações de estrutura entre estes elementos. A constatação bruta da mudança e a fórmula de correspondência que a resume dão lugar a uma análise comparada de dois estados sucessivos e dos agenciamentos diferentes que os caracterizam. A diacronia é, então, reestabelecida em sua legitimidade, enquanto sucessão de sincronias. (Benveniste, 1966, 4)

Do lado dos historiadores, este resgate da diacronia na análise dos sistemas diferenciais é recebido com entusiasmo e suscita um debate acalorado durante praticamente toda a década de 1960. Não se pode esquecer que a ideia de uma análise estrutural não era nova para eles. Desde a fundação da revista Annales por Marc Bloch e Lucien Febvre em 1929, a história havia promovido sua revolução copernicana justamente por se afastar dos modelos positivistas e por insistir nos quadros horizontais e quase imóveis das estruturas em funcionamento nas sociedades e na cultura. Em seu manifesto escrito durante a Segunda Guerra, Apologie pour l'histoire, Marc Bloch marcava sua posição nitidamente: a história já não deve mais se perguntar se Jesus Cristo morreu e depois ressuscitou, mas, antes, investigar as "estruturas", mentais ou sociais, que permitiram que, durante um longo período, se acreditasse nisso (Bloch, 1952, 7). Assim, embora encontrassem muitas afinidades entre o trabalho dos Annales e as exigências dos estruturalistas, a reação entre os herdeiros ideológicos de Bloch e Febvre foi, inicialmente, de reserva. Fernand Braudel, em especial, foi bastante reticente à recepção dos novos modelos historiográficos, mesmo tendo sido um dos poucos a elogiar a História da loucura de Foucault, por ocasião de seu lançamento, em 1961, reconhecendo nela a originalidade de sua descrição das "estruturas mentais de uma civilização".19 E mesmo Emmanuel Le Roy Ladurie, que o sucedeu na direção da revista, só pôde fazer o elogio desses modelos enxergando neles a continuação de um procedimento que desde há muito tempo já existia. Ao entenderem a estrutura como uma espécie de duplo da ideia de longa duração desenvolvida por Braudel, ele e os historiadores dos Annales tenderam a relativizar a autoproclamada inovação do estruturalismo.20
O que, no entanto, parece escapar é a enorme diferença entre as duas noções de estrutura, a da dinastia Febvre-Braudel e a do estruturalismo autoproclamado. A confiança excessiva na objetividade dos documentos, das fontes e das perspectivas quantitativas que nutriram os trabalhos da Escola dos Annales os levava a compreender a estrutura como algo dado positivamente, e não diferencialmente. Jean-Pierre Vernant parece ter sido, se não o primeiro, ao menos o mais eficiente, ao propor uma saída tanto para os limites da objetivação quanto para a rigidez da sincronia - aquilo que François Dosse denominou o "paradigma frio" de Lévi-Strauss.21 Seu artigo de 1960, "Le mythe hésiodique des races. Essai d'analyse structurale" abre, incontestavelmente, as portas para uma antropologia histórica, que teria um longo destino na década seguinte. O procedimento analítico fundamental deste seu texto consiste em mostrar como o caráter vertical - poderíamos dizer, diacrônico - do mito só adquire sentido quando referido à sua dimensão horizontal, estrutural - poderíamos dizer, sincrônica.22 A história se integra, portanto, à legitimidade de uma análise estrutural na medida em que abandona o paradigma explicativo e passa a descrever os estratos que formam a genealogia mítica.
Foi, entretanto, As palavras e as coisas, que consolidou, aos olhos dos intelectuais daquela década, a entrada da história na era estrutural. Desde Sartre, um filósofo não aparecia com tanta repercussão nas colunas de cultura dos jornais ou nos programas de televisão. A popular revista Le nouvel Observateur anunciava, com destaque, em sua seção de resenhas de livros, sob o título Foucault como pãezinhos, o sucesso editorial: "Oitocentos exemplares de 'As palavras e as coisas' vendidos em cinco dias duarnte a última semana de julho (9.000 exemplares ao todo)".23 No mesmo ano, o programa televisivo Lectures pour tous entrevistava o autor do sucesso editorial. É evidente que não se pode fazer da versão vulgata de As palavras e as coisas o critério definitivo para compreender a imprecisa e complexa inscrição que se faz de Foucault no estruturalismo nesse momento - frequentemente com seu aval. Mas é indiscutível o fato de que o número de exemplares vendidos esteve diretamente ligado à representação desta inscrição. Mesmo que, nos anos seguintes, Foucault tenha se esforçado para se desassociar do estruturalismo, em 1966, sua posição ao menos ainda permitia tal conexão. Seu livro, cujo subtítulo inicial não era "uma arqueologia das ciências humanas", como quando de sua publicação, mas "uma arqueologia do estruturalismo" (Dosse, 2001, 204), partia justamente de um procedimento descritivo e diferencial dos discursos das emergentes ciências humanas no século XVIII, recusando os modelos explicativos. Em uma passagem incessante e descontextualizadamente repetida, Foucault chega a afirmar que o estruturalismo realizaria a tarefa crítica que a modernidade havia posto a si mesma ao menos desde Kant:

O que o pensamento moderno vai por fundamentalmente em questão é a relação do sentido com a forma da verdade e a forma do ser: no céu de nossa reflexão reina um discurso - um discurso talvez inacessível - que seria, ao mesmo tempo, uma ontologia e uma semântica. O estruturalismo não é um método novo, ele é a consciência desperta e inquieta do saber moderno. (Foucault, 1966, 220-221)

Mais significativas são, ainda, as afirmações feitas durante a transmissão do já referido programa Lectures pour tous, em junho de 1966. Em pouco menos de quinze minutos de entrevista com Pierre Dumayet, Foucault enfaticamente se opõe ao humanismo de Sartre, a quem identifica como "um homem do século XIX", a partir de uma análise não mais positiva, mas, referindo-se, constantemente ao trabalho de Lévi-Strauss sobre os Nambiquara, de uma análise de estrutura. Explicitamente, ele aponta a dívida de sua crítica com a linguística: se a ilusão do humanismo sartriano era justamente a de pretender determinar o significado do signo homem, a filosofia agora, liberta do positivismo, pode se oferecer como um modelo analítico "tão abstrato quanto a limguística". A situação das ciências humanas da qual Foucault se faz porta-voz - todo o tempo ele se associa a um "nós" ao se pronunciar sobre as análises da antropologia e da história dos últimos anos - é a de uma inversão saussuriana desta tese: o homem, essa invenção do final do século XIX, se torna apenas descritível nas suas relações - econômicas, psicológicas, sociais.24 Vê-se, com isso, que a proximidade de Foucault com a análise estruturalista passa, por um lado, pela defessa insistente do paradigma descritivo e não-referencial em história, levando ao extremo as premissas de Jean-Pierre Vernant.
Por outro lado, no entanto, uma outra dimensão das análises históricas de As palavras e as coisas parece se alinhar às de Vernant e dos estruturalistas que o seguiram - e esta é a segunda consequência da dicotomia sincrônico-diacrônico que resta a analisar: a rejeição do papel fundador do sujeito. Essa rejeição também se abre desde a linguística de Saussure. O Curso toca nela quase fortuitamente: seu procedimento analítico complementa a descritividade das estruturas deixando de fora, também, a categoria da intencionalidade na narrativa dos sistemas: neles, "a mudança se produz fora de toda intenção" (Saussure, 1916, 122). Mas, mesmo de passagem, a linguística de Saussure condena o sujeito falante ao silêncio. Esse mutismo, que caracteriza a noção de inconsciente como linguagem estruturada em Lacan,25 parece encontrar seu duplo na morte do homem proclamada nas páginas finais de As palavras e as coisas - e relembrada com ênfase ao final da entrevista televisionada de 1966. A ausência do sujeito e do homem se convertem, assim, no sol negro da antropologia, da psicanálise e da linguística estruturais. Michel de Certeau identificou com precisão a veia de Saussure no corpo do texto de Foucault: "O método permanece o significante de um significado impossível de enunciar" (Certeau, 2002, 153). O problema erguido por essa ausência de um sujeito fundador das representações a serem descritas constitui, aparentemente, a herança mais radical do Curso de linguística geral e só se instaura no estruturalismo em sua versão mais negativamente crítica (Dosse 1991-1992, 72-73).
Era de se esperar que descritividade absoluta e dessubjetivação dos sistemas estivessem mutuamente implicadas, como em Saussure. No entanto, o preço a pagar pelo fim do positivismo pareceu alto demais a muitos dos que se diziam estruturalistas. A alternativa tentadora de um estruturalismo marxista parecia oferecer uma boa solução de compromisso: morre o sujeito, mas as estruturas permanecem de pé graças à sua racionalidade intrínseca. Louis Althusser impulsionou um movimento que mais tarde definiu como "flerte" com o estruturalismo, justificando que os instrumentos da análise estrutural permitiam uma leitura mais rigorosa da obra de Marx (Althusser, 1994, 88). Seu seminário da École Normale de 1962-1963 dedicava-se, justamente, a analisar as contribuições do estruturalismo nas ciências humanas (Éribon, 1996, 191). A admiração por seu ex-aluno - Foucault havia estudado com Althusser no começo da década de 1950 - restringiu-se, no entanto, aos livros que deixavam em aberto a possibilidade de uma síntese na história, a História da loucura e O nascimento da clínica. Ora, desde As palavras e as coisas é a própria síntese que é posta em questão, e, em 1969, ao olhar criticamente para os livros que havia publicado antes - justamente os que seu mestre na École Normale mais admirava - Foucault identifica, por exemplo, na História da loucura, o uso excessivo e incorreto da noção de experiência, que poderia acabar por reintroduzir, subrepticiamente, um fundamento subjetivo que a análise do livro de 1966 se esforçou por conduzir ao solo arqueológico sem, no entanto, explicitar satisfatoriamente suas premissas (Foucault, 1969, 26-27). Para Althusser, abrir mão da figura do homem era demasiado, a ponto de As palavras e as coias já lhe parecer ruim, inacabado, não-refletido (pp. 193-194). De um marxismo mais virulento, Pierre Villar duplicou, intensificando, as críticas ao texto, que lhe parecia desviar o projeto anunciado nos livros anteriores na direção de uma arbitrariedade estéril. Para Villar, o que o estruturalismo ganhava com a publicação de As palavras e as coisas era sua face mais delirante:

Desde a leitura do primeiro Foucault, experimentei uma angústia "de encerramento", conveniente ao objeto, mas devida também a seu corte. Acreditava ser marxista essa insatisfação.
Desde então, Foucault generalizou em grandes obras um método que deixa ver melhor seus vícios e menos suas virtudes. No ponto de partida, hipóteses autoritárias. Vem a demonstração e, sobre pontos onde se possuía alguma clareza, eis que se descobrem as datas misturadas, os textos induzidos, as ignorâncias tão grandes que é necessário crê-las desejadas, os contra-sensos históricos multiplicados (categoria perigosa). Foucault encontra-se, sobretudo, sempre prestes a substituir, sem prevenir, a 'episteme' por ele descoberta não por conceitos construídos (aí o felicitaríamos), mas por seu próprio jogo de imagens. Althusser, a respeito de Michelet, fala de 'delírios'. Igualmente, o talento de Foucault não é diferente. "Mas o historiador preferirá Michelet, se for necessário escolher entre dois delírios". (Villar, 1974, 188)

A história já é conhecida, a ponto de quase se tornar uma espécie de lenda na historiografia intelectual francesa: às vésperas de 1968, decapitar o sujeito, desmontar a razão, era calar a revolução. A revolta estudantil de maio de 1968 exigia um compromisso ideológico do estruturalismo que, por sua incontornável negatividade, ele não podia oferecer - o que o tornou insustentável. Para se afastar do "humanismo mole"26 de Sartre, para evitar a redução ao cogito da fenomenologia - objetivos comuns aos estruturalistas e a Foucault27 - era preciso sacrificar a racionalidade das estruturas em nome da radicalidade histórica. Nas ruas, entre os protestos estudantis, o estruturalismo e sua estrela principal haviam se tornado insustentáveis.
É bem verdade que não foi maio de 1968 quem matou o estruturalismo. Nem mesmo, ao contrário do que se pretendeu algumas vezes, seu declínio se deu em função da excessiva contaminação das opiniões superficiais dos jornais e dos meios de comunicação28, fenômeno que certamente não matou o existencialismo algumas décadas antes, e que parece, ao contrário, ter dado longa vida ao que se convencionou chamar de pós-modernismo nas últimas décadas.. De fato, muitos intelectuais recusaram o título de estruturalistas afirmando que se tratava de um falso reconhecimento, de uma atribuição sem um sentido de unidade profundo: para eles, como é o caso de Lévi-Strauss, o estruturalismo não morreu porque nunca existiu - tratava-se, antes, de um amálgama artificial que colocava sob um mesmo rótulo um número considerável de grandes diferenças específicas (Eribon, 1988, 105). Tal percepção da heterogeneidade, subitamente desperta, foi o que também permitiu a muitos outros relativizar seu pertencimento a um mesmo método e percorrer caminhos desde então nitidamente divergentes. Jacques Lacan, passando a assinalar a importância de seu ensino para o pensamento revolucionário, ao se engajar aos althusserianos da École Normale, desviou rumo aquilo que Élisabeth Roudinesco compreendeu como uma "tendência cada vez mais forte a privilegiar a fórmula contra o raciocínio, o slogan contra a demonstração, o neologismo contra o argumento", o que "acabará por transformar o discurso lacaniano numa caixa de milagres para seitas messiânicas" (Roudinesco, 1993, 340). Por outro lado, como que reconhecendo o perigo do culto à personalidade, que acabaria fazendo com que seu nome fosse associado, para seu desgosto, a um modismo superficial e efêmero, Roland Barthes também opera um deslocamento a partir de 1968. O que Éric Marty identifica como uma "ruptura brutal e declarada com o estruturalismo" (Barthes, 2004, 11), assinalada com a publicação de S/Z, em 1970, pode ser lido como a passagem da semiologia da estrutura à crítica do texto. Mesmo Jean-Pierre Vernant, cuja dupla filiação - a uma ideia de análise estrutural diacrônica e ao marxismo pró-althusseriano - lhe permitiu atravessar a revolta ao lado dos estudantes,29 muito tempo depois também relativizou sua integração ao modelo estruturalista (Vernant, 2009, 13 e ss).
Foucault acompanha essa relativização. A maneira como a análise estrutural aparecia como aquilo que permitiria "diagnosticar o presente" em 1967,30 o privilégio dado à noção de estrutura ou análise estrutural em textos como a Histoire de la folie31 ou Naissance de la clinique32 é substituído por uma recusa gradual de afastamento desses modelos de análise. É fato que, ainda em 1967, apesar de considerar seu trabalho como colocando em jogo uma noção central de estrutura, Foucault evita uma filiação completa a essa abordagem metodológica:

O que tentei fazer foi introduzir análises de estilo estrutural em domínios onde elas não haviam penetrado até o presente, quer dizer, no domínio da história das ideias, da história dos conhecimentos, da história da teoria. Nesta medida, fui levado a analisar em termos de estrutura o próprio nascimento do estruturalismo. É nessa medida que tenho com o estruturalismo uma relação ao mesmo tempo de distância e de duplicação. Distância porque falo dele ao invés de praticá-lo diretamente, e de duplicação porque não quero falar dele sem falar sua linguagem.33

A ambiguidade desta afirmação apenas perpetuou uma imagem de Foucault como estruturalista contra a qual ele se voltou nos anos seguintes. Há uma mudança significativa entre as reservas de 1967 e a veemência com que, um ano depois, em uma conferência na Tunísia, ele se defende contra tal imagem:

Queria, antes de tudo, confidenciar algo que parece ainda não ser ainda conhecido em Paris, que é [o fato de que] não sou estruturalista. A não ser em algumas páginas de que me arrependo, nunca empreguei a palavra estrutura. Quando falo de estruturalismo, falo dele como de um objeto epistemológico que me é contemporâneo.34

A distância que Foucault queria promover nesse momento, transformando a abordagem estrutural em objeto, assinala uma transformação não exatamente no método - embora algo nesse sentido possa ser identificado - mas em sua compreensão no interior de um projeto filosófico. Assim, o afastamento de estruturalismo empreendido por Foucault desde 1968 faz eco a uma exigência de abertura que atravessa as ciências humanas. No entanto, exilado por vontade própria nos confins epistemológicos, o espaço de onde ele escreve não se deixa encerrar, nem mesmo sob um procedimento, em nome da filosofia propriamente dita, cuja unidade a arqueologia se esforçava por desmontar.

NOTAS

1. Sobre o grupo da Tel Quel, cf. During, 1992, 67; e também Kauppi, 1994 (para um brevíssimo sumário sobre o hesitante envolvimento de Foucault com a revista, cf. pp. 144-145).
2. Sobre o impacto de Foucault nos Cultural Studies e na teoria literária americana, o livro de François Cusset, French Theory, continua sendo o estudo mais detalhado. Cf., também, During, 1992, 13-14. O artigo "Doing Theory", de Sylvère Lotringer, uma das fundadoras da revista Semiotext(e), órgão de divulgação fundamental da French Theory, é, enfim, uma recaptulação importante deste movimento (cf. Lotringer & Cohen, 2001, 128- 130).
3. Cf. Saussure, 1916, 25, onde a língua é definida como "un tout en soi et un principe de classification" privilegiado. Remetemos, também, à posição análoga de Louis Hjelmslev em seu Prolegômenos a uma teoria da linguagem, p. 3: "Essa linguística deve procurar apreender a linguagem não como um conglomerado de fatos não linguísticos (físicos, fisiológicos, psicológicos, lógicos, sociológicos), mas sim como um todo que se basta a si mesmo, uma estrutura sui generis".
4. Sobre o uso do enunciado nos limites da linguística, cf. Dubois, 1969 e Irigaray, 1969, ambos publicados no volume 13 da revista fundada por Barthes, Langages. Foucault rejeita a equivalência entre enunciado e speech acts argumentando que cada ato ilocutório envolve um conjunto de enunciados distintos (1969, 110-11). Hubert Dreyfus e Paul Rabinow retomam e relativizam essa diferença em Michel Foucault - Beyond Structuralism and Hermeneutics, pp. 45-48.
5. Cf. Ducrot, "Linguistique générative" (Ducrot & Todorov, 1972, 56-63).
6. E, de fato, o foram, por exemplo, por Manfred Frank, 1989, 25-134.
7. Foucault, DE I, 595.
8. Lévi-Strauss assistiu, em Nova York, aos cursos de Jakobson, de quem acabou se aproximando também pessoalmente. A mútua colaboração é bastante conhecida, e Lévi-Strauss insistiu sempre em assinalar sua dívida com a linguística de seu amigo (Cf. Eribon, 1988, 62-65 e o comentário de Steven Unger a respeito em Unger, 2004, 157-173).
9. Jakobson é apresentado por Lévi-Strauss a Lacan em 1950, data a partir da qual passam a manter uma relação de amizade (Roudinesco, 1993, 283).
10. Cf. Eribon, 1988, 158: "Compreenderam mal a natureza e a importância de meus empréstimos à linguística. Fora de uma inspiração geral - o que, admito, é enorme - eles se reduzem ao papel da atividade inconsciente do espírito na produção de estruturas lógicas (...)".
11. A não ser na medida em que são tratadas e reintroduzidas formalmente, ou seja, como elemento formalizado no interior da linguagem. É o caso de Chomsky, notadamente em sua conferência Language and Thought (em especial, pp. 17 e ss., e na discussão transcrita, pp. 61 e ss.).
12. Saussure, 1916, 110. Cf., também p. 104: "A língua não pode ser mais, portanto, assimilada a um contrato puro e simples (...)".
13. Benveniste, 1966, 21. Cf., também, Pettit, 1975, 10-13.
14. Uma interessante interpretação da ideia de sistema no romantismo alemão é o capítulo "System und Begriff", na primeira parte de Der Begriff der Kunstkritik in der deutschen Romantik, de Walter Benjamin (pp. 40-53).
15. Barthes, 1964, 646-648. Sobre a relação de simulacro posta em jogo pelos estruturalistas a partir da linguística, cf. Barthes, 1963, 466-472.
16. Cf. DE I, 745: "... a tarefa da gramática não é a de mostrar como o sentido pode se constituir, a partir de quais elementos e seguindo quais regras. Ela dirá quais são, para os diferentes vocábulos, as diferentes significações: análise diferencial das palavras e não enunciado das leis de sua construção".
17. DE II, 171.
18. Cf. DE I, 518-539.
19. Braudel, 1962, 771. Sobre a hesitação de Braudel quanto ao estruturalismo, cf. Dosse, 1993, 259-262 e Daix, 1999, 483-497.
20. Cf. Ladurie, 1961, 673-692. A ideia de longue durée é defendida por Braudel em seu famoso artigo "Histoire et Sciences sociales : La longue durée" (Annales. Économies, Sociétés, Civilisations, vol. 13, n. 4, 725-753) e pode ser lido como uma tentativa de realinhar a pesquisa histórica aos avanços metodológicos que as ciências sociais vinham experimentando, sobretudo desde o estruturalismo de Léi-Strauss.
21. Dosse, 2001, 196. Quanto às críticas ao objetivismo da Escola dos Annales, cf. Burke, 1990, 79-93.
22. Cf. Vernant, 1960, 24-25: "Para o pensamento mítico, toda genealogia é, ao mesmo tempo, e tanto quanto, explicitação de uma estrutura; e não há outra maneira de dar conta de uma estrutura senão apresentála sob a forma de uma narrativa genealógica". Sobre a importância desse texto, cf. Dosse, 1993, 213-215.
23. Le nouvel observateur, 10 de agosto de 1966, p. 29.
24. As passagens entre aspas neste parágrafo são transcrições literais extraídas das respostas de Foucault. A entrevista a Pierre Dumayet foi ao ar no dia 15 de junho de 1966. O vídeo com a transmissão da participação de Foucault encontra-se em vários sites da internet. O mais estável deles parece ser atualmente o do Institut national de l'audiovisuel francês (http:// www.ina.fr), onde o vídeo se encontra hospedado e pode ser assistido integralmente. François Dosse se refere muito rapidamente a essa importante entrevista (2001, 203 e 1991-1992: 367).
25. Em muitos lugares, Lacan reconheceu a dívida a essa posição de Saussure. Cf., por exemplo, "Subversion du sujet et dialetique du désir" (Écrits, p. 799).
26. Cf. DE I, 541.
27. Sobre a relação entre As palavras e as coisas e a fenomenologia, cf. Lebrun, 1989, 33-53 e, em um âmbito mais geral, Lemos, 2009, 38-50.
28. Essa é a tese, por exemplo, de Franck Frommer, em seu artigo sobre Jean-Claude Millner, herdeiro tardio do estruturalismo, intitulado "Comment «la France est redevenue le pays le plus anti-intellectuel et le plus anti-politique du monde»…" (Mouvements, n. 24, 104-112; especialmente p. 110).
29. Cf. Dosse, 1993, 255-258. Vernant narra os episódios de maio de 1968 que o levaram a confrontar a direção do Partido Comunista e se colocar ao lado dos estudantes em Entre mito e política, p. 23.
30. Cf. DE I, 580-584.
31. Foucault fala, em diversos momentos, da "estrutura" como aquilo que em Les mots et les choses receberia o nome de épistémé - como, por exemplo, quando analisa a "grande estrutura" que caracterizou o pensamento Renascentista acerca da loucura (Histoire de la folie, p. 39).
32. Uma passagem longa do Prefácio deste livro se dedica a explicitar o que seriam as análises das estruturas da racionalidade que se operaram co campo da medicina, que se oporiam a uma pesquisa que teria como premissas metodológicas a analogia e a continuidade - premissas que Foucault pretende afastar de seu trabalho (Foucault, 1963, XIII-XV).
33. DE I, 583.
34. DE I, 838.

BIBLIOGRAFÍA

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Recibido: 05-2012;
aceptado: 12-2012

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